Médicos e pacientes portadores da hipertensão pulmonar pedem a revisão do protocolo nacional de tratamento da doença. Classificada como rara, a hipertensão pulmonar é grave, sem cura e acomete em torno de 60 mil pessoas no Brasil e 25 milhões no mundo.
Segundo especialistas, uma das formas mais eficazes de tratamento da doença é o uso combinado de diferentes medicamentos. No entanto, o protocolo vigente no país, editado pelo Ministério da Saúde em 2014, dá ao paciente o direito de usar apenas um medicamento por vez, impedindo a realização da chamada terapia combinada e a adoção de opções terapêuticas mais eficazes.
Em audiência pública realizada nesta terça-feira, 8, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, médicos e familiares de pacientes argumentaram que a proibição restringe as possibilidades de sobrevivência dos pacientes.
“Não é possível tratar o problema com medicação exclusiva (...). A revisão do protocolo é essencial para o bom cuidado dos nossos pacientes”, disse Verônica Amado, pneumologista da Universidade de Brasília e integrante da Comissão de Circulação Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
Segundo a pneumologista, no protocolo também não consta um dos tipos de hipertensão pulmonar que apresenta melhor chance de cura, a tromboembólica crônica. O documento ainda exige que o tratamento só tenha início se o paciente se submeter a um teste de esforço, uma caminhada de seis minutos, procedimento que não encontra respaldo nas pesquisas acerca do tema, conforme explicou a médica.
A presidente da Associação Brasileira de Amigos e Familiares de Portadores de Hipertensão Pulmonar (Abraf), Paula Menezes, destacou também que o protocolo brasileiro indica o uso de quatro medicamentos e nem todos estão disponíveis para comercialização no país. Por outro lado, existem 14 medicamentos voltados para tratamento específico da hipertensão pulmonar, alguns deles já aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas que o paciente só tem acesso gratuito se recorrer à justiça.
Paula argumenta que o protocolo, da forma como está, não atende às necessidades dos pacientes e os condena a um tratamento sem sucesso. “O fato de termos um protocolo nacional sem dúvida é um avanço. Mas esse protocolo passou a ser objeto de temor tanto dos médicos quanto dos pacientes. (…) O paciente de uma doença crônica e rara que precisa de mais de um medicamento para sobreviver está condenado a morte com o protocolo em vigor”, declarou.
Segundo Paula, a judicialização tem sido o único meio de sobrevivência dos pacientes. Para compensar a falta de assistência pública, a Abraf busca melhorias neste cenário e luta por avanços no tratamento e cuidado dos pacientes. O grupo foi criado depois que a mãe de Paula foi diagnosticada com hipertensão pulmonar já na fase avançada da doença.
“Minha mãe foi diagnosticada com a doença em 2005, mas com a demora no diagnóstico e a falta de opções terapêuticas na época, ela faleceu em 2007. (…) Eu tinha 22 anos quanto eu tive que parar de trabalhar para cuidar da minha mãe, fiquei doente, meu pai teve um infarto. É impossível um cuidador de paciente crônico se manter são”, relatou Paula.
Diagnóstico
A hipertensão pulmonar é uma condição que pode estar associada a outras doenças, como cardiopatias congênitas ou retroviroses, entrou outras. Mas também pode ser do tipo idiopática, que não tem causa conhecida. Cada variação da hipertensão demanda uma abordagem diferente de tratamento.
De uma forma geral, a doença se caracteriza pelo aumento da pressão arterial no processo de circulação pulmonar, devido a uma constrição e diminuição do diâmetro dos vasos que irrigam os pulmões.
Os principais sintomas são: cansaço, tontura, inchaço, desmaio e dor torácica. Segundo a pneumologista Verônica, a investigação da doença é feita a partir de uma lista grande de exames, principalmente o cateterismo, mas o diagnóstico geralmente é tardio.
“São sintomas muito inespecíficos e o paciente tarda muito para ser diagnosticado e tratado. E aí, o que acontece? Existe uma doença grave por trás que está progredindo e que quanto mais precocemente tratada, melhor será”, alertou a pneumologista.
A prevalência da doença é de 15 casos por milhão de pessoas, principalmente entre mulheres. A idade média dos pacientes é 46 anos e, no caso do tipo idiopático, é de 39,8 anos. Atualmente, a sobrevida de pessoas diagnosticadas com HP é em média de três anos.
“São pacientes jovens, em fase reprodutiva, muito frequentemente com suas famílias em início de desenvolvimento (….) Essa doença é muito grave, que tem um prognóstico tão sombrio, tão ruim quanto boa parte dos cânceres. No entanto, o câncer assusta muito mais quando a gente fala, causa mais impacto e a possibilidade terapêutica parece mais ampla pra esses pacientes do que os da hipertensão pulmonar, que tem características tão importantes”, declarou a pneumologista.
Resposta tardia
A revisão do protocolo deve ser feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). O órgão é responsável por assessorar o Ministério da Saúde na decisão de incorporar, excluir ou alterar tecnologias em saúde disponibilizadas pelo SUS.
Segundo o diretor da comissão, Daniel Zanetti, qualquer mudança nos protocolos deve ser baseada em evidências científicas, que comprovem a eficácia e a segurança dos novos medicamentos, e em estudos de avaliação econômica, que relacionem o custo-benefício do tratamento sugerido.
Há ainda a necessidade de realização de consulta pública. A comissão, que é composta por especialistas de diferentes instituições, entre elas a Anvisa, tem o prazo de 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para avaliar as sugestões de revisão do protocolo.
No caso do protocolo da hipertensão pulmonar, a enquete pública foi finalizada em outubro do ano passado e a previsão dada pelo Ministério da Saúde é de que a revisão teria início a partir de 2018. A pneumologista Verônica alertou que no prazo de um ano, cerca de 10% dos pacientes com hipertensão pulmonar morreram.
O representante da comissão explicou que o protocolo já está em fase de atualização e ressaltou que o processo é longo e complexo. “Hoje nós temos 70 protocolos sendo atualizados pela Conitec, o que demanda um tempo razoável, porque temos a necessidade de passar esses protocolos por metodologistas (…). É um processo longo, é necessário levantar todas as evidências pra verificar se, de fato, os medicamentos apontados dão segurança, mas ele [o protocolo] já está em fase de atualização”, explicou.
Integrantes da Comissão de Seguridade Social pediram que os especialistas façam um relatório apontando as falhas e erros técnicos do protocolo. A comissão deve encaminhar o documento como uma denúncia ao Ministério da Saúde e pedir a atualização imediata do protocolo.
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