Mariana tinha apenas 1 ano e meio quando recebeu a injeção de um antibiótico bastante popular em um pronto-socorro de SP. No entanto, minutos depois, ela teve a circulação sanguínea interrompida na perna esquerda, que levou a necrose e a perda dos dedos. Em entrevista exclusiva à CRESCER, a mãe de Mariana conta que três anos depois, ainda busca por justiça. Entenda
Mariana teve que amputar os dedos dos pés após receber um antibiótico injetável
"Me chamo Carolina, tenho 23 anos e moro aqui na região oeste de São Paulo, em Jandira. Tenho uma filha de 1 ano e 5 meses, e vou contar a minha história para alertar todas as mamães e papais." Foi assim que Carolina Silva Ribeiro começou um post que viralizou e continua sendo compartilhado até hoje, três anos depois, nas redes sociais. Na época, a pequena Mariana precisou ser intubada e teve que amputar os dedos de um dos pés após receber uma injeção de um antibiótico bastante popular no Brasil — penicilina benzatina —, muito usado no tratamento de dor de garganta, infecções respiratórias e sífilis.
O caso aconteceu na capital paulista, no dia 17 de novembro de 2018, quando Carolina levou a filha a um pronto-socorro. "Ela estava com um resfriado, com bastante coriza e com muita tosse. Chegando lá, o médico disse que minha filha estava com a garganta inflamada e recomendou medicamentos ou uma injeção. Mas, nas condições que ela se encontrava, a injeção, segundo ele, era a melhor solução", lembra. Como Carolina já havia administrado medicamentos em casa e não havia resolvido, optou por seguir o conselho médico. Seria a primeira vez que Mariana tomaria penicilina benzatina. "Comprei a injeção na farmácia, pois no PS não forneciam a injeção, e voltei lá para que fosse aplicada nela. Depois de receber a dose, minha filha reclamou muito de dor, mas a enfermeira disse que era normal", conta.
"Sai do PS em direção a um mercado da região e já percebi que ela estava muito sonolenta. Acordava e chorava, mas logo voltava a dormir. Dentro do mercado, percebi que a perna que recebeu a injeção (foi na nádega esquerda) estava muito roxa, enquanto a outra estava bem vermelha. Em questão de 20 minutos, a circulação no pé foi interrompida e perdeu totalmente a cor. Voltei às pressas ao PS. Ela foi atendida, colocaram no oxigênio e começaram a fazer as medicações, pois já tinha perdido diversas vezes a consciência. Inicialmente, acharam que fosse reação alérgica, mas essa hipótese foi descartada assim que ela foi levada para um hospital", disse.
Perna esquerda de Mariana ficou sem circulação sanguínea
"Uma tomografia constatou que a circulação tinha sido interrompida da perna para baixo. Então, Mariana foi transferida para a UTI de outro hospital, onde foi foi diagnosticada com síndrome de Nicolau", lembra. "Foi necessário fazer dois cortes na perna para aliviar o inchaço que estava prejudicando muito o membro e o pé começou a necrosar devido a falta de circulação. Tudo aconteceu tão rápido", disse.
Após dois meses de internação, em janeiro de 2019, foi necessário amputar os dedos do pé de Mariana. "A necrose tinha já tinha tomado conta e faltava pouco pra cair/soltar do pé. Eu tinha esperanças que os médicos pudessem salvar os dedos, mas eles ficaram numa situação que ninguém aguentaria ver por muito tempo. Após a amputação, o quadro de saúde dela foi melhorando", conta.
Mariana precisou de intubação
3 anos depois...
Hoje, Carolina mora com a filha em Goiás. Mariana já tem 4 anos, mas ainda aguarda uma cirurgia para a correção do pé. "Isso tudo gerou sequelas e uma delas é a limitação de movimentos no pé, que somente uma cirurgia pode corrigir. O desenvolvimento dela foi prejudicado, principalmente na questão da mobilidade, pois ela havia começado a andar apenas um mês antes do incidente", afirma. Felizmente, Mariana recuperou o peso que perdeu no hospital e tornou-se uma criança sociável. "Com muito amor e carinho, ela está evoluindo bem, cada dia mais esperta e aprendeu a viver com sua limitação. Ela é uma guerreira", diz Carolina, orgulhosa.
