quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

DF é condenado a indenizar paciente por negligência em transplante de rim


Número do processo: 0003973-20.2012.8.07.0018
Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)
AUTOR: J. D. S. R.
RÉU: DISTRITO FEDERAL
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta por J. D. S. R. em desfavor do DISTRITO FEDERAL, postulando a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 1.500.000,00. 
Em requerimento de tutela provisória de urgência, de caráter antecedente, pleiteia seja designada cirurgia no Hospital de Base de Brasília para retirada de rim cujo transplante foi comprometido, com o fornecimento de tratamento adequado no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – ou que a cirurgia e o tratamento ocorram junto à rede particular, na hipótese do SUS não dispor de leitos e vagas.
Narra que é portadora de nefropatia crônica e que se submeteu a transplante do rim esquerdo no Hospital de Base de Brasília em abril de 2010, mas, após cinco ou seis meses do transplante, passou a se sentir mal e que o corpo médico ministrou-lhe tratamento à base de antibióticos. Afirma que, em abril deste ano, foi internada, tendo sido detectada a presença de cateter em seu organismo, que deveria ter sido retirado em 30 (trinta) dias após a cirurgia e, por esse fato, desenvolveu uma patologia denominada “glomerulonefrite”, que ocasiona a rejeição do órgão transplantado e a cessação de seu funcionamento, tornando necessária sua retirada. Expõe que a cirurgia não foi marcada e teve alta em 28/06/2011, em razão de greve no Hospital de Base. Argumenta que a retirada do rim transplantado deve ocorrer o mais breve possível, pois há perigo de morte decorrente do mau funcionamento do órgão. Alega que o réu deve ser condenado à indenização por danos morais, haja vista os médicos do Hospital de Base terem agido com conduta imprudente e negligente ao não retirar o cateter de seu corpo oportunamente, bem como não fazer consta no prontuário a informação da existência desse cateter e nem advertir a paciente e os seus acompanhantes de que deveria retornar ao hospital para retirar o instrumento.
Em razão da demanda ter sido ajuizada na Justiça Federal, o Juízo Federal declinou da competência, mas promoveu a análise ao requerimento de tutela provisória de urgência, de caráter antecedente, tendo sido indeferido (ID 21766160).
Citado, o DISTRITO FEDERAL apresentou a contestação de ID 21766330. Preliminarmente, sustentou a extinção do processo por ausência de interesse de agir da demandante, referente ao requerimento de antecipação de tutela, em razão de ter sido submetida à retirada do rim transplantado em 01/08/2012. No mérito, salienta ofensa aos princípios da isonomia e impessoalidade da atividade administrativa, bem como a ausência de demonstração da omissão estatal, pois não há comprovação de que o desenvolvimento de sua doença se deve à atuação da equipe médica da Secretária de Saúde do DF, motivo pelo qual não se vislumbra o dano alegado e, consequentemente, o dever de indenizar. Tece considerações direito, inclusive sobre o valor absurdo dos valores pretendidos, e colacionada precedentes. Roga pela improcedência do pedido e pugna pela produção de prova testemunhal, documental e pericial. 
Na petição de ID 21766368, a autora informou que, em julho de 2011, foi realizada cirurgia para a retirada do rim transplantado, tendo ficado sem os seus dois rins, realizando hemodiálise 3 (três) vezes por semana, reiterando o pedido formulado na petição inicial.
Na réplica de ID 21766428, a autora reitera as razões expostas na inicial, pugnando pela desconsideração das razões expostas na defesa, para que seja considerado o seguinte: (i) que a omissão médica caracterizou a negligência; (ii) a demora na retirada do cateter; (iii) a negligência médica pelo fato de não saber da existência de cateter no seu corpo; (iv) a comprovação do nexo causal, em razão da perda do rim transplantado; e (v) o evidente dano moral, tendo em vista a privação de viver normalmente.
Instados a ser manifestar sobre produção de provas, o DISTRITO FEDERAL requereu o depoimento pessoal da autora e a realização de prova pericial (ID 21766494). Já a demandante não requereu a produção de provas, apenas o julgamento imediato do feito (ID 21766518).
Enviado os autos ao Ministério Público, este se manifestou pelo depoimento pessoal da autora e da médica que a atendeu no Hospital de Base, bem como de prova pericial (ID 21766560).
