domingo, 22 de agosto de 2021

Mulher que perdeu filho e avó por febre maculosa em MG acusa negligência médica

 

Ana Vitória sepultou o filho, de 4 anos, no dia 10 de agosto. Dois dias depois a avó dela morreu. A mulher denuncia a UPA Ressaca, em Contagem, na região metropolitana, e a UPA Pampulha, em Belo Horizonte, de negligência médica


Ana Vitória com o atestado de óbito do filho, Enzo. Ao lado a irmã dela, Natália Fernandes 
segurando o atestado de óbito da avó, Ana Josefa, de 73 anos

“Se meu filho tivesse sido diagnosticado corretamente, ele estaria aqui. Agora o que me resta é o atestado de óbito dele. O que potencializa a minha dor é que minha avó também passou pelo mesmo descaso e morreu na mesma semana”. Esse é o relato emocionado de Ana Vitória da Silva, de 20 anos.  

O filho dela, Enzo Gabriel Lima da Silva, de 4 anos, morreu no dia 10 de agosto vítima da febre maculosa - doença causada pela picada do carrapato. Dois dias depois de sepultar o menino, a mulher também perdeu a avó, Ana Josefa da Silva, de 73 anos, pelo mesmo motivo.  

Ana denuncia de negligência médica a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Ressaca, em Contagem, na região metropolitana, e a UPA Pampulha, em Belo Horizonte.  

De acordo com ela, foram 11 dias de idas e vindas a diversos médicos, até que ela conseguiu internar o filho e diagnosticar a doença. Ana conta que tudo começou  no dia 29 de julho, quando foi dar banho no menino. Ela percebeu um carrapato na virilha dele. Ana retirou o inseto e no mesmo dia o menino começou a sentir febre alta e dor no ouvido. De imediato, ela diz ter levado a criança até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Pampulha, em Belo Horizonte, e questionado o médico sobre a ligação entre a febre e a picada do inseto. No entanto, o profissional só receitou  um medicamento para sanar a dor de ouvido.   

Insatisfeita com o diagnóstico e preocupada com a piora aparente do estado de saúde da criança, a mulher retornou à UPA Pampulha, em que saiu com o diagnóstico de dor de garganta e uma pomada para picada de inseto. Insatisfeita mais uma vez com o atendimento, a mulher procurou a UPA Ressaca, em Contagem, na região metropolitana. No local ela que obteve o diagnóstico de virose.

No dia 8 de agosto, a criança apresentou muita febre e ela resolveu levar o menino por conta própria ao Centro Geral de Pediatria, em Belo Horizonte. A criança deu entrada em estado grave no hospital. De lá, ele foi transferido para o Centro de Atendimento Intensivo (CTI) do Hospital João XXIII, também em Belo Horizonte.  

Depois de diversas paradas cardíacas, a criança morreu no dia 10 de agosto. “No hospital os médicos fizeram diversos exames para ver se Enzo, de fato, estava com febre maculosa, porque ele apresentava vários sintomas da doença, mas os exames não apontavam nada porque provavelmente os medicamentos prescritos pelos médicos das UPA’s estavam mascarando a doença”, diz Ana. 



Avó de Ana 

Já a avó de Ana, de 73 anos, deu entrada na UPA Ressaca no dia 6 de agosto sentindo mal-estar e apresentando confusão mental. Ela foi internada sendo diagnosticada com uma infecção urinária forte, desidratação e desnutrição. A irmã de Ana, a nutricionista Natália Fernandes, de 24 anos, acompanhou a avó na unidade de saúde.

Segundo ela, os médicos foram informados que na família havia uma pessoa com febre maculosa, no entanto nenhum exame do tipo foi realizado. Mediante a piora rápida da idosa, que em 24h de internação perdeu a visão e os movimentos, o centro de saúde resolveu transferir a mulher para o Hospital Municipal de Contagem, já em estado gravíssimo. No local, exames foram realizados e veio a confirmação da febre maculosa.  

No entanto, a idosa não suportou e morreu no dia 12 de agosto. “O diagnóstico veio tarde demais. Diante a idade avançada e o estado clínico da minha avó, ela não suportou esperar ser tratada. O problema é que os médicos não me ouviram. Eu falei sobre a febre maculosa e ninguém fez nada”, diz Natália.   

