Em colapso, unidade hospitalar enfrenta desabastecimento, denúncia de pacientes e falta de estrutura para atendimento
Pacientes e conselho denunciam descaso do governo com o HGE |
Enquanto o governo Renan Filho (MDB) anuncia a construção de novos hospitais pelo Estado, o maior e principal centro de atendimento de Alagoas, o Hospital Geral do Estado (HGE), serve de comprovação do descaso da gestão na área da Saúde, revelado pelo Conselho Estadual da Saúde (CES) e por depoimento de pacientes que estão internados. O quadro caótico se soma as três operações da Polícia Federal (PF) ocorridas nos últimos anos, que apontam para esquemas de corrupção dentro da Secretaria Estadual da Saúde (Sesau). Quem sofre com todo este cenário de descaso e de abandono é a população que precisa de atendimento.
A operação Florence - Dama da Lâmpada, executada por órgãos federais há pouco mais de um mês, revelou um esquema na Sesau que pode chegar a R$ 30 milhões com pagamento de próteses. Parentes do vice-governador, Luciano Barbosa, chegaram a ser presos na primeira fase da ação. Um relatório apresentado a gestores do HGE e da Sesau, o CES, colegiado composto por diversos órgãos e entidades representativas da sociedade civil, aponta 27 "aspectos" que precisam ser corrigidos, com urgência, no Hospital Geral do Estado. Alguns deles graves e que podem colocar em risco à vida de pacientes e acompanhantes, a exemplo da "inexistência de projeto elétrico e projeto de combate a incêndio/plano de contingência".
Como resposta para esta questão, os próprios representantes do órgãos do governo Renan Filho disseram haver projeto elétrico, porém nada apresentaram ao conselho. E, na sequência, confirmaram o quadro de descaso com a Saúde em Alagoas, ao justificarem que "o projeto contra incêndio foi solicitado desde 2015 [primeiro ano de gestão do atual governador] pelo setor de Segurança do Trabalho [do HGE], onde a Sesau propôs um projeto para todas as unidades de saúde".
Após seis anos sem que a medida tenha sido cumprida, nova resposta é apresentada ao CES. "Em 2020 foi aberto novo processo solicitando que seja realizado um específico para o HGE, separado das unidades de saúde".
E a lista do CES com os problemas no HGE é extensa e mostra o perigo que todos que passam pelo local correm. Os extintores estão vencidos desde 2018. Nos lugares onde têm geradores, não existem extintores de incêndio e não tem circulação de ar. O número de técnicos de segurança é a metade do que seria necessário - há apenas três, quando, segundo o conselho, deveriam ser seis.
"Há desorganização nos corredores e setores diversos, com equipamentos quebrados e amontoados, e o piso é irregular", afirma o conselho. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, os conselheiros identificaram "equipamentos novos encaixotados, empoeirados no corredor". Receberam como resposta para este último aspecto a "inexistência de depósito do local".
Até mesmo os elevadores, essenciais ao transporte de pacientes que chegam ao hospital com risco iminente de morte, estão "há mais de três anos sem funcionar e os funcionários descem com as macas e carros de raios-X pela rampa de acesso aos andares". Macas têm sido usadas como camas. Diante da situação de precariedade existente na unidade hospitalar, que se arrasta há anos, o CES já havia enviado várias solicitações à Sesau, informando sobre os problemas, sem solução até agora.
Como justificativa para a situação, apresentada aos conselheiros em reunião realizada no último dia 8, os representantes da secretaria culparam a "grande burocracia nos processos avaliados pela PGE (Procuradoria Geral do Estado).
"Vamos publicar uma resolução com os encaminhamentos da reunião. De acordo com o novo diretor do HGE, Paulo Teixeira [ele substitui Marta Celeste Silva de Oliveira, afastada da função após a operação Florence, da Polícia Federal na área da Saúde do governo], há R$ 10 milhões para reformar o HGE. Tudo isso [à solução dos problemas] está incluso. O mais importante é a abertura para que o CES acompanhe e fiscalize todo o processo", diz, confiante, Maurício Sarmento, presidente do Conselho Estadual de Saúde.
De acordo com ele, os conselheiros devem retornar ao HGE, em 60 dias, para acompanhar as mudanças que o governo diz realizar no hospital. "A qualquer tempo, havendo alguma intercorrência, a gente pode voltar", assegura o conselheiro, considerando que "a sociedade ganhou com a visita que o CES fez ao HGE, que precisava de uma sacudida".
Pacientes enfrentam superlotação em ala do Hospital Geral do Estado |
Obras em andamento
Apesar dos problemas existentes na área da Saúde, sem que o governo Renan Filho (MDB) consiga sequer fazer funcionar como se deve hospitais públicos como o Hospital Geral do Estado (HGE), o governador, que está em segundo mandato, pretende entregar à população cinco novos hospitais, que ele mesmo havia prometido ainda em sua primeira gestão, mas, que, agora, a previsão de entrega é para 2021, conforme o próprio governo.