Na decisão de ID 21766582 foi rejeitada a preliminar de interesse de agir invocada pelo DISTRITO FEDERAL, declarado saneado o processo e definidos os pontos controvertidos, com deferimento da prova pericial e realização de audiência de instrução e julgamento.
No despacho de ID 21768078 foi nomeada a perita Dra. D. F. S. P.. O DISTRITO FEDERAL apresentou quesitos no ID 21767994. A autora impugnou a indicação da perita por meio de exceção (processo 2017.01.1.028925-4), mas foi rejeitada, conforme decisão de ID 21768337.
Inconformada com a decisão de manutenção da perita, a autora impetrou mandado de segurança (0711194-91.2017.8.07.0000), obtendo liminar para a suspensão da nomeação da perita judicial. No julgamento do writ, a segurança foi concedida (ID 23279921) com afastamento da nomeação da perita.
Na audiência de instrução foram ouvidas 3 (três) testemunhas (ID 32811670), arroladas pelo DISTRITO FEDERAL (ID 26702544). Naquela oportunidade, o Ministério Público afirmou não haver interesse público a justificar sua intervenção no processo.
Em petição de ID 34959770, a demandante tece considerações a respeito dos depoimentos das testemunhas e informa a ausência de manifestação do réu para avaliação da manutenção da prova pericial. Instado a se manifestar, o réu apresentou a petição de ID 37429993 com documentos e reiterou a improcedência da demanda. Em razão dos documentos apresentados, restou oportunizada à requerente a possibilidade de se manifestar, o que o fez na petição de ID 42546385.
O pedido da petição ID 42546385 foi indeferido na decisão ID 45755009.
As partes apresentaram alegações finais em ID 47620789 e 49654446.
A seguir, os autos vieram conclusos.
FUNDAMENTAÇÃO
A responsabilidade civil do Estado é tratada no art. 37, § 6º, da CF, que diz o seguinte:
“§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
A Constituição Federal, portanto, estabelece que o Estado deve arcar com o pagamento em pecúnia pelos danos materiais e morais que seus agentes, agindo nessa qualidade, causarem a terceiros.
O texto constitucional não inclui a culpa do agente como requisito para o dever de indenizar, razão pela qual se considera que a responsabilidade do Estado é objetiva, isto é, configura-se mediante a verificação do dano e do nexo causal com a conduta comissiva ou omissiva do agente público.
A responsabilidade objetiva do Estado se funda na teoria do risco administrativo. Em apertada síntese, considera-se que, como o Estado assume atividades diversas e as exerce em posição de supremacia em relação aos cidadãos, há elevação do risco de que venha a causar danos a alguns indivíduos, os quais, assim, devem ser suportados pela coletividade, tendo em vista que, conceitualmente, a atuação estatal é dirigida à satisfação do bem comum. Nesse contexto, como a coletividade se beneficia com a atuação estatal, assume por contrapartida o ônus de reparar eventuais danos sofridos por aqueles que se vêem vítimas de tal atividade.
Em se tratando de dano resultante de atendimento médico-hospitalar, há de se considerar a complexidade da atividade médica e o fato de que a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado. Essa característica da atividade médica não se altera pelo fato de o atendimento ser prestado em estabelecimento público ou privado. Todas as nuances que permeiam a configuração da responsabilidade civil do médico devem ser observadas também no atendimento prestado pela rede pública de saúde, notadamente as decorrentes do fato de a medicina não ser ciência exata e a complexidade que envolve um tratamento médico.
Assim, ainda que não se admita a discussão sobre a culpa ou não do agente público para definição da responsabilidade do Estado de indenizar, no caso de atendimento médico-hospitalar a conduta do profissional médico não prescinde de avaliação qualitativa, no sentido de que deve ser avaliada sua antijuridicidade à luz dos protocolos técnicos e do seu especial dever de diligência.
Para que ocorra a indenização, tem-se essencial a caracterização de três elementos essenciais para a procedência da pretensão, quais sejam, a ação ou omissão do agente, o resultado lesivo e o nexo causal entre ambos.
No caso em análise, inicialmente, não se vislumbra qualquer falha na conduta do ente estatal relacionada à retirada do rim transplantado pelo fato de existir um cateter dentro do corpo da autora, colocado quando da realização da cirurgia para o transplante.
