Levantamento da CBN mostra que foram registrados 47 casos no estado em pouco mais de um ano. O número, porém, pode ser ainda maior se levada em conta a subnotificação. O tema também é alvo de uma disputa judicial entre o Ministério Público e o Conselho Federal de Medicina.
Muitas mulheres não identificam a violência obstétrica no momento do parto. |
Por Clara Marques, Bianca Vendramini, Bianca Kirklewski e Izabela Ares
'E eu perguntava e a enfermeira gritava: você não está vendo que seu filho está morrendo? Você quer que ele morra por sua culpa? O coração dele não está batendo.'
Lauren Fornaro, de 22 anos, deu entrada na Maternidade Municipal Alice Campos Mendes Machado em Embu das Artes, na Região Metropolitana de São Paulo, em julho, com 39 semanas de gestação e fortes dores. O médico disse que o trabalho de parto não havia avançado. Ela foi internada apenas quando a bolsa estourou.
'Eu fiquei 31 horas em trabalho de parto. Eu pedia para as médicas pra fazer a cesária, porque eu não estava aguentando mais de dor', conta. 'Faziam sempre os exames para ver como tava o coraçãozinho do bebê e falavam que tava bem. Quando chegou umas 22h, foram ver e falaram que tava fraco. Mas ela falou que era normal estar fraco. Continuou fazendo os exames e dando fraco, aí chegou uma hora que não estava mais ouvindo os batimentos e ao invés de correr para sala de parto, ficaram testando o aparelho.'
O filho de Lauren morreu por falta de oxigênio. Ela não sabia que estava sofrendo violência obstétrica. A desinformação é uma das causas para a subnotificação.
O estado de São Paulo concentra 25% dos casos de violência obstétrica no Brasil. Um levantamento obtido pela CBN por meio do Canal de Atendimento à Mulher aponta 47 registros entre fevereiro de 2018 e maio desse ano. Em todo o Brasil, foram 204.
As denúncias podem ser feitas no Canal, pelo telefone 180, no Disque-Saúde, o 156, ou na Defensoria Pública.
Em setembro, o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução estabelecendo normas para os direitos do médico e do paciente de optar ou não por realizar um procedimento. O artigo 5° dá atenção especial às gestantes, como explica o advogado do CFM, Alan Cotrim:
'O parágrafo 2º traz que a recusa terapêutica, que seja manifestada pela gestante, deve ser analisada pelo médico. E essa análise deve ser feita na perspectiva não só da vontade dela, mas do binômio mãe-feto, uma vez que o ato de vontade dela pode vir a caracterizar um abuso de direito.'
O Ministério Público Federal enviou uma recomendação de mudança ao CFM apontando irregularidades. A resolução seria contrária ao Código de Ética Médica, que garante que o profissional é obrigado a considerar a vontade do paciente. O procurador Alexandre Chaves explica que, com a recusa do Conselho, o MPF obteve uma liminar na Justiça suspendendo a resolução.
'Não há nenhum parâmetro técnico para que se possa verificar na prática o que é esse abuso de direito. Isso tem, por efeito, dar um poder muito grande para o médico, ali na hora do procedimento de um trabalho de parto, para fazer uma intervenção que, muitas vezes, não é a desejada pela gestante.'
Foi o caso da Bianca Camargo, de 22 anos, que deu entrada no Hospital Vermelhinho, na capital paulista, em junho. O primeiro médico pediu uma cesariana de emergência, já que o bebê soltou fezes e corria risco de infecção. Mas a médica que assumiu na troca do plantão não seguiu a indicação.
'A gente começou a pedir a cesária porque eu tava sentindo que tinha alguma coisa muito errada', relata. 'Primeiro que a médica, ela não ficou comigo o tempo inteiro, e teve um momento que ela olhou pra mim e falou assim: vai, você tem que fazer força, você não é mais uma adolescente, você não é mais uma criança, a partir de agora você é uma mãe, você é adulta. E vinha a contração e eu sentia que ela tava descendo só que ela voltava com tudo. Chegou num momento que não tinha mais líquido nenhum na minha barriga, só dava pra ver o formato dela, o corpinho dela.'
Bianca não pôde ter acompanhante e nem contato com a filha. Horas depois, a mãe foi informada que a bebê tinha morrido de parada cardíaca. Porém, no Serviço de Verificação de Óbito, consta ausência de oxigênio no cérebro. Ela fez uma denúncia na ouvidoria do hospital.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou ter averiguado os registros do atendimento e ouvido os envolvidos, não identificando irregularidades.
Lauren processou o hospital e as médicas. A ação está em andamento. A prefeitura de Embu das Artes abriu uma investigação interna.
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