sexta-feira, 18 de novembro de 2022

'Barbie dos animais': médico é indiciado por homicídio culposo de veterinária após cirurgia no Ceará

 A defesa sustenta que o procedimento transcorreu sem qualquer intercorrência, e com os parâmetros da paciente dentro da normalidade e do esperado


 Kelly Linhares Pedrosa morreu horas após passar por cirurgias plásticas

A Polícia Civil do Ceará indiciou o médico cirurgião plástico Valderi Vieira da Silva Júnior por homicídio culposo. Conforme inquérito finalizado neste mês de novembro, o médico foi responsável (mesmo sem intenção de matar) pela morte da médica veterinária Kelly Linhares Pedrosa, conhecida como "Barbie dos animais"

Agora, o inquérito está sob análise do Ministério Público do Ceará (MPCE) para adotar o que julgar como providências cabíveis.

Após publicação da reportagem, o delegado informou que realizou um "indiciamento indireto" tendo juntado as provas para a indicação de homicídio culposo, cabendo a decisão para Procuradoria de Justiça e Ministério Público. 

A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso a um laudo pericial onde consta que Kelly teve uma perfuração no intestino. A veterinária era adepta a cirurgias plásticas e horas antes de morrer passou por procedimento de grande porte. Ela teve dores na barriga e falta de ar após a intervenção cirúrgica e foi novamente hospitalizada.

Consta nos documentos que Kelly estava em estado gravíssimo quando foi socorrida por outros profissionais. A médica veterinária morreu em abril de 2022, em Fortaleza. Agora, a família pede celeridade para ser "feita Justiça" no caso, enquanto a defesa do médico alega que "a informação de qualquer tipo de erro médico na condução da cirurgia e dos pós-operatório da paciente, não procede".

"A Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) informa que as investigações acerca da morte de uma médica veterinária, de 36 anos, foram concluídas e remetidas ao Poder Judiciário. Conforme as investigações e laudos periciais, há indicativos de erro médico ocorrido durante o procedimento cirúrgico que culminou na morte da médica veterinária. A vítima faleceu no último dia 16 de abril, no bairro São João do Tauape – Área Integrada de Segurança 10 (AIS 10) de Fortaleza. Com a conclusão do Inquérito Policial, o médico, responsável pela cirurgia da vítima, poderá responder por homicídio culposo"

Em nova nota divulgada pela defesa do médico, o advogado nega que tenha havido indiciamento: "o inquérito policial não indiciou o Dr Valderi, de forma que qualquer informação contrária à esta informação não reflete à realidade"

"LEVOU A VIDA DA MINHA FILHA"


Maria de Jesus Linhares Pedrosa, mãe da vítima, pede Justiça pela morte da filha e que o médico tenha o registro suspenso: "tentamos parar um profissional que levou a vida da minha filha. Uma moça na flor da idade, profissional gabaritada, mãe de duas crianças. Ela tinha problema renal e foi submetida a múltiplos procedimentos. Uma atitude de imprudência do médico que jurou salvar pessoas e não colocar pacientes em perigo".

Quando a vítima voltou a ser hospitalizada, passou por uma tomografia que indicou pneumoperitônio e líquido livre, sugerindo a lesão de alça e extravasamento de líquido na cavidade abdominal. Ela precisou ser submetida a uma cirurgia de urgência para retirar o líquido do abdômen decorrente da perfuração intestinal e em menos de 24 horas morreu.

A causa da morte foi declarada como choque hemodinâmico refratário devido a uma infecção generalizada, com fonte provável a lesão no abdômen. O cirurgião que fez a última cirurgia para socorrer a paciente localizou a perfuração no intestino da vítima.

DEFESA


A defesa, representada pelo advogado Clailson Cardoso Ribeiro, diz que a paciente já havia se submetido a diversas outras cirurgias, tanto plásticas estéticas, quanto necessárias, trazendo um importante histórico de aderências e doenças preexistentes: "cabe esclarecer que todo procedimento cirúrgico estético possui riscos, motivo pelo que o paciente autoriza o procedimento".

