Empresa alega que caso de Gileno Barreto, revelado pelo EL PAÍS, foi depois informado corretamente à Secretaria de Saúde de Salvador e que por isso ele integra as estatísticas da pandemia
O EL PAÍS publicou nesta sexta-feira reportagem que mostra suspeitas de que o plano de saúde Hapvida pressionou médicos para prescrever o kit covid-19 e que omitiu a doença na causa de morte de um paciente ―num caso similar ao da Prevent Senior, investigada na CPI da Pandemia. O funcionário público Gileno Soares Barreto, de 72 anos, deu entrada com o diagnóstico de coronavírus em um hospital da operadora de saúde em Salvador e faleceu após 21 dias de internação. Em sua declaração de óbito, porém, não consta a covid-19 como causa de morte. Neste sábado, um dia após a publicação da reportagem, o Hapvida enviou uma nota a este jornal reafirmando que houve um erro na declaração de óbito da vítima e apresentou documentos relatando que informou à Secretaria Municipal da Saúde sobre a ocorrência de coronavírus. No entanto, não deixou claro quando essa comunicação foi feita. Erros nesses documentos, intencionais ou não, podem resultar em subnotificações de registros de óbitos por coronavírus no país.
“Em nenhum momento, neste ou em qualquer outro caso, houve alteração do código da doença nos sistemas de registro oficial do SUS. No que se refere à instituição, o episódio consta como de covid-19 em todos os registros e estatísticas. Todas as comunicações formais às autoridades sanitárias também foram feitas assim, seja no ato de internação, na realização de exames ou após o óbito”, afirma a empresa na nota. O Hapvida também lamentou o erro na declaração de óbito e se solidarizou com os familiares. A informação sobre a covid-19 consta em outros documentos do prontuário.
A orientação da Organização Mundial da Saúde é que a covid-19 deve constar na declaração de óbito sempre que o paciente for internado por complicações da doença causada pelo coronavírus, ainda que ele tenha outras doenças. No caso de Barreto, ele havia descoberto um câncer de próstata em estágio inicial um mês antes, mas esta doença estava controlada e ele foi hospitalizado por complicações de covid-19. A infecção pelo coronavírus deveria então ser informada na declaração de óbito, que é uma referência tanto para a notificação da causa da morte nas secretarias da saúde quanto para obtenção da certidão de óbito nos cartórios.
A reportagem procurou a médica epidemiologista Fátima Marinho na sexta-feira para explicar as etapas da notificação de óbito. Ela é consultora sênior da Vital Strategies, uma organização global composta por especialistas e pesquisadores com atuação junto a governos, e não teve acesso ao prontuário de Barreto Segundo explicou, há um profissional, que atua em hospitais e nas secretaria da saúde, responsável por analisar a declaração de óbito e incluí-la no sistema. Este documento contém a causa base, que é a causa real da morte, e um espaço para outras causas relacionadas ao óbito. Às vezes, a causa base apenas está no campo errado, e o profissional pode corrigir a ordem sem problemas. “Mas neste exemplo que você está colocando é difícil porque a informação da covid-19 não consta [na declaração]”, explica Marinho. Conforme sua avaliação, o caso em questão provavelmente só seria registrado como sendo de covid-19 após uma investigação da Secretaria da Saúde, algo que costuma ser feito periodicamente, mas que é atravessado pela alta demanda de trabalho durante a pandemia. É nesta investigação que seriam checadas informações do prontuário, por exemplo.
“Como tem muitas mortes, esta investigação pode acabar não acontecendo para todos os casos. Há poucas pessoas para investigar”, acrescenta. O caso de Gileno Barreto se assemelha ao da mãe do empresário Luciano Hang, que morreu em um hospital da Prevent Senior e também não teve a covid-19 informada na sua declaração de óbito. A operadora de saúde é investigada na CPI da Pandemia por suspeita de fazer pacientes de cobaias e omitir dados de seus registros de óbitos. Em geral, operadoras de saúde têm sinalizado que, apesar dos erros nas declarações de óbito, os casos constam nas estatísticas oficiais porque a informação estaria presente em outras partes do prontuário, como fichas de óbito e exames. “Você está dando mais trabalho para outra instância que tem muito o que fazer”, opina Marinho.
A Vital Strategies coordenou com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) investigações de mortes registradas apenas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), pneumonias e septicemias em três capitais brasileiras e constatou que a covid-19 foi confirmada como causa da morte em 60% dos casos. Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo também indica que as mortes por causas mal definidas saltaram 30% na pandemia. Estes dados reforçam o risco de subnotificação de mortes pela doença no país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário