Médico forjou história de cirurgia em criança doente para se promover nas redes sociais
A publicação da história de uma bem-sucedida cirurgia pediátrica no Instagram rendeu ao médico do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo Bruno Ceranto um processo por parte da família de duas crianças que pedem R$ 80 mil em danos morais. O motivo: a história nunca aconteceu.
Ceranto admitiu ter criado a "boa ação" divulgada pelo perfil "Razões Para Acreditar", com mais de 3 milhões de seguidores. O menino da foto nunca teve problemas no apêndice, nunca passou por nenhuma cirurgia e não poderia ser o autor da carta publicada pelo residente, já que ainda não é alfabetizado.
Na postagem, já apagada, o médico relatava que salvou a vida do menino com um diagnóstico brilhante e uma cirurgia complexa de apendicite, e que, se não fosse por ele, o "desfecho poderia ter sido outro". A publicação recebeu 16.862 curtidas e 365 comentários elogiando a conduta do "doutor herói". Procurados pelo UOL, os administradores da página não responderam ao contato da reportagem.
'Meu erói': médico simulou caligrafia infantil para dar credibilidade à história.
Foi só depois da divulgação no perfil que a família ficou sabendo da fraude. Uma tia do menino entrou em contato com a mãe dele perguntando se estaria tudo bem após tal "cirurgia de grande porte". A mãe, segundo o texto da ação, teria ficado "estarrecida e indignada".
Utilizando da imagem dos filhos dela, o residente contou na rede social ter atendido o caçula em um plantão hospitalar há cerca de três meses com um "quadro de dor abdominal intensa". Na época, a família morava em Goiás. Ele também mudou a idade dos meninos, de 3 e 6 anos, para 6 e 7 anos, respectivamente.
"Já havia passado cinco dias com dor e febre, indo em várias UPAs, sendo liberado para casa várias vezes com analgésicos e sem diagnóstico", dizia o médico na postagem. Meses depois, ele teria sido "surpreendido com uma cartinha" do menino.
"Meu coração deu um suspiro profundo, uma lágrima escorreu pelo rosto, um sorriso bobo me dominou", relata. O médico termina a postagem com as marcações "#filantropia" e "#medicinasemstatus". De acordo com processo, ele também teria forjado uma caligrafia infantil e um desenho do Batman.
A defesa do médico confirma que ele criou a história, mas nega que ele fez isso para "se promover" e não se responsabiliza pela divulgação da postagem no perfil "Razões Para Acreditar".
Médico admitiu ter forjado história em postagem, que teve mais de mil curtidas
"Foi um ato ingênuo, impensado e infantil, mas que na nossa visão não gerou grandes repercussões. Não negamos o fato, apenas vamos discutir a extensão do dano. Não houve nenhum desdobramento, seja do ponto de vista ético, civil ou criminal", afirmou Erial Lopes, advogado de Ceranto.
Procurados pelo UOL, nem a família dos meninos, nem seus representantes quiseram se pronunciar. No texto do processo movido contra Ceranto, os advogados da família afirmam que o médico "parece acreditar que Heliópolis é sua Disneilândia, que ele pode ir até a comunidade carente, distribuir esmolas, tirar fotos com crianças, explorar as imagens, falsificar cartas, fazer o que bem entender" para se "promover socialmente e profissionalmente na internet".
De acordo com os documentos, a mãe e as crianças nem conhecem o médico, que teria as abordado no dia 25 de junho em Heliópolis oferecendo presentes em troca de uma foto, apenas para "comprovar a doação dos brinquedos". A família, de Cidade Ocidental, Goiás, morava em São Paulo há quatro dias.
A mãe dos meninos teria ficado constrangida e desconfiada, mas acabou permitindo que Ceranto doasse os brinquedos e fotografasse as crianças, sem imaginar que o médico utilizaria a imagem de seus filhos para publicar em redes sociais.
Procurado pelo UOL, o Hospital do Servidor Público Municipal afirma que "nada consta nos registros para atendimentos no nome da criança".
A Secretaria Municipal da Saúde informou, por meio de nota, que o médico é "integrante do Programa de Residência Médica, sem vínculo funcional, com a carga horária de 60 horas semanais".
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo afirmou, em nota, que ainda "não foi notificado oficialmente e poderá abrir sindicância para investigar o caso".
Bruno Ceranto responde ainda a um processo por importunação sexual a uma médica dentro do hospital. Ele teria invadido o banheiro feminino para fotografar a colega, que estava grávida. O celular do médico foi apreendido por determinação do Tribunal de Justiça e passará por perícia. O caso aconteceu em agosto de 2020.
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