Mas a mãe não esquece do que passou naquele dia. "Foi uma mistura de sentimentos, principalmente na UTI. Quando me chamaram para falar que ela precisou ser intubada, foi um choque. Eu realmente não acreditava. Chorei bastante e quando pude vê-la, a sensação foi ainda pior. Ninguém espera ver um filho com todos aqueles tubos e equipamentos pelo corpo. Chamei por ela, conversei, ela me ouvia e chorava, mas era um choro sem som, eu só conseguia ver as lágrimas", lamenta. "Três anos depois, eu consigo lidar melhor com algumas coisas, como a culpa. Já me senti muito culpada, pensando no que poderia ter feito ou deixado de fazer. Eu confiei em um profissional da saúde. Mariana não vai lembrar, pois era muito nova, mas eu jamais vou esquecer. Esse incidente mudou completamente não só minha vida, como a de toda a minha família. Hoje, faço terapia justamente para passar por todo esse processo sem sentir remorso. Quero estar bem para quando ela me perguntar o que houve e eu conseguir explicar. Ela pergunta, entende e até explica do jeitinho dela, mas não compreende a gravidade de tudo o que passou. Quem olha, estranha, olha com um certo nojo, acha que foi bicho que mordeu... Mas ninguém acha que foi um medicamento, ainda mais esse, tão conhecido no Brasil", disse.
Um tempo depois, Mariana também resolveu entrar na Justiça. "Tem uma ação judicial acontecendo. Decidi, juntamente com a minha família, pois até hoje não tive uma explicação clara sobre tudo o que aconteceu. Não entra na minha cabeça que uma criança com a garganta inflamada perdeu os cinco dedos do pé por causa de uma injeção que, na época, ainda tive que comprar porque o pronto-socorro não fornecia. Já que os médicos não podem explicar, espero que a Justiça explique. Mariana nasceu perfeita e ficou com sequelas para o resto da vida", finalizou.
Mariana aguarda por cirurgia para recuperar movimento do pé
Palavra de especialista
Segundo o pediatra e infectologista Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), existem diversos laboratórios que produzem a penicilina benzatina. "É um antibiótico muito popular, sua criação foi em 1930. Por exemplo, hoje é o principal tratamento para sífilis", diz. No entanto, o infectologista explica que a reação alérgica em crianças após a administração de um medicamento não é incomum. "Trata-se de um antibiótico que, como muitos outros, pode causar um choque anafilático, que é uma reação alérgica grave. A chance é muito pequena, mas pode acontecer", disse.
Já no caso de Mariana, o especialista acredita que há mais fatores relacionados, que vão além de uma complicação alérgica ou da síndrome de Nicolau — uma rara complicação caracterizada por necrose tecidual que ocorre após a injeção de medicamentos. "Alguns medicamentos podem incluir reações como espasmos da arteria e fenômenos tromboembólicos (que é a síndrome de Nicolau), que acabam causando a obstrução da circulação, refletindo em uma necrose, que é a morte do tecido. Mas isso acontece, normalmente, muito próximo ao local da injeção. No caso dela, a injeção foi aplicada no bumbum e a necrose se deu nos dedos dos pés, o que sugere, por exemplo, a possibilidade de que pode ter acontecido de o medicamento ter caído na circulação. Esse antibiótico não pode ser aplicado na veia. Além disso, a síndrome de Nicolau, por si só, não costuma estar relacionada a sintomas sistêmicos com a necessidade de intubação", explicou. "Portanto, outros fatores, como quadros alérgicos graves e a possibilidade de o medicamento ter caído dentro da circulação precisam ser investigados", ponderou.
Sobre a penicilina benzatina, o médico tranquiliza: "Aplicando com a técnica correta e o paciente ficando sob observação por cerca de 30 minutos após receber a injeção pela primeira vez, para se certificar que não vai haver uma reação alérgica, não há o que temer", finaliza.
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