sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Há 5 meses com vidro no pé, paciente acusa médicos de UPA e Santa Casa em Santos de negligência

 

Após acidente, morador de Santos afirma que deu de cara com negligência na UPA Zona Leste e descaso na Santa Casa de Santos; UPA e Santa Casa negam


Radiografia do pé direito de Marcos, "osso calcificado", disse médica da UPA Zona Leste

"Eu tô me sentindo que nem um palhaço. Com esses médicos aí, viu? Na Santa Casa, a mulher me tratou que nem cachorro lá dentro. Mandou eu voltar pra trás com o pé aberto. ‘Não vou te atender’, na cara dura, ela me falou. Agora eu fico meses com esse vidro no pé. Com o pé doendo. Já fui três vezes na UPA, e eles não resolvem nada. Andando na ponta do pé, que nem bailarino, pra eles não resolverem. Meu pé inchado, com esse vidro aqui dentro".

É neste misto de desesperança e revolta que o ajudante geral Marcos da Silva, de 46 anos, resume como se sente, após se ver inserido num mini-enredo kafkiano envolvendo a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Zona Leste e a Santa Casa, ambas de Santos, no litoral de SP.

Marcos e sua esposa, Ana Ayres Silva, de 52 anos, acusam a UPA da Zona Leste de negligência e a Santa Casa de descaso na busca dele por tirar um corpo estranho que se alojou em seu pé direito, após um acidente sofrido em sua casa, no bairro Embaré, em Santos, há mais de cinco meses, quando um caco de vidro do tamanho de uma uva alojou-se no calcanhar direito de Marcos.

Marcos e Ana

Ana, que organiza os atendimentos médicos do marido, afirma que no dia do acidente, em meados do final de março, e em outras duas ocasiões, eles foram à UPA Zona Leste, no bairro Macuco, em busca de atendimento médico para o companheiro, mas Marcos, surpreendentemente, continuava com o vidro alojado em seu calcanhar até esta segunda-feira (2), quando o casal denunciou o caso ao Portal Costa Norte.

Três atendimentos, três desventuras


No primeiro atendimento na UPA, Ana afirma que não foi realizada radiografia no pé do marido e ele foi liberado com parte do corpo estranho dentro de seu pé, sendo, depois, acometido por intensas dores e desconfortos.

Na segunda ocasião, dia 14/07, com o vidro no calcanhar de Marcos prestes a completar seu aniversário de seis meses, a UPA finalmente realizou o raio X do pé dele e identificou que, de fato, havia ali um corpo estranho.  

Porém, relata Ana, uma médica da UPA insistiu que o corpo estranho que aparece não era um caco de vidro e sim um pedaço de osso calcificado, mesmo com Marcos afirmando que sentia intensas dores e que havia cortado precisamente aquela parte de seu corpo, mais de cinco meses antes.

É, porém, na terceira ida à UPA, no último sábado (31) que a busca de Marcos atinge tonalidades absurdas.

Novamente reclamando de fortes dores no pé, Marcos foi examinado por outro médico da mesma UPA, que contradisse o diagnóstico anterior. O médico constatou uma obviedade: o corpo identificado na radiografia do pé direito de Marcos não era um osso calcificado, e sim um incômodo resquício de vidro proveniente do acidente por ele sofrido. 

Fachada de uma das entradas da UPA Zona Leste, em Santos

Adicionalmente, o médico iniciou uma cirurgia na própria UPA, apesar dos protestos da esposa do paciente de que ali não havia estrutura clínica para tal, e fez uma incisão no calcanhar do ajudante. Sem estrutura clínica adequada, o médico teve dificuldades para remover o caco de vidro do pé Marcos e chamou outros dois médicos para ajudá-lo. 

“Deram um monte de anestesia nele, e ficaram tentando tirar o vidro. Ele gritava de dor”, relembrou-se, em tom de revolta,  Ana Ayres, em entrevista.

Contudo, os médicos da UPA, como os alertou Ana na ocasião, não conseguiram remover o vidro do pé do ajudante e, na manhã do dia seguinte, com a incisão no pé de Marcos ainda aberta, após ele e a esposa passarem a madrugada na UPA, o encaminharam de ambulância, para a Santa Casa, no bairro Jabaquara, onde Marcos ficaria em internação cirúrgica até a remoção do famigerado corpo estranho de seu pé.

Recusados na Santa Casa


Parecia que, apesar do sofrimento, Marcos finalmente teria removido o caco de vidro de seu pé. Ao chegar na Santa Casa, porém, outra médica negou o atendimento de Marcos.

Fachada da Santa Casa de Santos 

No protocolo de atendimento médico a que o Portal Costa Norte teve acesso, a justificativa é que Marcos “não se enquadra[va] nos critérios de internação”. Ana afirma que se indignou quando a internação de seu marido foi barrada, discutiu com a médica e chamou a polícia, mas não teve jeito, Marcos não foi atendido e permanece com o vidro em seu pé.

“A gente se sente um lixo. A gente paga nossos impostos. E quando precisamos de atendimento médico somos tratados desse jeito. Uma enfermeira da UPA chamou a gente de boiada. Nós não somos boiada, somos pessoas”, indignou-se Ana, que afirma testemunhar diariamente o sofrimento do marido.

“Ele já teve que se afastar do trabalho. Corre o risco até de ser demitido. O pé é uma parte muito sensível do corpo. Tem noites que ele grita de tanta dor. Meu marido está até deprimido, sabe? Com sinais de depressão” lamenta-se Ana. Ambos afirmaram que têm a intenção de entrar na justiça contra a UPA Zona Leste e a Santa Casa. “Eles vão ter que resolver isso, que eu vou processar eles”, afirma Marcos.

Santa Casa de Santos nega descaso


Questionada, a Santa Casa de Santos negou que Marcos tenha sido vítima de descaso. “O paciente", afirmou a Santa Casa, por meio de nota, "foi encaminhado da UPA Zona Leste para avaliação da equipe de Cirurgia Geral da Santa Casa de Santos. Após criteriosa avaliação clínica, foi constatado que não se tratava de caso de internação, mas sim de atendimento ambulatorial, pois o referido acidente havia ocorrido há sete meses. Sendo assim, o paciente foi redirecionado para a unidade de saúde de origem, para posterior atendimento ambulatorial”.

Prefeitura de Santos promete nova consulta


A prefeitura de Santos, que gere a UPA, afirmou, por meio de nota, que agendou uma nova consulta para o paciente e prestou esclarecimentos a ele e a sua esposa. O órgão também negou que tenha havido negligência. 

“Em todas as passagens do paciente na unidade, ele foi avaliado pelo médico plantonista, que definiu a conduta e tratamento de acordo com a avaliação clínica. Todos os recursos necessários para o atendimento foram disponibilizados, como medicação e realização de exames”, disse a prefeitura de Santos que concluiu minimizando a lesão de Marcos.

 “Vale destacar que trata-se de uma lesão superficial, sem sinais de infecção ou alteração na funcionalidade do membro”.








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