sábado, 19 de outubro de 2019

Mantida condenação de Município por erro médico


Cada um dos autores receberá R$ 15.000,00 (quinze mil reais) de indenização por danos morais.

Autos 0822184-16.2014.8.12.0001

Autores: A. E. D. S. e F. R. S. D. S.

Réu: Município de Campo Grande/MS

Vistos.

F. R. S. D. S., representado por sua genitora e também autora, A. E. D. S. ajuizaram a presente Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais c/c Perda de uma Chance com Pedido de Tutela Antecipada Initio Litis em desfavor da PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE, todos qualificados, aduzindo, em síntese, que no dia 24/12/2013 o de cujus Ronildo Silva dos Santos passou mal e foi diagnosticado com problemas cardíacos na Unidade de Pronto Atendimento Coronel Antonino - UPA, sendo realizada naquela ocasião, diversos exames e radiografias.

Seguem narrando que passada a crise, o de cujus foi liberado, embora ainda apresentasse sintomas como dormência no braço e cansaço.

Relatam que no dia 11/02/2014, na parte da manhã, o de cujus passou mal novamente, vindo a ser atendido no UPA Coronel Antonino, apresentando sintomas como falta de ar, cansaço, dor na região do coração, ocasião em que foram realizados exames cardíacos e exame de sangue, e medicado apenas com soro.

Afirmam que os familiares mostraram aos médicos exames e informaram acerca dos problemas cardíacos, o que foi desconsiderado, procedendo à alta médica e encaminhamento ao clínico geral no período noturno.

Narram que no dia 12/02/2014, por volta das 05h30min, após uma noite insone, o Sr. Ronildo acordou delirando, vindo a desmaiar e espumar pela boca, o que culminou com seus familiares ligando para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, informando no ato da ligação que o paciente tinha problemas cardíacos, solicitando atendimento médico urgente.

Descrevem que o SAMU demorou a chegar ao local, aparecendo apenas as 07h05min, mas que a ambulância encaminhada não possuía desfibrilador, sendo solicitado o SAMU ALFA, que apenas chegou ao local por volta das 07h35min, apenas diagnosticando o óbito em decorrência de infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva e miocardia dilatada.

Argumentam que houve dupla negligência médica no atendimento do de cujus.

Tecendo outras considerações que entenderam pertinentes, requerem a concessão da tutela antecipada, inaudita altera parte, determinando que o réu pague a importância de R$ 1.089,60 mensais para custeio das despesas alimentares dos autores, em caráter emergencial ou o montante que entender adequado para realização de seu sustento. No mérito, pugnam pela procedência dos pedidos, para condenar o réu a uma indenização pelos danos morais suportados, equivalente a quinhentos salários mínimos vigentes à época do pagamento ou outro que o Juízo entender pertinente, além da indenização de perda de uma chance, no valor de R$ 405.331,20 e pensão mensal e lucros cessantes equivalente a R$ 1.089,60, desde o falecimento do familiar.

Atribuíram à causa o valor de R$ 780.406,40.

Com a inicial vieram os documentos de f. 22/69.

Indeferida a liminar e deferida a AJG (f. 70/71).

Citado (f. 75), o réu não apresentou contestação (f. 76).

Instadas a especificarem provas (f. 77), os autores manifestaram às f. 79/80.

Saneado o feito (f. 81), oportunidade em que foi deferida a prova pericial e determinado ao réu a juntada dos prontuários e relatórios de ligações do SAMU.

O réu peticionou às f. 87 e 132/133 requerendo a juntada dos documentos de f. 88/123 e 134/180, bem como do áudio das ligações telefônicas do dia 12/02/2014, em formato físico (f. 125/126), tendo os autores manifestado às f. 183/187, com a juntada dos documentos de f. 188/205.

Parecer do Ministério Público opinando pela designação de audiência de instrução e julgamento, bem como a designação de perícia nos documentos médicos acostados ao feito (f. 208/209).

Laudo pericial (f. 225/231), tendo as partes manifestado às f. 237/240 e 241/242.

Durante a instrução, foram inquiridas duas testemunhas (f. 250/252).

Memoriais (f. 253/259, acompanhado dos documentos de f. 260/897, e 898/899).

Os autos vieram conclusos.

Relatei o necessário. Decido.

