Filme mostra histórias de mulheres vítimas de violência obstétrica e aponta caminhos para mudar esse cenário. No Brasil, pesquisa mostra que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência no atendimento ao parto
Uma em cada quatro mulheres brasileiras sofre algum tipo de violência no atendimento ao parto. Acontece todos os dias, em todos os lugares e a maioria dessas histórias não são contadas. “A obstetrícia é mundialmente a especialidade médica com maior número de ocorrências, de infrações, quer na lesão corporal, quer nas mortes. Setenta por cento de tudo que o Ministério Público realiza em matéria de processos dos chamados erros médicos estão nesta especialidade”. A afirmação é do promotor de justiça do Distrito Federal, Diaulas Ribeiro. O depoimento está nos primeiros minutos do documentário “A dor além do parto”, lançado no Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.
São vinte minutos, assista:
De autoria de Amanda Rizério, Letícia Campos, Nathália Machado e Raísa Cruz, o filme levanta a discussão sobre violência obstétrica. O termo é, inclusive, desconhecido da maioria dos brasileiros e abrange não só os direitos das mulher, mas também os do bebê. O Saúde Plena já abordou o tema em matérias anteriores, mas reforça que violência obstétrica é qualquer ato ou intervenção praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher grávida, parturiente ou que deu a luz recentemente que desrespeita sua integridade física, mental, seus sentimentos, opções e preferências.
“Violência é violência, seja obstétrica ou de outra ordem, violência é violência. Há crimes para outras formas de violência, o problema é saber se a violência aplicada no trabalho de parto se enquadra em uma das outras condutas já especificadas pela legislação: lesão corporal, maus tratos, homicídio, etc”, reforça o promotor em outro momento do média-metragem.
O documentário é resultado do trabalho de conclusão do curso de direito da Universidade Católica de Brasília. “A abordagem do tema violência obstétrica deu-se por ser de alta relevância social, pois sua ocorrência perdura no tempo, sendo recorrente tanto na rede pública quanto na rede privada de saúde, sem que a população sequer saiba que os maus tratos sofridos implicam uma violação de direitos e que não deve ser aceita como algo pertinente ao procedimento médico”, afirma Letícia Campos, uma das autoras do filme.
Letícia afirma ainda que a escolha do tema é justamente pelo fato de a violência obstétrica ser negligenciada do ponto de vista jurídico e social. “Além disso, entende-se que a omissão do Estado brasileiro, no que se refere à proteção jurídica efetiva da mulher parturiente, é um flagrante retrocesso. A tutela é necessária, pois, o poder de escolha da mulher é cerceado e o abuso à sua integridade física e moral ocorre de forma ampla, independentemente de idade ou classe social. Alertar a sociedade sobre os abusos cometidos é determinante para garantir o respeito aos direitos das mulheres”, argumenta.
“Violência é violência, seja obstétrica ou de outra ordem, violência é violência. Há crimes para outras formas de violência, o problema é saber se a violência aplicada no trabalho de parto se enquadra em uma das outras condutas já especificadas pela legislação: lesão corporal, maus tratos, homicídio, etc”, reforça o promotor em outro momento do média-metragem.
O documentário é resultado do trabalho de conclusão do curso de direito da Universidade Católica de Brasília. “A abordagem do tema violência obstétrica deu-se por ser de alta relevância social, pois sua ocorrência perdura no tempo, sendo recorrente tanto na rede pública quanto na rede privada de saúde, sem que a população sequer saiba que os maus tratos sofridos implicam uma violação de direitos e que não deve ser aceita como algo pertinente ao procedimento médico”, afirma Letícia Campos, uma das autoras do filme.
Letícia afirma ainda que a escolha do tema é justamente pelo fato de a violência obstétrica ser negligenciada do ponto de vista jurídico e social. “Além disso, entende-se que a omissão do Estado brasileiro, no que se refere à proteção jurídica efetiva da mulher parturiente, é um flagrante retrocesso. A tutela é necessária, pois, o poder de escolha da mulher é cerceado e o abuso à sua integridade física e moral ocorre de forma ampla, independentemente de idade ou classe social. Alertar a sociedade sobre os abusos cometidos é determinante para garantir o respeito aos direitos das mulheres”, argumenta.