Entre os cinco hospitais prometidos, apenas o da Mulher, localizado em Maceió, foi aberto no ano passado. Além de atrasos na entrega das obras, algumas delas anunciadas como projetos de campanha ainda na primeira gestão do governador, os valores à execução dos projetos mais que dobraram.
Em abril de 2018, a Agência Alagoas, órgão de notícia oficial do governo estadual, havia divulgado que os hospitais, juntos, somavam investimentos de R$ 90 milhões. Em 18 de abril do ano passado, um ano após, conforme plano de estruturação do setor apresentado pelo governador à época ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o custo subiu para R$ 211 milhões.
Em entrevista coletiva concedida na obra do Hospital Metropolitano, em construção no bairro Tabuleiro do Martins, em Maceió, Renan Filho assegurou que o equipamento será entregue no 1º semestre de 2020.
"No 2° semestre, ocorrerá a inauguração do Hospital Regional do Norte, em Porto Calvo. Em 2021, no 1º semestre, o Hospital Regional da Mata, em União dos Palmares, e, no 2º semestre do mesmo ano, o Hospital Regional do Sertão, em Delmiro Gouveia. O governo do Estado investe mais de R$ 216 milhões nessas construções, o que resultará na abertura de 706 novos leitos em Alagoas", assegura.
Ao se mostrar indefinido de que forma esses novos hospitais devem funcionar, diante do atual quadro, o governador tem utilizado recursos do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep), que deveriam ser destinados para "incluir socialmente todos os alagoanos que estão abaixo da linha da pobreza".
Novo hospital não cumpre papel para o qual foi criado
A vice-presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas (Sinmed/AL), Sílvia Melo, questionou a política do governo Renan Filho (MDB) para a área da Saúde, ao apontar que o Hospital da Mulher, inaugurado recentemente, não é capaz de diminuir o fluxo na Maternidade Santa Mônica - como vinha sido prometido -, além de desvalorizar o profissional concursado, com o pagamento diferenciado do salário.
"No Hospital da Mulher só existem casos de parto de baixo risco; quanto à Santa Mônica, trata-se de uma maternidade de alto risco. Infelizmente não houve uma melhora na superlotação, porque os casos lá tratados são diferentes daqueles que o Hospital da Mulher resolve. No entanto, o governo pecou ao não ampliar o número de leitos dentro da Santa Mônica. Sem falar que a estrutura física do hospital já está pedindo socorro. É necessário que uma reforma seja feita, para que um melhor centro cirúrgico seja ofertado às pacientes", expôs a médica.
Sílvia Melo ainda critica a forma como os médicos foram contratados no Hospital da Mulher. "Esses profissionais foram empregados via processo seletivo. São contratos precarizados, que não precisaram de um concurso público. Isso é uma desvalorização profissional. Não podemos compactuar com isso. Sabe-se, ainda, que o salário dentro do Hospital da Mulher é diferente entre algumas categorias. Médicos plantonistas recebem mais que os demais profissionais da área. Claro que isso vai de acordo com a especialização de cada um. Porém, isso de provocar uma diferença entre salários já é um ponto que desvaloriza o serviço médico", aponta ela, que acrescenta:
"No hospital da Mulher, médicos ganham salários maiores do que os profissionais concursados da Santa Mônica, que têm, em média, 15 anos de casa. Então, esse médico concursado está ganhando menos do que o profissional da nova unidade hospitalar, que começou a trabalhar recentemente", reforça.
Já a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Alagoas (Sineal), Renilda Barreto, considera que, apesar da estrutura do Hospital da Mulher ser excelente no que diz respeito aos aspectos físico e tecnológico, ainda falta certo planejamento e estruturação nos processos de trabalho para o bom funcionamento da instituição.
"Temos conhecimento de falta de insumos e percalços. O número de profissionais não condiz com o dimensionamento exigido pela resolução COFEN 543/2017, que fala do dimensionamento de pessoal. Dessa forma, há uma sobrecarga de trabalho na rotina dos profissionais lotados no novo hospital".
Renilda ainda ressalta que é de entendimento geral que o atual governo vem tomando medidas prejudiciais à categoria dos servidores da Saúde. "Não há efetivação de concursos públicos, bem como não há reajuste salarial e os salários são abaixo do esperado. Apesar de haver um plano de cargos e carreiras para a categoria, o mesmo não é devidamente cumprido. Direitos adquiridos cortados, condições de trabalho são precárias, servidores são desvalorizados e os representantes dos servidores possuem enorme dificuldade de comunicação com o governador - ao longo de todo o seu mandato, Renan Filho só atendeu os representantes uma única vez", fala.
Escândalo na Saúde envolve dirigentes de hospitais
A operação Florence - Dama da Lâmpada, executada no último mês, pela Polícia Federal (PF), e que prendeu as diretoras do Hospital Geral do Estado (HGE), Marta Celeste, e a gerente do Hospital de Emergência do Agreste (HEA), Regiluce Silva, também causa indignação às representantes da entidades da área da Saúde.