Trata-se de Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais c/c Perda de uma Chance com Pedido de Tutela Antecipada Initio Litis promovida por F. R. S. D. S., representado por sua genitora e autora A. E. D. S. em desfavor da PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE, objetivando a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, perda de uma chance e lucros cessantes, decorrentes do óbito de seu genitor e convivente, respectivamente, por falha na prestação do serviço estatal.

Inicialmente, corrijo, de ofício, o polo passivo da demanda para que passe a constar como réu o MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, porquanto a prefeitura municipal trata-se do local físico no qual o ente público fica instalado, não possuindo personalidade jurídica para figurar no polo passivo da demanda.

Outrossim, consigno que deixo de encaminhar o presente feito ao Ministério Público, uma vez que o autor F. R. S. d. S. completou a maioridade em 28/09/2018 (f. 27).

Pois bem.

Cinge-se a controvérsia em averiguar se houve a falha na prestação de serviços de socorro pelo réu e, por via de consequência, se há o dever de reparação civil.

O texto constitucional consagrou a teoria do risco administrativo, e não a teoria do risco integral, condicionando a responsabilidade do ente estatal ao dano decorrente da sua atividade, qual seja, a existência de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano.

Nessa seara, a responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever de indenizar ao se verificar dano a outrem e nexo causal entre dano e o comportamento do preposto. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima.

Todavia, é subjetiva a responsabilidade civil do Estado nos casos em que o ato apontado como causador do dano consiste em omissão do serviço público. Para a caracterização da culpa, devem restar atendidos os respectivos requisitos: a previsibilidade e a evitabilidade do acontecido/dano e o dever de agir do Estado.

Anoto, que ao caso dos autos, cuja causa de pedir é a alegada ausência do serviço devido ao seu defeituoso funcionamento, ante comportamento objetivamente inferior aos padrões normais devidos pelo serviço, configura-se a denominada faute du service, que, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello ocorre quando a conduta geradora do dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido. Por isso há sempre responsabilidade por comportamento ilícito quando o Estado, devendo atuar, de acordo com certos padrões não atua, ou atua insuficientemente para deter o evento lesivo.

Por outro lado, observa-se que incumbe ao réu demonstrar a correção do procedimento adotado por seus agentes, o que retira do particular o ônus de produzir a prova do erro ou inadequação da prestação do serviço de socorro.

No caso dos autos, os autores afirmam que o óbito de seu genitor e convivente ocorreu em razão da falha na prestação de socorro, mesmo diante das informações de que o de cujus era portador de doença cardíaca, no atendimento realizado na UPA Coronel Antonino, bem como quando da solicitação de envio de ambulância junto ao SAMU.

Já o Município de Campo Grande, não apresentou contestação, conforme certidão de f. 76.

O laudo pericial constatou que os fatos ocorreram da seguinte maneira (f. 230/231):

Em resumo existem 2 questionamentos: 1 – quanto ao atendimento que lhe foi prestado no posto de saúde no dia 11 e 2 – quanto ao atendimento feito pelo SAMU no dia 12, que não reverteu o quadro e seu [sic] culminou no óbito.

1 – quanto ao atendimento que lhe foi prestado no posto de saúde no dia 11: o quadro era de precordialgia e sintomas sugestivos de comprometimento cardiológico em paciente sabidamente portador de cardiopatia, devendo ser cumprido um protocolo de atendimento a portador de dor torácica, que não está registrado no processo. O paciente deveria ser mantido em observação, sob cuidados e exames específicos (no mínimo um eletrocardiograma), ou encaminhado imediatamente para atendimento em centro especializado, não tendo ocorrido nenhuma das duas opções.

2 – quanto ao atendimento feito pelo SAMU no dia 12: O chamado de ambulância foi às 6:04 hs e a chegada ao domicílio às 06:27 hs, quando o paciente já havia falecido. Solicitada nova ambulância com médico, esta chegou ao local às 06:44 hs, sendo continuadas as manobras de ressuscitação sem sucesso, confirmando o óbito que já estava instalado antes da chegada da primeira ambulância. Não houve identificação da necessidade de ambulância com médico feita pela triagem inicial do SAMU, sob a alegação de que o familiar que contatou o serviço estava muito nervoso, não permitindo ao médico de triagem identificar a real necessidade. Apesar desta falha de interpretação, com ou sem as devidas razões, a ausência do médico na primeira ambulância não influenciou no fato óbito, pois o paciente já estava em assistolia, sendo o último sinal de vida bem antes do atendimento prestado.

