O jornalista e escritor Gilberto Nascimento, de 63 anos, está denunciando médicos da unidade hospitalar da Prevent Senior, no bairro Paraíso, em São Paulo, que teriam se recusado a manter o tratamento de sua mãe. A aposentada Terezinha de Jesus estava com Covid-19 e morreu em 24 de março, aos 87 anos.
“O hospital recusava-se a continuar a mantê-la em tratamento, alegando que ela já era muito idosa. Deixaram minha mãe morrer!”, afirmou, Nascimento, de acordo com reportagem de Saulo Pereira Guimarães, no UOL.
O jornalista diz, ainda, que a Prevent Senior não entregou o prontuário médico de sua mãe, mesmo após encerrado o prazo de entrega.
Em 28 de setembro, Bruna Morato, advogada de 12 médicos que elaboraram um dossiê com denúncias contra a Prevent Senior, afirmou à CPI do Genocídio que a operadora de saúde implementou uma política interna de “coerção”, pois os profissionais de saúde eram obrigados a receitar o “Kit Covid” por medo de retaliações e até demissões.
Gilberto Nascimento divulgou um relato forte e indignado sobre a morte de sua mãe:
“Minha mãe, Terezinha de Jesus, dona de casa, vítima de Covid-19, morreu em um hospital da rede Prevent Senior, no dia 24 de março de 2021. Ao menos em dois momentos, o hospital, por meio de seus médicos, afirmou que não valeria a pena mantê-la em tratamento, alegando que seria muito idosa. Isso quando toda a milionária propaganda da Prevent Senior é voltada para o atendimento, ou suposto atendimento, de pessoas idosas.
Com suspeitas de contaminação por Covid, minha mãe recebeu o ‘Kit Covid’ em casa, sem passar por qualquer consulta. Porém, eu a encaminhei para o hospital antes de esses medicamentos ineficazes chegarem. Minha irmã, Elisabete de Jesus Nascimento Malavolta, havia tentado antes uma consulta por telemedicina, mas desistiu ao constatar que apenas atendentes – e nunca um médico – ouviam os relatos dos pacientes e, em seguida, enviavam por meio de um motoboy os tais remédios.
No dia 20 de fevereiro (sábado), no início da madrugada, minha mãe deu entrada na unidade da Prevent Senior no bairro da Mooca. A primeira coisa que eu disse para o médico que a atendeu foi que não lhe desse de forma alguma hidroxicloroquina ou outro desses medicamentos ineficazes. Ele confirmou que esses remédios faziam parte do protocolo do hospital, mas disse não havia prescrito. Tive de confiar na sua fala.
Amarrada
No mesmo dia, minha mãe foi removida para a unidade da Prevent Senior no Paraíso. No quarto dia de sua internação, minha outra irmã, Elisete Bento Nunes da Silva, foi visitá-la. Encontrou minha mãe amarrada à uma cama. Achamos aquilo um absurdo. Os médicos do hospital se justificaram dizendo ‘ser necessário’ o procedimento porque minha mãe estaria ‘arrancando a máscara de proteção com as mãos’.
Após essas explicações, uma médica, identificada como Mariana, disse que minha mãe tinha ‘coração de 90 anos, fígado de 90 anos e rim de 90 anos’. Minha mãe estaria tendo uma piora e, segundo ela, em casos de pessoas com essa idade a intubação não é a melhor solução, ‘pois não tem o que fazer, e ela não se recupera mais’.
As chances de minha mãe voltar a ser como era seriam muito pequenas, sentenciou a médica. A idade biológica da minha mãe era 87 anos. Por um erro no cartório, ela foi registrada como se tivesse nascido dois anos antes.
A mesma médica comentou que minha mãe tinha uma ‘ventania no coração’. Teria problemas cardíacos. Minha irmã Elisete respondeu que ela nunca teve sopro no coração, que fazia exames periodicamente e nunca havia sido detectado nada. Jamais tivemos conhecimento de que ela apresentasse qualquer doença do coração.
Tememos que possam ter dado hidroxicloroquina ou outros medicamentos inadequados para ela no hospital, ocasionando então um problema cardíaco. A contaminação de minha mãe pelo Covid era recente e estranhamos também aquela piora tão rápida.
Esperamos que não tenha sido pelo uso da hidroxicloroquina. Mas, diante de inúmeras denúncias e das reiteradas práticas da Prevent Senior, achamos importante que esse fato possa ser investigado e esclarecido.
Intubação ou cuidados paliativos
Como o quadro de minha mãe teria piorado, a médica disse para minhas duas irmãs no hospital que seria necessária uma decisão da família pela intubação ou o início de cuidados paliativos, e que essa decisão precisava ser tomada em poucos minutos. Ela sugeria os cuidados paliativos, que seriam aplicados em uma outra unidade da Prevent Senior.
Minhas irmãs que lá estavam, e eu e outro irmão, por telefone, decidimos pela intubação, pois minha mãe não tinha comorbidades, era muito ativa, estava bastante lúcida e gostava muito de viver.
Logo depois disso, a médica e a equipe de enfermagem entraram no quarto de minha mãe. Minhas irmãs ainda conversaram com ela, totalmente consciente naquele momento. Daí em diante, por um longo tempo, foram muitas as entradas e saídas de médicos e membros da equipe de enfermagem no quarto de minha mãe.
Minhas irmãs e uma sobrinha, Luiza, ficaram no saguão do elevador, de onde tinham visão do quarto e escutavam as conversas. Minha sobrinha Luiza ouviu um médico questionar: ‘Para que intubar uma pessoa de 90 anos?’.
Visivelmente a contragosto, iniciaram a intubação. Ao final, a médica comentou que houve muita dificuldade para o procedimento. Informaram, enfim, que minha mãe seria transferida para a UTI.