Possível infestação de carrapatos 

As irmãs Ana e Natália começaram a se questionar onde os familiares tiveram contato com carrapato para pegar a doença. As duas dizem que o bairro Tijuca, em Contagem, onde elas residem, é infestado de carrapatos e animais abandonados. “Ano passado nosso vizinho morreu de febre maculosa. O bairro é abandonado. Como moramos muito próximo ao zoológico, até capivaras aparecem nas casas. Não existe nenhum controle de combate a esse tipo de praga. Com certeza, meu sobrinho pegou a doença brincando com os amigos aqui no bairro, e a minha avó varrendo a calçada. Estamos no limite entre BH e Contagem. O que vemos é um jogo de empurra entre os municípios, que não fazem nada”, frisa Natália.  

PBH 

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que na cidade foram realizadas ações preventivas por meio de abordagens junto à população em um raio de cinco quarteirões da avenida Xangrilá, no bairro Braúna, limite de Belo Horizonte com Contagem. 

“A Prefeitura informa que o mantém o calendário de ações nos meses de abril, agosto e novembro e é feita a vigilância, que consiste no monitoramento ambiental dos carrapatos nas regionais Nordeste, Norte, Pampulha, Barreiro e Venda Nova. A Secretaria Municipal de Saúde, por meio dos Agentes de Combate a Endemias, também mantém ações educativas, por meio de distribuição de material informativo e preventivo, para a população”, pontuou a nota. 

Sobre o estado de saúde da criança e a negligência médica, a PBH informou que a criança deu entrada na UPA Pampulha no dia 5 de agosto, às 11h36, e foi prontamente atendido pela pediatra da unidade. Após relato da mãe da criança e avaliação clínica, foi prescrita medicação e repassada orientação para a criança retornar à unidade, em caso de piora ou persistência dos sintomas. 

“Os dados sobre o prontuário médico de paciente são sigilosos e são repassados apenas à família ou representantes legais. A mãe da criança já solicitou o prontuário e receberá cópia do documento”, disse a nota. 

Já a Prefeitura de Contagem informou que a área que reside a família é considerada como endêmica e que desde 2019, quando houve um surto da doença, as ações de combate tem sido intensificadas. Conforme o Executivo municipal, " após a confirmação da sorologia positiva para a Febre Maculosa novas ações da SMS foram encaminhadas, como a divulgação de Nota Técnica para toda a rede de saúde pública e privada" e ainda realizadas visitas a 1.305 residências, além da borrifação com produto específico de combate ao carrapato estrela em 719 residências nos quarteirões dentro de 500 metros do caso.

Veja abaixo a nota na íntegra:

Quanto às denúncias, a Prefeitura de Contagem, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), informa que desde 2017, esta área no Nacional, considerada como endêmica, é monitorada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Em 2019, quando houve um surto de FMB nesta área as ações têm sido intensificadas.  No dia 13 de agosto, após a confirmação da sorologia positiva para a Febre Maculosa novas ações da SMS foram encaminhadas, como a divulgação de Nota Técnica para toda a rede de saúde pública e privada.  Foram iniciadas também a sensibilização e panfletagem para os moradores da área do entorno com visitas a 1305 residências, além da borrifação com produto específico de combate ao carrapato estrela em 719 residências nos quarteirões dentro de 500 metros do caso. A equipe de Zoonoses e Epidemiologia também se reuniu com a Zoonoses de Belo Horizonte para alinhar ações no território da divisa dos municípios. Nas próximas duas semanas, a equipe da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana fará a roçada e a capina da região.

A SMS realiza várias ações para a prevenção da FMB, são elas: mapeamento e acompanhamento das áreas de risco; manutenção de grupo de WhatsApp e contato permanente com os carroceiros, com banhos carrapaticidas nos cavalos e exames rotineiros nos animais. A pasta também promove treinamentos para os agentes de combate às endemias e agentes comunitários de saúde, médicos e enfermeiros.  Ainda mantém contato frequente com munícipes das áreas de risco, por meio das visitas da Atenção Básica.

Ressaltamos que está disponível um canal oficial para reclamações, sugestões e denúncias de qualquer natureza em relação aos serviços de saúde. A família poderá se dirigir à Ouvidoria do SUS para formalizar a denúncia quanto à prestação do atendimento para que seja possível a apuração dos fatos narrados e das supostas falhas e, se for o caso, adotar as providências cabíveis.


O Tempo





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