Já o advogado assistente da acusação, Ernando Uchoa, afirma que "os elementos angariados na investigação colocam a situação em um patar mais grave". Uchoa ressalta que "cabe ao Ministério público analisar os elementos indiciários e naturalmente traduzir isso em oferecimento de uma denúncia".

"Acompanhamos também o procedimento realizado pelo Conselho Regional de Medicina para que possamos ver o médico submetido a um procedimento ético-profissional e nesse âmbito ser responsabilizado. Esta é a nossa expectativa"
ERNANDO UCHOA
Assistente da acusação

O QUE A INVESTIGAÇÃO APONTOU


O inquérito foi concluído no 25º Distrito Policial, após serem ouvidos o suspeito, demais médicos que prestaram socorro, parentes e amigos da vítima. A Polícia concluiu pelo homicídio culposo "tendo por base o conjunto de declarações tomadas e notadamente as constatações periciais".

Para o delegado, "os desdobramentos da ocorrência restaram devidamente apurados e catalogados, tudo conforme elementos probatórios e informativos juntados aos autos".

No último dia 17 de outubro, o delegado pediu informações ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec) sobre o andamento da sindicância aberta para apuração da conduta na seara administrativa. No dia 26 de outubro, o Conselho respondeu que a sindicância segue em tramitação, sem especificar a atual fase.

A reportagem entrou em contato com o Conselho a fim de saber atualização sobre a sindicância, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

RELAÇÃO ENTRE VÍTIMA E SUSPEITO


A primeira vez que a médica veterinária Kelly procurou pelo médico Valderi foi para corrigir uma assimetria mamária. A cirurgia foi feita em 2021. No dia 7 de abril de 2022 um novo encontro. O médico diz que Kelly foi até a clínica e ele indicou uma cirurgia corretiva nos seios, mas a paciente teria dito também querer passar por uma nova lipoaspiração.

A mãe da médica veterinária diz que a filha só tinha um rim funcionando quando passou pelas últimas plásticas, e que isso era de conhecimento médico. Também constam nos laudos que Kelly tinha endometriose profunda, sendo necessário acompanhamento de perto de um médico ginecologista.

Uma amiga da vítima prestou depoimento dizendo saber das reiteradas cirurgias que Kelly passava com este médico. Na versão dela, "todas as vezes que ela retornava, era convencida a passar por um novo procedimento".

A defesa sustenta que o procedimento realizado no dia 14 de abril de 2022 "transcorreu sem qualquer intercorrência, e com os parâmetros da paciente dentro da normalidade e do esperado, tendo a paciente despertado sem queixas e dentro dos parâmetros".

Segundo o advogado de defesa, Clailson Cardoso, ao voltar para casa, a paciente reportou episódio de dor ao médico e foi orientada a procurar a emergência hospitalar. Após esse quadro, o médico Valderi Júnior foi ao hospital onde se encontrava a paciente e lá permaneceu todo o tempo acompanhando Kelly, que transitou entre dois hospitais de emergência até conseguir atendimento cirúrgico.

"Foram encontradas lesões inflamatórias atrás do intestino grosso e, ao rebater o duodeno, encontraram uma lesão extensa, linear, oblíqua transversalmente em relação ao duodeno, de uns 40mm. As lesões apresentadas pela paciente eram de dentro para fora e não de fora para dentro, o que seria plausível caso houvesse perfuração com cânula. Tal lesão, apontada como possível causa do óbito da Sra. K. P. L., é absolutamente incompatível com possíveis lesões provocadas pelas cânulas utilizadas no procedimento de lipoaspiração", acrescentou o advogado. 

Em junho de 2022, a Perícia Forense do Ceará (Pefoce) emitiu laudo e destacou não caber ao perito julgar se houve ou não erro médico nos procedimentos, sendo "este julgamento de responsabilidade do Conselho Regional de Medicina". A defesa de Valderi acrescenta que o médico e a equipe dele "lamentam  profundamente  o ocorrido e se põem à disposição para maiores esclarecimentos necessários".




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