Nos depoimentos colhidos (ID 32811670), consta o de R. B. S., que afirma: “(...); que o paciente é alertado sobre todos os riscos, inclusive sobre o tratamento pós transplante que deverá ser para toda a vida; (...); que todo paciente a ser submetido ao transplante tem ciência da possibilidade de rejeição do órgão transplantado; que é lido um consentimento informado ao paciente; que o paciente pode recusar o órgão doado; que é passado ao ciente a ser submetido ao transplante, as condições do órgão doado; (...) que a implantação de cateter é avaliado pela equipe cirúrgica; quando o cirurgião está no ato cirúrgico verificará a necessidade do cateter e seu tempo de permanência é determinado pelo cirurgião; se o paciente evoluir bem pode ser retirado rapidamente; no momento da alta o paciente recebe indicativo de acompanhamento tanto pela urologia quanto pela nefrologia; que não tem como saber o ocorreu exatamente no caso do paciente, mas tem a certeza de que a autora recebeu todas as orientações e consultas da nefrologia foram agendadas; que tudo é muito controlado; que tem certeza de que a paciente foi encaminhada ao ambulatório de urologia e nefrologia; mas não tem como se manifestar quanto a conduta dos médicos assistentes no caso da autora; (...) o cateter em si não causa infecção; a infecção é causada por bactérias que contaminam o trato urinário; o cateter pode dificultar o tratamento de infecção e a erradicação da bactéria; o cateter é implantado em condições assépticas e que a infecção pode ocorrer em qualquer momento após o transplante; que a causa da perda do enxerto deve ser verificado por uma biópsia; que a perda do rim da autora não foi em razão de infecção, pelo que a depoente sabe; que após o transplante pode ocorre uma recorrência da doença de base e pode ter uma outra nefrite sobre o rim transplantado; que pode haver rejeição, pode haver uma glomerulonefrite sopre o rim transplantado em razão da medicação ministrada; que não há relação direta entre a perda do órgão e uma inflamação produzida pelo cateter; quando detectada infecção após o transplante, recomenda-se a retirada do cateter ou da sonda; que não é obrigatória a retirada do cateter ou sonda em caso de infecção; que não se pode relacionar diretamente a perda do rim transplantado com a presença do cateter duplo J; que os pacientes são informados de todos os riscos inerentes ao tratamento de transplante”.(g.n.)
Já no depoimento de V. A. D. O. B., este afirma o seguinte: "(...) que se recorda que a autora teve infecções urinárias de repetição e que somente foram resolvidas após a retirada do cateter duplo J; que o cateter duplo J geralmente tem a função de facilitar a inserção do ureter do rim transplantado na bexiga do paciente; que, às vezes, em caso de órgão de doador falecido, ele não vem em plenas condições, então o cirurgião faz uso desse procedimento; que tal procedimento não é rotineiro; habitualmente quando se faz a inclusão do duplo J, faz-se um alerta lançado no prontuário (...) que o alerta deve ser colocado pela equipe médica que fez a cirurgia; que não existe um prazo específico, em média 30 dias; mas há casos em que há necessidade da permanência por mais tempo; que em caso de permanência por mais tempo, não há como acompanhar; (...) se a drenagem não estiver correta o cateter é mantido ou é dada uma outra solução; após o transplante, caso o paciente esteja com infecção urinária, deve-se avaliar a necessidade de retirada ou não do cateter; nem toda a infecção está associada a presença de algum corpo estranho; que é sabido que a maior parte das complicações que ocorrem após o transplante são de ordem infecciosas; que as infecções podem ocorrer sem a presença de cateter; (...) que é muito difícil saber da existência do cateter sem a colocação do alerta pela equipe cirúrgica; (...) no caso da autora, tão logo foi identificado o cateter, este foi retirado e solucionadas as infecções; que a autora tem duas culturas de urina negativas, após a retirada do cateter (...) que não é possível relacionar as infecções sofridas pela autora com a perda do órgão transplantado; que a biópsia feita foi bastante esclarecedora sofre a causa da perda do órgão, que no caso foi uma glomerulonefrite, que se trata de um processo de ordem imunológico não infeccioso; se houvesse alguma participação da infecção na perda do órgão, a biópsia obrigatoriamente demonstraria a presença de alterações compatíveis com pielonefrite; (...) que somente a partir da biópsia se pode identificar o tipo da doença; que há um tipo de glomerulonefreite que pode se recidivar no transplante, ou ela pode aparecer de novo no rim transplantado”.(g.n.)