Infelizmente, isso não ocorreu. No dia seguinte, recebemos um telefonema para irmos urgentemente ao hospital. Quando minhas irmãs lá chegaram, não encontraram minha mãe. Tentaram impedi-las, mas elas saíram procurando pelo prédio do hospital.
Descobriram depois que ela estava largada, numa sala de espera de um pronto-atendimento no segundo andar, sem acompanhamento médico em tempo integral, intubada, mas sem qualquer outro cuidado. Fora deixada num canto reservado, escondida apenas por uma pequena cortina e a pouquíssimos metros de dezenas de doentes que esperavam por atendimento ou consultas.
Sem internação
Não queriam encaminhá-la de jeito nenhum para a UTI. Repetiam que não ia ‘adiantar nada’ por causa de sua idade. A médica insistia, então, para que autorizássemos a transferência para a outra unidade da Prevent Senior. Diante daquele quadro, protestamos imediatamente. Ficamos indignados com o descaso. Minha mãe só foi encaminhada para a UTI depois da interferência de meu genro, médico, que esteve no hospital.
Daí em diante, foram cerca de 30 dias na UTI. Com receio de ser atingido pela Covid – afinal, eu fora um dos únicos da família a não ter pego a doença -, eu não ia sempre ao hospital. Mas minhas irmãs estavam lá, diariamente.
Elas reclamavam em razão de os boletins médicos da Prevent Senior – fornecidos, na maioria das vezes, por um médico identificado como doutor Kalil – divulgarem sempre a informação de que minha mãe se mantinha num quadro estável ou vinha obtendo melhoras. O doutor Kalil falava com alegria e satisfação, como se ela já estivesse acordada e sem aparelhos.
Minhas irmãs enxergavam o contrário, ao verem minha mãe com as mãos inchadas ‘como se estivessem prestes a estourar’. Nos últimos dias na UTI, ela não dava nenhum sinal de que iria acordar. Estava com o corpo machucado, cheio de escaras (feridas) na região sacral (no fim da coluna), já com necrose. A Elisete, que é técnica em enfermagem, reclamava por não ver serem tomados os cuidados adequados a esse problema, como o banho e medicação.
O doutor Kalil anunciava a iminente liberação de minha mãe da UTI, como um sinal de recuperação e a provável volta para casa. Ele nos deu esperanças. Ao menos, a mim. Fiquei animado.
Mas, dois dias antes da morte de minha mãe, uma outra médica, identificada como Radija, voltou a falar da necessidade dos cuidados paliativos. ‘Já se passou muito tempo sem nenhuma melhora’, afirmou a médica. Para ela, não tinha mesmo sentido minha mãe continuar ali porque não haveria nada mais a fazer.
Minhas irmãs fizeram esse relato e eu pedi para o meu genro médico ir ao hospital, a fim de também avaliar o quadro e nos orientar. Era um sábado. Ele aguardou por cerca de quatro horas na calçada e no saguão do hospital, mas sua entrada não foi autorizada. A administração da Prevent Senior alegou que os andares do prédio passavam por uma limpeza naquele momento e ninguém de fora poderia acessar o seu interior.
Diante de uma piora de saúde de minha mãe, segundo a médica, ela queria a autorização para os iniciar os cuidados paliativos. Diante do longo tempo de dor e sofrimento, os quatro irmãos consultados entenderam não haver outra alternativa. Eu achava que ela deveria continuar sob tratamento, mas não tinha como contrapor. Consultando outros médicos, também não visualizei outras alternativas.
A médica Radija disse para minha irmã Elisete: ‘você fez a melhor escolha’. Ela informou que seriam aplicadas doses de morfina em minha mãe. Ela morreu às 19h10 do dia 24 de março de 2021. Minutos depois, ouvimos uma assistente do hospital comunicando a outra família que o leito dela estava vago.
Nos dois dias antes de sua morte, minha mãe já estava sem soro e sem a dieta nasoenteral (utilizada quando o paciente não pode ingerir alimentos sólidos por via oral). Questionada, uma enfermeira respondeu: ‘Isso já não é mais o principal. Ela não precisa disso’.
Minha mãe foi preparada para morrer. Esperamos que o Ministério Público de São Paulo, as CPIs da Pandemia no Senado Federal e da Prevent Senior na Câmara Municipal de São Paulo – e também os deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo que pediram a instalação de uma comissão – possam investigar e comprovar se foi adequado o atendimento dispensado aos idosos nos hospitais da Prevent de Senior.
São reiteradas as denúncias de que idosos não podiam passar mais de 30 dias internados e que leitos precisavam ser desocupados. Alguns médicos, como se vê, cumpriam rigorosamente essas orientações”, finalizou o jornalista.
Nota da Prevent Senior
Em nota, a Prevent Senior tentou se defender:
“A Prevent Senior esclarece que o tratamento prescrito à senhora Terezinha de Jesus foi feito em comum acordo com familiares. No dia 19 de fevereiro foi atendida por uma médica, por telemedicina, e a família orientada que em caso de piora deveria ir diretamente a um pronto-socorro, como ocorreu no dia seguinte.
Todas as informações sobre a internação da paciente são protegidas por sigilo legal relativo ao prontuário médico. Os familiares podem divulgar o prontuário, que comprovará que todas as condutas necessárias foram adotadas, inclusive durante o período de intubação. Sobre o relato de que paciente ficou ‘amarrada’, na realidade trata-se de contenção mecânica, procedimento padrão adotado quando os pacientes ficam muito agitados.
A Prevent Senior está à disposição de todos os órgãos fiscalizadores para dar todos os esclarecimentos”.
Revista Fórum