Exemplos de violência obstétricaHistórias narradas pelas vítimas de violência obstétrica durante o documentário faz soar o alerta de que a forma como se nasce no Brasil está muito distante do conceito de parto humanizado, mesmo com os avanços que vêm acontecendo. O Sistema Único de Saúde, por exemplo, autorizou recentemente as salas de PPP (pré-parto, parto e pós-parto) para o sistema público.
A dor do parto é um dos grandes tabus que permeia essa discussão e que, em alguma medida, contribuem para os altos índices de cesarianas praticadas no país, já que o procedimento cirúrgico implica em anestesia. Nessa perspectiva, o filme traz relatos assustadores como os casos de episiotomia sem anestesia (corte cirúrgico feito no períneo, a região muscular que fica entre a vagina e o ânus, durante o parto de via vaginal). Letícia Campos alerta que a episiotomia é realizada em quase 90% dos partos via vaginal no Brasil. “Pesquisas recentes apontam que só seria necessária em torno de 15% dos casos. Na maioria das vezes, a episiotomia é realizada sem anestesia, que só é aplicada posteriormente para sutura. O argumento utilizado é que o períneo da mulher está naturalmente anestesiado pelas contrações e dores do parto, ou que não dá tempo para aplicar”, explica.
A médica e coordenadora de saúde da mulher do Ministério da Saúde, Esther Vilela aponta o procedimento como tortura e desmente o argumento do “períneo anestesiado”. “Isso não é verdade, isso é um caso de denúncia”, declara no documentário.
Outra história chocante que está retratada no vídeo é de Viviane Araújo. Ela conta que escolheu a cesariana para não sentir nenhuma dor. “O médico tentou me dar anestesia três vezes e quando ele fez o primeiro corte eu realmente não senti nada, mas quando ele foi fazendo cortes mais profundos eu comecei a gritar e falar que estava sentindo muita dor, que eu estava sentindo tudo. Aí ele falou assim: ‘mas agora eu não posso mais parar de fazer o parto para poder te anestesiar de novo senão o bebê pode morrer’. Aí ele fez o meu parto em cinco minutos, eu gritando desesperada e quando ele tirou a Laura ele me deu uma anestesia para fazer a sutura. Quando eu acordei já estava no quarto. Então, eu nem cheguei a ver a milha filha”.
Inúmeros procedimentos adotados com frequência no Brasil são questionados no documentário: romper a bolsa e o uso de medicamento para acelerar o parto também são contraindicados, segundo Esther Vilela. Além desses, o uso de fórceps sem anestesia – prática que pode gerar lesões graves na mãe, no bebê e até a morte da criança - e a manobra de Kristeller que implica em colocar força no fundo do útero para expelir o bebê. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) é um procedimento prejudicial, ineficaz e que deve ser eliminado.
Outro dado assustador é de uma pesquisa realizada em todo país que revela que nem a lei do acompanhante – obrigatória para hospitais públicos e privados - é respeitada, além de muitas mulheres sequer a conhecerem. E uma das principais razões disso é não existir punição para médicos e hospitais que descumprem a medida. O estudo mostra que 64% das mulheres entrevistadas não tiveram acompanhante e 15.4% sequer sabiam do direito. A separação da mãe e do bebê após o nascimento é outra prática que deveria ser evitada.
Outra informação importante é dada pela psicóloga especialista em obstetrícia Alessandra Arais. “Se a mulher nunca teve um problema mental, tem 25% de chance a mais de ter nessa fase da vida. Então, a mulher está extremamente sensível e ela deveria receber uma atenção especial”.
Segundo Esther Vilela as más práticas são responsáveis pela morte de mulheres e bebês. “A asfixia neonatal é a principal causa de morte neonatal e está diretamente relacionada à qualidade de assistência ao parto”.
