quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Colesterol: receitamos remédios a quem não precisa?

No Brasil, são medicados os pacientes com risco baixo de desenvolver doenças cardíacas. A ideia é prevenir. Até que ponto traz benefícios?
 
Saúde do coração – alguns críticos argumentam que as diretrizes brasileiras para colesterol são muito rígidas
 (Foto: FreeImages)
 
 
A questão
As doenças cardiovasculares são a causa número um de mortes no mundo inteiro. São males como infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC), que, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, mataram 17,7 milhões de pessoas em 2015 – 31% das mortes globais. No Brasil, foram 340 mil nesse mesmo ano. Muitas vezes, prevenir esses problemas envolve mudar os maus hábitos. Deixar de fumar, mudar de dieta e fazer exercícios físicos são alguns exemplos. Há casos em que os médicos recomendam o uso de medicamentos para prevenir ou controlar o colesterol alto.
 
Eles são indicados naquelas ocasiões em que simples mudanças comportamentais não bastam para baixar os níveis de colesterol no organismo. Em níveis normais, o colesterol é uma substância essencial. Quando fora de controle, o chamado colesterol ruim – ou LDL – obstrui vasos sanguíneos e pode trazer prejuízos para a saúde. Nesses casos, o mais comum é os médicos receitarem uma substância chamada estatina. “São remédios que fazem com que o fígado capte o colesterol do sangue”, diz André Faludi, presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (Cardiol). “Isso faz os níveis de LDL no sangue cair.” Mas existe, hoje, a suspeita de que somos liberais demais no uso desses remédios no Brasil. E de que, por aqui, são medicadas pessoas para as quais as estatinas, e outros compostos semelhantes, trarão pouco – ou nenhum – benefício.
 
A polêmica gira em torno da Diretriz Brasileira de Displemias e Prevenção da Aterosclerose. Trata-se de um documento, feito pela Cardiol, que estabelece orientações sobre os níveis de colesterol considerados seguros para diferentes perfis de paciente. Segundo as diretrizes de 2013, pacientes com risco alto, por exemplo, são aqueles que sofreram, no passado, um infarto ou derrame. Ou que enfrentam problemas como diabetes e doença renal crônica. Eles requerem cuidado, e a Cardiol recomenda manter seu colesterol ruim abaixo de 70 miligramas por decilitro de sangue. Para pacientes considerados de risco intermediário, a meta de colesterol ruim é de 100 miligramas por decilitro ou menos. E, para os pacientes de baixo risco, a meta é individualizada. 
 
Na primeira quinzena de agosto, a Cardiol publicou uma atualização do documento. As novas recomendações incluem um novo perfil de paciente – os de risco “muito alto”. São aquelas pessoas que já sofreram eventos cardiovasculares e que, pelo documento anterior, entravam no grupo de risco alto. O novo grupo inclui, também, pessoas que possuem algum entupimento importante e já passaram por cateterismo – um tipo de procedimento usado para avaliar a obstrução das artérias. Para eles, passa a valer meta ainda mais restritiva: o objetivo é manter o LDL abaixo de 50 miligramas por decilitro.
 
Alguns críticos argumentam que essas recomendações são rígidas demais – e acabam transformando pessoas saudáveis em pacientes: “Elas forçam um pouco a barra”, diz Paulo Andrade Lotufo, cardiologista e professor do Departamento de Medicina da USP. “Pelos critérios da Sociedade de Cardiologia, quase todo mundo precisa tomar remédio.” Nós exageramos na medicação?
 
O que a ciência diz
 
Alguns estudos sugerem que sim. As diretrizes brasileiras são muito mais rígidas que as americanas, por exemplo. Uma pesquisa publicada pela Cardiol sugere que, se seguirmos à risca a nossa diretriz, o Brasil gastará muito mais com a prevenção de doenças cardiovasculares que os Estados Unidos. Segundo o estudo, 85% das mulheres e 60% dos homens que foram considerados elegíveis para tomar estatinas, pela diretriz brasileira de 2013, não seriam candidatos a tomar o medicamento pela diretriz americana.
 
Nos Estados Unidos, os médicos trabalham com a ideia de que deve tomar remédio somente aquele paciente que, seguramente, pode se beneficiar dele: “Os americanos não trabalham com metas de colesterol”, diz Fernando Cesena, cardiologista do Hospital Albert Einstein e um dos pesquisadores que comandaram o estudo. “A diretriz americana estabelece um grupo de pacientes que merecem tratamento medicamentoso.” Pelos critérios americanos, tomam remédio somente aqueles pacientes que, na diretriz brasileira, estariam nos grupos de risco alto e muito alto – aqueles que já sofreram um infarto, por exemplo.  É muito menos gente.
 
A diretriz brasileira não deixa claro, mas é comum que, por aqui, sejam medicados também aqueles pacientes em risco intermediário e, em alguns casos, os de baixo risco. Essa decisão é baseada numa avaliação que o médico faz das chances de o paciente desenvolver alguma doenças cardiovascular no futuro. Essas pessoas ainda não estão doentes: “Mas o ideal é tratar antes de o problema aparecer”, diz Faludi, da Cardiol. “Pense em alguém que, na juventude, tem colesterol alto. Ainda que a pessoa não tenha sofrido nenhum derrame ou infarto, ao ministrar o medicamento, eu reduzo as chances futuras de ela sofrer com esses problemas.”

Esse tipo de prevenção com medicamento é uma postura questionada pela ciência. Uma análise publicada pelo revista científica britânica BMJ chegou à conclusão de que, para pacientes de baixo risco, não há evidências de que as estatinas tragam benefícios no balanço com os efeitos colaterais para esses casos. Segundo o estudo, os pacientes que tomam as estatinas têm 10% a mais de chances de desenvolver diabetes.
 
O que fazer?
As diretrizes brasileiras são mais rígidas, mas não são uma lei: “Elas não são uma bíblia”, diz Cesena. “Uma verdade absoluta que precisa ser seguida à risca.” Antes de receitar um medicamento, que tem impactos econômicos e possíveis efeitos colaterais, o ideal é que o médico considere as circunstâncias em que vive o paciente. E que compartilhe com ele essa decisão. Sobretudo se o objetivo for usar o medicamento como estratégia de prevenção, no caso daquele paciente de risco intermediário e baixo.

Mudanças no estilo de vida também são importantes, como a combinação da prática de exercícios físicos diários com uma dieta balanceada. Ingerir alimentos como cereais, frutas, legumes, vegetais e peixes ricos em ômega 3 pode auxiliar. Mas só isso pode não ser o suficiente em todos os casos. O médico é a melhor pessoa para ajudar a decidir a estratégia. “É importante colocar para o paciente quais são as opções, e quais os benefícios esperados. Benefícios de curto e longo prazo”, afirma Cesena.
 

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