Ao final, concluiu o perito:

Em conclusão, o atendimento prestado ao finado Sr. Ronildo Silva dos Santos no dia 11 de fevereiro de 2014 no posto de saúde municipal não atendeu ao protocolo indicado para tratamento de pessoa com quadro de dor torácica e cardiopatia descompensada como se mostrou nos registros médicos que compõem o prontuário resumido.

Portanto, ao que indicam as provas dos autos, todo o infortúnio sofrido pelos autores decorreu, em tese, da negligência dos prepostos do réu na Unidade de Pronto

Atendimento do Bairro Coronel Antonino, vez que não foram observados os protocolos de atendimento, não há descrição dos resultados de exames realizados naquele atendimento, não há descrição das condições de alta no prontuário resumido, não há registro da classificação de risco referente à data do atendimento, nem mesmo encaminhamento para atendimento em centro especializado (f. 225/231).

Vale destacar que não restou demonstrado nos autos a falha na prestação de serviços quanto ao atendimento do SAMU, já que o depoimento das testemunhas (f. 251/252) não tem o condão de afastar os fatos descritos no laudo pericial, que estão em consonância com as demais provas documentais apresentadas e a certidão de f. 28, na qual consta que o horário do óbito foi às 05 horas da manhã, portanto, antes da solicitação do socorro.

Todavia, diante do quadro fático apresentado, ou seja, falha na prestação de serviços em relação ao atendimento na UPA, não é possível afirmar que mesmo se o de cujus tivesse recebido o tratamento adequado na UPA no dia 11/02/2014, o quadro não teria evoluído para o óbito, uma vez que portador de cardiopatia grave, fato esse a ser levado em consideração, já que não há provas de que a causa mortis do de cujus ocorreu em razão da falha na prestação de serviços dos prepostos do réu, que apenas concorreu para o óbito.

Na verdade, o que ocorreu foi a oportunidade perdida de um tratamento de saúde que poderia interromper um processo danoso em curso e que levou o paciente à morte.

Diante desse cenário, resta evidenciado o erro no atendimento médico prestado na Unidade de Pronto Atendimento.

Importante destacar que o exercício da medicina é uma atividade de meio, devendo os profissionais aplicarem os melhores métodos para o tratamento dos pacientes, sendo certo que o tratamento, quando prestado de forma adequada, mesmo que não se alcance o resultado perseguido, não pode gerar responsabilidade ao médico ou ao hospital.

Como no caso dos autos restou consignado pela perícia judicial que houve falha na prestação dos serviços na UPA, por via de consequência, restou demonstrado o nexo causal de que depende a obrigação de indenizar do Estado.

Assim, verificada a existência dos pressupostos da responsabilidade civil, que levam à procedência da ação quanto ao pleito dos danos morais, resta estabelecer a quantia devida, sendo importante salientar que a reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente, com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as consequências da lesão.

Em sede de dano moral é sempre difícil a aferição do quantum indenizatório, em razão da inexistência de parâmetros legais, devendo o julgador observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, assim como atentar para a natureza jurídica da indenização.

A melhor doutrina entende que alguns aspectos relevantes devem ser examinados pelo julgador no momento da fixação da indenização: a extensão do dano causado, a situação patrimonial e a imagem do causador do dano, a situação patrimonial do lesado e a intenção do autor do dano. O valor indenizatório não pode se transformar em uma fonte de enriquecimento ilícito para o lesado. Por outro lado, a indenização apresenta um caráter preventivo e pedagógico, visa não só compensar a dor moral causada, mas também punir o ofensor, não podendo, portanto, revestir-se de caráter irrisório.

Todavia, no caso dos autos, como já asseverado, não restou comprovado que o óbito do paciente ocorreu por conta das falhas apontadas na perícia judicial, mormente porque o de cujos era portadora de cardiopatia, não podendo afirmar que se os protocolos tivessem sido seguidos, o seu quadro não teria evoluído para o óbito. Dessa forma, não há como afirmar que se houvesse recebido o tratamento adequado teria sobrevivido.

Tem-se, assim, que a falha médica apontada contribuiu para o óbito do genitor e convivente dos autores, mas não que foi a sua causa determinante, devendo o quantum indenizatório ser fixado, também, considerando essas premissas.

