Ação é assinada por defensores públicos da União de 10 estados e do Distrito Federal, que pedem que o conselho oriente a comunidade médica sobre a ineficácia de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento contra a Covid-19. Em nota, o Conselho Federal de Medicina afirmou que ainda não foi notificado.
Caixas de Hidroxicloroquina
A Defensoria Pública da União entrou nesta sexta-feira (1) com uma ação civil contra o Conselho Federal de Medicina (CFM) por danos morais coletivos pela indicação do uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19, medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da doença.
A ação foi protocolada na 22° Vara Cível Federal de São Paulo e é assinada por defensores de 10 estados e do Distrito Federal.
Além de indenização coletiva no valor de R$ 60 milhões, a ação também pede indenizações individuais a familiares que tiveram parentes que foram tratados com os medicamentos e tiveram o quadro de saúde piorado e morreram.
Os defensores também pedem que o Conselho "oriente ostensivamente a comunidade médica e a população em geral sobre a ineficácia de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento contra a Covid-19".
No documento, é citado o parecer do CFM de 2020 que autorizou a indicação dos remédios para o chamado "tratamento precoce".
Também são apontadas manifestações posteriores do Conselho que mantiveram a orientação para o uso sob a justificativa de autonomia do médico e do paciente, mesmo após estudos científicos terem apontado aumento da mortalidade e ineficácia da cloroquina no uso contra a Covid-19.
"Apesar de toda a evidência científica acumulada, em 5 de maio de 2021, foi divulgado que o CFM ratificou que não mudaria sua postura em relação ao uso da cloroquina no Brasil", diz a ação.
Em nota, o CFM afirmou que ainda não recebeu comunicação judicial sobre a ação. "Caso seja acionado, oferecerá todas as informações pertinentes", diz ainda.
CPI da Covid
Na terça-feira (28), durante depoimento de mais de 7 horas na CPI da Covid, em Brasília, a advogada Bruna Morato, que representa 12 médicos que denunciaram a Prevent Senior, afirmou que o plano de saúde coagia os empregados a prescreverem remédios ineficazes contra a Covid.
Disse também que o plano fez um "pacto" com o chamado "gabinete paralelo" do Palácio do Planalto, que, segundo a CPI, orientava o presidente Jair Bolsonaro sobre condutas para o enfrentamento da pandemia.
Bruna Morato também afirmou que a Prevent Senior ergueu um hospital de campanha na Vila Olímpia, em São Paulo, para atender pacientes de Covid-19 durante a pandemia em um prédio que funciona sem elevador para macas e sem as adaptações necessárias para receber pacientes (veja mais aqui).
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) afirmou, por meio de nota, que “está ciente dessas graves acusações e, na estrita fiscalização da profissão médica, em benefício da sociedade, instaurou procedimentos para apuração dos fatos e delimitação das responsabilidades”.
“Foram levadas ao conhecimento de diversos entes de fiscalização denúncias envolvendo prescrições de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento de Covid-19, suspeitas de fraudes em atestados de óbito, possíveis falsificações de prontuários médicos com mudanças da Classificação Internacional de Doenças (CID) e envio de kit de medicamentos, de maneira compulsória, a serem administrados aos conveniados, sem autorização da família e/ou prescrição médica, além da suposta imposição aos médicos do cumprimento de protocolos institucionais. (...) Este Conselho seguirá colaborando com as autoridades competentes para todos os esclarecimentos necessários e a plena elucidação das denúncias”, disse a nota.
Órgãos de classe
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirmou na nesta segunda-feira (27) que notificou o Cremesp, o Conselho Regional de Farmácia (CRF) e o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) para “adoção de medidas cabíveis com relação a hospitais da rede Prevent Senior, considerando as atribuições legais de fiscalização do exercício de cada profissão”.
Segundo a secretaria, o pedido foi feito após “os fatos noticiados na CPI da Covid-19 relacionados à ‘alteração’ de diagnósticos nos prontuários de pacientes e omissão do CID da doença nas declarações de óbitos, bem como a prescrição de medicamentos sem eficácia cientificamente comprovada para tratamento da doença, como a cloroquina”.
Fachada de prédio da Prevent Senior em São Paulo
Apesar da notificação, a secretaria estadual afirmou que os hospitais Sancta Maggiore da rede localizados na capital paulista foram alvo de vistoria das equipes de Vigilância Sanitária estadual e municipal, em março de 2020, após indícios de subnotificação de casos e óbitos naquela fase inicial da pandemia e têm cumprido as exigências sanitárias do estado.
“As Vigilâncias realizaram inspeção colaborativa para avaliar os protocolos e fluxos de atendimento, notificação de casos de COVID-19 e condições técnicas e sanitárias. A rede realizou melhorias, implantou medidas de segurança e de otimização de atendimentos e notificação referentes à doença, sendo constatada conformidade com legislação sanitária”, declarou a secretaria.
No começo do ano, médicos denunciaram à GloboNews que a diretoria do plano de saúde Prevent Senior os obrigou a trabalhar infectados com Covid-19 e a receitar medicamentos sem eficácia para pacientes.
Depois disso, um dos médicos inclusive registrou um boletim de ocorrência em que relata ter sofrido ameaças do diretor-executivo da operadora de saúde, Pedro Benedito Batista Júnior.
Agora, a CPI da Covid-19 investiga um dossiê que aponta que a Prevent ocultou mortes em um estudo com hidroxicloroquina, remédio que não funciona contra Covid.
Os indícios da fraude aparecem em documentos e áudios e, segundo os documentos, houve pelo menos o dobro de mortes entre os pacientes tratados com cloroquina analisados pelo estudo.
Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, durante depoimento à CPI
A suposta pesquisa seria um desdobramento de um acordo da operadora de planos de saúde com o governo federal, e teria resultado na disseminação do uso da cloroquina e de outros medicamentos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) já descartou o medicamento para esse tipo de tratamento.
A Prevent repudia as denúncias e afirma que "sempre atuou dentro dos parâmetros éticos e legais”. O diretor-executivo do plano de saúde, Pedro Batista Júnior, foi ouvido na CPI na quarta-feira (22) e afirmou que foram os pacientes que passaram a exigir a prescrição da cloroquina, mas confirmou que a operadora orientou médicos a modificarem, após algumas semanas de internação, o código de diagnóstico (CID) dos pacientes que deram entrada com Covid-19.
Além da CPI da Covid-19, no Congresso Nacional, a operadora é investigada pelo Ministério Público Federal, pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo e pela agência reguladora dos planos de saúde, a ANS.
Em São Paulo, o Ministério Público iniciou uma investigação ainda em março sobre a distribuição do "kit Covid" pela Prevent Senior. Neste mês, após novas denúncias, o MP criou uma força-tarefa, com quatro promotores: Everton Zanella, Fernando Pereira, Nelson dos Santos Pereira Júnior e Neudival Mascarenhas Filho.
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, disse que os profissionais médicos e diretores da Prevent Senior poderão responder por crime contra a vida, caso fique comprovado o uso de tratamentos ineficazes contra a Covid-19 em pacientes da operadora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário