domingo, 27 de outubro de 2019

Médicos e enfermeira da Guarda acusados de negligência


Grávida de 37 semanas perdeu a bebé depois de uma hora e vinte minutos à espera de assistência.

O Ministério Público (MP) acusou de ofensas à integridade física por negligência os dois médicos e a enfermeira que estavam de serviço em 16 de fevereiro de 2017, quando uma grávida esperou quase hora e meia para ser observada e perdeu a bebé.
A obstetra bem como a enfermeira pertencem ao quadro da Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda e o outro clínico tem domicílio profissional em Santarém sendo que, à data dos factos, era médico tarefeiro na instituição a que nunca mais voltou.
Segundo a acusação, datada do dia 14 de outubro, Cláudia Costa, grávida de 37 semanas, deu entrada na urgência obstétrica às 9.30 horas da manhã, assustada com uma pequena perda de sangue. De imediato, a enfermeira, agora arguida, efetuou o registo tocográfico e percebeu que os batimentos cardíacos do feto eram fracos. Porém, na ausência dos médicos que entraram e saíram várias vezes do serviço, só transmitiu a informação às 10.23 horas, quando a obstetra acusada regressou. Nessa hora, a arguida telefonou ao colega, que tinha voltado a ausentar-se para tomar o pequeno-almoço, para voltar ao posto, pedindo-lhe depois que avaliasse outra grávida que chegou depois de Cláudia Costa e aguardava na sala de espera.
Minutos mais tarde, a mulher que acabaria por perder o bebé, sentiu uma dor aguda seguida de hemorragia, episódio depois do qual, os dois obstetras observam a grávida e confirmam a morte do feto.
Urgência ignorada
Retirado do ventre da mãe ainda nesse dia, mas à tarde, o feto foi autopsiado já na presença dos inspetores da Polícia Judiciária da Guarda e o relatório preliminar indicou logo que a mulher, então com 39 anos, sofreu um descolamento da placenta.
Documento em que também pode ler-se que "o feto estava vivo pelas 9.50 horas do dia 16 de fevereiro de 2017, tal como é objetivado no registo tocográfico realizado naquele momento com batimentos cardíacos entre os 120 e o 100 por minuto. No âmbito do inquérito que tinha sido aberto, foi pedido um parecer adicional ao Instituto de Medicina Legal, a partir do qual o MP concluiu que a vítima, "sofreu um tempo de espera excessivo (...) sem que fosse sujeita a uma adequada monitorização e vigilância durante o tempo de espera, o que inviabilizou a realização de uma cesariana de urgência que teria salvo a vida do feto e, por essa via, a integridade física e a saúde da assistente".
Por ora, nem Cláudia Costa ou Álvaro Guerreiro, o advogado que a representa quiseram reagir à decisão do Ministério Público. Os arguidos também não quiseram prestar declarações sobre o processo.
Primeira Gravidez
Cláudia Costa fez tratamentos de fertilidade na Covilhã e sempre foi acompanhada no Centro Hospitalar da Cova da Beira, mas quis fazer o parto na Guarda de onde é natural e, na maternidade da instituição onde trabalhavam e ainda trabalham o marido e a mãe.
Gestação sem complicações
Apesar dos seus 39 anos, a mulher que queria muito ser mãe viveu uma gravidez de alto risco sem complicações. No dia 9 de novembro de 2016 passou a ser seguida na Guarda e na véspera do incidente fatal foi consultada e submetida a registo tocográfico (RTC) que não detetou anomalias. Registo esse que acabaria por desaparecer depois.
Crimes em discussão
À luz da lei, como o feto morreu dentro do ventre da mãe, não havia pessoa e como tal não foi possível acusar os arguidos de homicídio negligente. Nem mesmo de aborto porque se exige uma ação dolosa e no caso houve omissão e negligência. O procurador decidiu invocar o crime de ofensas à grávida com o argumento que "o feto no útero materno faz parte do corpo da mãe".
Futuros pais assistiram a tragédia
Nikky Santos e Sérgio Ferreira foram pais no dia 18 de fevereiro de 2017. Estavam ambos na sala de espera do serviço de obstetrícia do hospital da Guarda quando Cláudia Costa perdeu a bebé e foram por isso arrolados pelo Ministério Público como testemunhas. Na altura, os dois contaram ao JN o que viram e ouviram. "Por incrível que pareça, eu fui atendida primeiro quando a Cláudia tinha entrado de urgência e eu tinha consulta pré-internamento", recordou Nikky Santos. O pai do menino que nasceu dois dias depois da tragédia que se abateu sobre Cláudia Costa, também manifestou consternação. "De repente, a Cláudia chegou à sala de espera e saiu de rompante com a mãe. Ouvem-se gritos e as palavras não, não", recordou também. Era o sinal de que alguma coisa tinha corrido muito mal.

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