O caso ainda deve ter novos capítulos, já que cabe recurso da decisão. Mas reacendeu o debate sobre os casos de violência obstétrica
Nos últimos dias, repercutiu a decisão da Justiça de São Paulo que rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o médico obstetra Renato Kalil por lesão corporal e violência psicológica no parto de Domenica, segunda filha da influenciadora Shantal Verdelho. O juiz do caso entendeu que não houve prova de lesão física em decorrência de erro médico e de que as palavras proferidas pelo médico são de baixo calão, mas não caracterizam violência psicológica.
O caso ainda deve ter novos capítulos, já que cabe recurso da decisão. De toda forma, reacendeu o debate sobre os recorrentes casos de violência obstétrica no país.
Na avaliação de Manon Garcia, advogada e sócia-fundadora do Instituto Retomar, a decisão é uma grande afronta à luta contra a violência de gênero. “É muito importante ressaltar que violência obstétrica não deve ser confundida com erro médico, porque na violência obstétrica a conduta não deveria nem existir, o dano é presumido. Por isso é muito importante que as mulheres se informem de seus direitos e que estejam acompanhadas durante o parto. Isso porque este momento tão especial é um momento de vulnerabilidade e é muito difícil conseguir reagir na hora. Também é de extrema importância a sensibilização dos profissionais de saúde, essas iniciativas são mecanismos de luta contra a violência de gênero”, ressalta.
A especialista em Direito da Mulher Mariana Nery, Pós-graduada em Direito e Gênero pela Escola da Magistratura do DF, explica que a melhor maneira de se proteger deste tipo de violência é a informação. “A gestante deve conhecer seu médico, saber como ele conduz as consultas, o parto e o pós parto. Ela também deve ter conhecimento de quais condutas podem ser consideradas normais e quais são violências. Infelizmente o Código Penal brasileiro ainda não tipificou o crime “Violência Obstétrica” e por isso ainda é tão difícil prevenir e punir aqueles indivíduos que realizam tais práticas”, destaca Nery.
Legislação não abrange o tema
A advogada Mariana Nery, especialista em Direito da Mulher, destaca que o legislativo brasileiro e o judiciário ainda não entendem esse tipo de violência. “Afinal, por séculos foi tirado da mulher a permissão para falar e tomar decisões referentes aos seus próprios corpos. O arquivamento da denúncia da influencer Shantal contra o seu médico com o argumento de que suas lesões foram geradas por ela ter escolhido ter um parto natural, sem cortes ou anestesia demonstra o quanto o Brasil é machista, patriarcal e atrasado no que diz respeito aos Direitos das Mulheres”, afirma.
Manon Garcia, do Instituto Retomar, ressalta que apesar de não termos uma lei que criminalize a violência obstétrica, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.082/22, que busca incluir essa violação no código penal, prevendo punição de até dois anos, e acrescentar o conceito na Lei do SUS.
A advogada Luciana Munhoz, mestre em Bioética e sócia do escritório Maia & Munhoz Consultoria e Advocacia também destaca que ainda não há uma tipificação de crime para a violência obstétrica. “Tanto que nesse caso falam sobre lesão corporal e sobre e violência psicológica. É necessário o debate do tema no Legislativo. Essa é uma preocupação que existe, mas é um debate que se estende muito mais além”, conclui.
Plano de Parto
Luciana Munhoz também destaca a necessidade de se criar um protocolo dentro das clínicas e dos hospitais sobre “parto seguro”. “Tivemos há pouco tempo uma cartilha da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estimulando o parto normal, porque aqui no Brasil a gente tem um estímulo exatamente para que sejam feitos partos cesáreas, isso é uma questão da cultura brasileira”, relembra.
Para Luciana Munhoz, é importante que os profissionais e pacientes tenham maior receptividade para os planos de parto. “Sendo inclusive um próprio estímulo para mulher enquanto ela está fazendo o pré-natal, para definir o que gostaria ou não gostaria, essa é a função do plano de parto, por isso é muito importante desenvolver essas medidas que são preventivas”, destaca.
A especialista indica que o plano de parto permite um diálogo maior entre médicos e pacientes, pois se assemelha ao “termo de consentimento”, documento utilizado para dar segurança jurídica a procedimentos médicos. “No plano de parto, a mulher estipulará tudo que ela gostaria e o que não gostaria que acontecesse no decorrer do procedimento, independentemente da situação, o que faz com que seja um guia para a própria equipe de médicos e enfermeiros que estarão trabalhando no parto”, conclui Munhoz, indicando que o plano de parto resguarda os direitos da paciente e os deveres dos médicos.
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