A última testemunha, E. A. G. T., trouxe as seguintes informações: “(...) que o transplante da autora foi bom e teve alta logo e depois ficou fazendo acompanhamento ambulatorial; que a autora foi internada e a depoente a viu durante as internações, quando estava de plantão. (...) que as internações da autora se deram, a principio, por infecção urinária; que pelo que se lembra, a autora internou para investigação; que a investigação foi até a ponto de biópsia, pois a evolução da autora não foi a esperada; que para surpresa dos médicos, a autora não tinha uma pielonefrite, mas uma glomerulonefrite, conforme a biópsia; que durante a investigação das infecções da autora, descobriu-se a existência do cateter J; que a questão do cateter é uma questão cirúrgica; que não se lembra se havia no prontuário a existência do cateter, mas se a informações estivesse contida no prontuário, a depoente saberia; que não pode afirmar com certeza se o cateter poderia causar as infecções sofridas pela autora; que o cateter seria um facilitador das infecções; que o cateter foi retirado após sua identificação; que não sabe dizer se a retirada do cateter se deu quando se deu a perda do rim ou antes; quem determina o tempo de permanência e a troca do cateter é a situação que será avaliada pelo cirurgião”.(g.n.)
De acordo com as testemunhas, constata-se que não há relação direta entre a perda do órgão e uma inflamação produzida pelo cateter e que, se houvesse alguma participação da infecção na perda do órgão, a biópsia obrigatoriamente demonstraria a presença de alterações compatíveis com pielonefrite, bem como que eventual infecção é causada por bactérias que contaminam o trato urinário, sendo que o cateter pode dificultar o tratamento de infecção e a erradicação da bactéria.
Depreende-se, ainda, dos testemunhos, que não é obrigatória à retirada do cateter ou sonda em caso de infecção, não podendo se relacionar diretamente a perda do rim transplantado com a presença do cateter duplo J. Além disso, verifica-se que o cateter duplo J geralmente tem a função de facilitar a inserção do ureter do rim transplantado na bexiga do paciente.
Dessa forma, tem-se evidenciado, a partir dos depoimentos já citados, não haver correlação entre a manutenção do cateter e a retirada do rim transplantado; tem-se apenas que, se houvesse alterações compatíveis com pielonefrite, poderia haver um diagnóstico de que o cateter colaborou para contraminar o trato urinário e dificultar o tratamento da infecção.
A autora salienta que no prontuário existem duas biópsias de seu rim, sendo que a primeira, realizada pelo próprio HBDF, em 29/04/2011, demonstra a ocorrência de PIELONEFRITE, indicando que houve infecção, mas, ao contrário do que ela expõe, não há qualquer manifestação conclusiva de que perdeu o rim transplantado por infecção ocasionada pelo cateter.
Nesse contexto, tem-se indubitável que não há prova documental e nem testemunhal conclusiva de que a manutenção do cateter foi determinante para a retirada do rim transplantado, o que impede de se concluir a ocorrência de nexo causal para configuração do dano.
Entretanto, as testemunhas foram uníssonas em afirmar que, na inclusão do duplo J, faz-se um alerta no prontuário do paciente pela equipe médica que realizou a cirurgia, sendo muito difícil saber da existência do cateter sem a indicação no prontuário, bem como não existe um prazo específico para sua manutenção, sendo, em média 30 dias, porém, em certas hipóteses, há necessidade da permanência por mais tempo, o que impossibilita o acompanhamento.
De fato, compulsando-se os documentos acostados aos autos, não se constata qualquer indicação de que foi realizada a inserção de cateter na paciente quando da realização da cirurgia para o transplante do rim. Logo, é evidente que qualquer acompanhamento médico posterior restou privado dessa informação essencial ao tratamento, pois o cateter, por exemplo, dependendo da situação clínica do paciente, poderia ter sido retirado em 30 dias ou em outro momento. Caso fosse mantido, tal fato teria ocorrido com conhecimento do profissional médico que realizava o acompanhamento, o que não ocorreu na espécie.
Apesar de não ser possível concluir que a manutenção do cateter foi determinante para a retirada do rim transplantado, resta evidente que ocorreu falha consistente na omissão do lançamento no prontuário da informação sobre a implantação do cateter no transplante; por essa razão, a demandante foi submetida a procedimento cirúrgico para sua retirada, o que denota erro na conduta médica na hipótese. Por essa razão, cabe a responsabilização civil do Distrito Federal.
Note-se que a falha em questão resultou de inobservância de uma regra especifica (indicação de procedimento médico no prontuário do paciente) e necessária para evitar danos aos pacientes. 