A ação, que contou ainda com participação do Ministério Público Federal (MPF) e Controladoria Geral da União (CGU), desvendou um "esquema criminoso" que teria, segundo as investigações, desviado R$ 30 milhões da área da Saúde, inclusive com a participação de servidores da Sesau. "Essa situação nos causa indignação", reforça Sílvia Melo.
Renilda, por sua vez, destaca a visita do Conselho Estadual de Saúde de Alagoas (CES) ao HGE e as 27 irregularidades apontadas e que prejudicam de diversas maneiras à população que tanto depende do serviço público oferecido pelo hospital.
"A operação reflete a falta de respeito que o governo tem com o povo alagoano, pois quem perde não são só os trabalhadores, mas a qualidade na assistência reflete na população assistida pelo maior plano de saúde do mundo, o SUS [Sistema Único de Saúde]. Um caso como esse acaba atingindo os servidores e prejudicando o atendimento", considera.
Por fim, ela diz que são muitos os obstáculos que a sociedade enfrenta no quesito saúde. "Precisamos de um maior diálogo com o governo para pontuar as prioridades, tais como: valorização dos profissionais da saúde, dimensionamento de pessoal, reposição de materiais básicos de atendimento à população e maior atenção à estrutura física de grandes complexos, como HGE, Santa Mônica, Portugal Ramalho, Hélvio Auto, dentre outros", conclui.
Pacientes vivem situação de caos e convivem com baratas no HGE
A situação de descaso no Hospital Geral do Estado (HGE) atinge diretamente quem precisa de atendimento no local e pode ser sentida pelos relatos de duas mães que sofrem na pele os problemas existentes no local. Raíssa Cinxa está no local com seu filho de apenas cinco anos, que se recupera de encefalite. Vanessa da Silva Santos luta para manter o filho de 1 ano e três meses em condições de recuperação de um problema crônico, que o torna dependente de ventilação mecânica.
Raíssa tem passado os últimos meses com passagens do filho pela Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e a Unidade de Cuidados Intensivos. Nesta última sexta-feira, a criança, que é tratada de uma inflamação em decorrência de invasão viral, seguia em recuperação na enfermagem pediátrica.
"Não aguento mais essa situação, que é conviver com baratas no local de repouso da mães", denuncia. Mas os problemas enfrentados por Raíssa e o filho envolvem ainda a falta de ar-condicionado, que quebrou, durante período na UTI e UCI. Na ocasião, devido ao calor, as mães tinham que abanar seus filhos, e a porta da unidade ficava aberta, expondo às crianças ao perigo ainda maior de infecção hospitalar devido a bactérias.
"Muitas mães não conseguem dormir por conta das baratas. Ficamos com medo. Há um descaso total e nada foi resolvido", reforça Vanessa da Silva Santos, que permaneceu no HGE, por um ano e meio, com o filho de 1 ano e três meses, que depende de ventilação mecânica para se manter vivo. Recentemente, ela conseguiu o serviço de home care e o pequeno tem recebido tratamento em casa.
Para chamar a atenção aos problemas, as mães chegaram a gravar e divulgar vídeos diante da situação com os equipamentos de ar-condicionado quebrados. "Quero que isso não aconteça com outras mães", ressalta Vanessa.
Polícia Federal já realizou três operações na área da Saúde
Em seis anos de gestão de Renan Filho (MDB), a Polícia Federal (PF) já realizou cinco operações contra irregularidades e fraudes na administração estadual, três delas apenas na área da Saúde. Os valores envolvidos nos "esquemas criminosos", conforme as investigações, somados, são de aproximadamente R$ 280 milhões. Alguns atos, conforme os investigadores, teriam acontecido antes do atual governo, mas acabaram ampliados na atual gestão.
A primeira vez que a PF alcançou o governo foi na Operação Sucupira, em 2017, quando da descoberta de um esquema que envolveu a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), o Instituto de Tecnologia em Informática e Informação de Alagoas (Itec), a Agência Reguladora de Serviços de Alagoas (Arsal) e a Agência de Modernização da Gestão de Processos (Amgesp). A fraude promovia a servidores públicos que exercem funções relevantes no governo Renan Filho o acesso ilegal a curso de mestrado na Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Ainda em 2017, aconteceu a Operação Correlatos, que investigou outro esquema que pode ter movimentado mais de R$ 200 milhões para a compra fracionada de medicamentos pela Sesau. No inquérito, a PF revelou que a prática era comum dentro do órgão e, de 2010 a 2016, o montante envolvido no esquema é de R$ 237 milhões. As maiores cifras, porém, são relativas a 2015 e 2016, primeiros anos de Renan Filho à frente do governo de Alagoas.
Em dezembro passado, PF, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União (CGU) realizaram a Operação Florente - Dama da Lâmpada, que levou à cadeia 16 pessoas, entre servidores da Sesau, Hospital Geral do Estado e Hospital de Emergência do Agreste, no desvio estimado em R$ 30 milhões à compra e fornecimento de órteses, prótese e materiais especiais (OPME), a partir de contratos fraudulentos que envolvia, entre outros, a empresa LP Ortopedia, pertencente à filha do vice-governador, Luciano Barbosa, e o Instituto de Ortopedia de Alagoas (IORTAL).
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