Dessa forma, entendo que, levando em consideração os parâmetros acima, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um dos autores mostra-se justo para a indenização pretendida, frisando que nenhum valor reparará a ausência do familiar dos autores.

Os autores pleiteiam, outrossim, a indenização pela perda de uma chance, consubstanciada no pagamento do valor que o de cujus auferiria se laborasse até os 65 anos de idade, num valor total de R$ 1.089,60 por mês, além da pensão vitalícia em mesmo valor e lucros cessantes.

Ocorre que os pedidos formulados pelos autores se confundem, ou seja, possuem a mesma causa de pedir, razão pela qual serão analisados todos como indenização por danos materiais a título de pensão alimentícia.

Pois bem. O documento acostado à f. 35 demonstra que o de cujus auferia o salário de R$ 760,00 por mês, ou seja, 1,4 salário mínimo à época de sua contratação em 01/11/2011, devendo tal valor, ou seja, 1,4 salário mínimo, ser considerado à época do óbito por ausência de outras provas em sentido contrário.

O autor F., quando do óbito de seu genitor, contava com 13 anos de idade, sendo a sua necessidade presumida. Assim, faz jus à pretensão de pagamento da pensão até a data em que completar vinte e cinco anos, independentemente de estar ou não estudando, conforme entendimento do C. STJ.

Por outro lado, considerando que a vítima tinha suas despesas pessoais e ausência de provas de que se os procedimentos adotados na Unidade de Pronto Atendimento tivessem sido corretos, ainda assim não poderia se afirmar que teria sobrevindo o óbito, entendo que o autor F. faz jus a 1/3 dos rendimentos líquidos que o de cujus recebia, aplicando-se ao caso, a proporção de 50% (cinquenta por cento) de chance de sobrevida.

Porém, no que se refere à autora Antônia, a pensão vitalícia deve ser afastada, uma vez que não demonstrou sua dependência econômica do falecido, ônus do qual não se desincumbiu.

Por fim, urge salientar que ainda que não se considere a mesma causa de pedir em relação aos pedidos de indenização por danos materiais, não é possível a condenação do réu ao pagamento de lucros cessantes ou perda da chance sob o argumento de que o autor receberia a quantia apontada na inicial ao longo de sua vida em razão da possibilidade de acontecimentos que poderiam modificar tal situação, não se tratando, portanto, de dano comprovado, como tem que ser aquele atinente aos danos materiais.

Assim, ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, julgo parcialmente procedente os pedidos contidos na inicial da Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais c/c Perda de uma Chance com Pedido de Tutela

Antecipada Initio Litis promovida por F. R. S. D. S. e A. E. D. S. em desfavor do MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, para o fim de condenar o réu:

a) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um dos autores, a ser corrigido monetariamente pelo índice IPCA-E a partir do arbitramento e juros de mora pelo índice aplicável a caderneta de poupança a partir da citação, nos termos do artigo 405 do Código Civil, por se tratar de obrigação contratual;

b) ao pagamento de pensão equivalente a 1/3 de 1,4 salário mínimo, inclusive da gratificação natalina, e que deverá ser reajustada na mesma época e índices do salário mínimo, contada a partir da data do óbito, até a data em que o autor F. completar 25 (vinte e cinco) anos, sendo que as parcelas vencidas deverão ser quitadas em pagamento único, observando-se o índice do salário mínimo e acrescidas de correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora pelo índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, a partir de cada vencimento.

Em razão da sucumbência, condeno as partes ao pagamento de custas e despesas processuais, na proporção de 25% (vinte e cinco por cento) para os autores e 75% (setenta e cinco por cento) para o réu (art. 24, §1º, da Lei Estadual n. 3.779/2009), restando a cobrança diferida em relação aos autores por força do artigo 98, §3º, do CPC.

Tratando-se de sentença ilíquida, os honorários deverão ser fixados após a liquidação do julgado, observando-se o percentual de sucumbência acima fixado, nos termos do artigo 85, §4º, II, do CPC.

Transcorrido o prazo para apresentação de recurso voluntário, remetam-se os autos ao E. TJMS para reexame necessário.

Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se com as anotações de estilo.

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.

Campo Grande-MS, 13 de novembro de 2018.

Zidiel Infantino Coutinho

Juiz de Direito


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