Nesse contexto, diante da demonstração de omissão específica do Poder Público, que resultou na prestação de um serviço público deficiente, mostra-se cabível a indenização vindicada pela autora, na forma do seguinte entendimento: 
“(...) As pessoas jurídicas de direito público responderão, objetivamente, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Se a lesão decorrer de uma omissão, incidirá a teoria da culpa anônima, exigindo-se neste caso, para a responsabilização do ente estatal, que o serviço não tenha funcionado ou o tenha de forma deficiente em decorrência de conduta negligente, imprudente ou imperita do representante do poder público.”
(Acórdão n.1097842, 20160110016717APC, Relator: CARLOS RODRIGUES 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 09/05/2018, Publicado no DJE: 29/05/2018. Pág.: 468/515)
Em outras palavras, pelas provas colacionadas, restou demonstrado que o Ente Federativo, por meio de seus agentes, não agiu com toda a presteza e cuidado que a situação demandava, inclusive incutindo a autora em evidente risco de vida por realização de procedimento cirúrgico. 
Assim, diante da flagrante violação a direito da personalidade e presentes os elementos da responsabilidade civil, impõe-se o dever de indenizar os danos morais sofridos pela autora ao ter sido mantido um cateter dentro de seu corpo, sem seu conhecimento, e com ausência de informação no prontuário médico. 
O dano moral está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana. Na lição de MARIA CELINA BODIN DE MORAES (“Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais”, 2003, Renovar, p. 132-133), o dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal, em particular e diretamente decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana – o qual também é identificado com o princípio genérico de respeito à dignidade humana. 
A prestigiada autora acrescenta que a dignidade se encontra fundada em quatro substratos e, por isso, corporificada no conjunto dos princípios da igualdade, liberdade, integridade psicofísica e solidariedade. 
Sempre que houver ofensa relevante a esses valores, inevitavelmente, estar-se-á diante de hipótese de dano de natureza imaterial. 
A verificação da ocorrência do dano, no caso em análise, se dá através da constatação de que foi mantido no corpo da autora um cateter, sem seu conhecimento e com ausência de informação no prontuário médico, informação essa que seria relevante para orientar futuras tomadas de decisões no acompanhamento da paciente.
Vale salientar que o dano moral, nesse caso, independe de comprovação efetiva, visto que existe “in re ipsa”, como decorrência natural do fato danoso. 
No que tange ao “quantum” indenizatório, deve ser fixado a partir dos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, observada a natureza jurídica do bem lesado, as consequências do fato, o grau da culpa e demais circunstâncias do caso. 
No caso em análise, deve-se destacar que a ação do agente público foi culposa, não se tratando de ato deliberado para causar o dano, o que deve ser considerado para fins de definição do valor devido. Por outro lado, a manutenção do cateter impediu a autora de receber o mais adequado procedimento médico. 
Entretanto, o valor pretendido pela autora, de R$ 1.500.000,00, mostra-se exagerado e desproporcional. 
Considerando-se os fatores acima referidos, fixa-se o valor da indenização, equitativamente, em R$ 15.000,00, montante que deve ser atualizado monetariamente e também acrescido de juros de mora pelo índice legal a partir desta data. 
DISPOSITIVO 
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar o DISTRITO FEDERAL a pagar em favor da autora indenização a título de danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com correção monetária e juros conforme definido abaixo. 
A correção monetária sobre as parcelas vencidas deverá ser calculada pela TR até 25/03/2015, passando a incidir IPCA-E a partir de 26/03/2015. No cálculo dos juros de mora, por sua vez, deverá ser observado o índice de remuneração da poupança (RE n. 870.947/SE). 
Resolvo o mérito da demanda, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil – CPC. 
Não obstante a procedência parcial, condeno exclusivamente o DISTRITO FEDERAL a pagar honorários advocatícios em favor do advogado da requerente, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, II, CPC, considerando-se a orientação da Súmula 326/STJ.  
Sem custas para o DISTRITO FEDERAL, em razão da isenção legal. 
Sentença não sujeita ao reexame necessário, pois o valor da condenação não excede o valor de 500 salários-mínimos (art. 496, §3º, II, do Código de Processo Civil). 
Após o trânsito em julgado, nada requerido, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe. 
P. R. I.
BRASÍLIA, DF, 20 de novembro de 2019 16:31:49.
ROQUE FABRÍCIO ANTONIO DE OLIVEIRA VIEL
Juiz de Direito

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