Denuncie
Segundo Letícia Campos, uma das autoras do filme, o número de denúncias no Brasil ainda é pequeno. “Primeiro porque falta informação de como proceder e também porque muitas mães ao saírem saudáveis e com o bebê bem só querem esquecer o que passaram”, diz. Para se ter uma ideia dessa realidade, de todas as mulheres entrevistas para o ‘A dor além do parto’, apenas Sheila Britto, que perdeu seu bebê, denunciou.
O promotor Diaulas Ribeiro reforça que alguns crimes não deixam vestígios. “É difícil provar erros e condutas médicas? É. Por que razão? O sistema de justiça, incluindo os promotores e juízes, conhece muito pouco de medicina. E como conhecem muito pouco acabam tendo uma leitura muito elementar do que acontece na relação médico-paciente, apelam para a figura genérica da absolvição por falta de provas”, diz. Para ele, lei sem consequência jurídica no Ministério Público tem pouca finalidade.
Para Letícia Campos a punição não é a solução. “A solução ideal é a educação, mas até chegarmos nesse nível, onde a ética é princípio inabalável, leva um tempo. Por isso é indispensável impedir que a impunidade se estenda de forma a resultar na produção de danos físicos e psicológicos em massa sobre as parturientes, sob pena de grave violação aos direitos humanos e desrespeito à dignidade da mulher. Dessa forma, a punição se torna medida protetiva, seja ela de cunho pecuniário, administrativo ou restritiva de direitos”, conclui.
A dor do parto é um dos grandes tabus que permeia essa discussão e que, em alguma medida, contribuem para os altos índices de cesarianas praticadas no país, já que o procedimento cirúrgico implica em anestesia. Nessa perspectiva, o filme traz relatos assustadores como os casos de episiotomia sem anestesia (corte cirúrgico feito no períneo, a região muscular que fica entre a vagina e o ânus, durante o parto de via vaginal). Letícia Campos alerta que a episiotomia é realizada em quase 90% dos partos via vaginal no Brasil. “Pesquisas recentes apontam que só seria necessária em torno de 15% dos casos. Na maioria das vezes, a episiotomia é realizada sem anestesia, que só é aplicada posteriormente para sutura. O argumento utilizado é que o períneo da mulher está naturalmente anestesiado pelas contrações e dores do parto, ou que não dá tempo para aplicar”, explica.
A médica e coordenadora de saúde da mulher do Ministério da Saúde, Esther Vilela aponta o procedimento como tortura e desmente o argumento do “períneo anestesiado”. “Isso não é verdade, isso é um caso de denúncia”, declara no documentário.
Outra história chocante que está retratada no vídeo é de Viviane Araújo. Ela conta que escolheu a cesariana para não sentir nenhuma dor. “O médico tentou me dar anestesia três vezes e quando ele fez o primeiro corte eu realmente não senti nada, mas quando ele foi fazendo cortes mais profundos eu comecei a gritar e falar que estava sentindo muita dor, que eu estava sentindo tudo. Aí ele falou assim: ‘mas agora eu não posso mais parar de fazer o parto para poder te anestesiar de novo senão o bebê pode morrer’. Aí ele fez o meu parto em cinco minutos, eu gritando desesperada e quando ele tirou a Laura ele me deu uma anestesia para fazer a sutura. Quando eu acordei já estava no quarto. Então, eu nem cheguei a ver a milha filha”.
Inúmeros procedimentos adotados com frequência no Brasil são questionados no documentário: romper a bolsa e o uso de medicamento para acelerar o parto também são contraindicados, segundo Esther Vilela. Além desses, o uso de fórceps sem anestesia – prática que pode gerar lesões graves na mãe, no bebê e até a morte da criança - e a manobra de Kristeller que implica em colocar força no fundo do útero para expelir o bebê. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) é um procedimento prejudicial, ineficaz e que deve ser eliminado.
Outro dado assustador é de uma pesquisa realizada em todo país que revela que nem a lei do acompanhante – obrigatória para hospitais públicos e privados - é respeitada, além de muitas mulheres sequer a conhecerem. E uma das principais razões disso é não existir punição para médicos e hospitais que descumprem a medida. O estudo mostra que 64% das mulheres entrevistadas não tiveram acompanhante e 15.4% sequer sabiam do direito. A separação da mãe e do bebê após o nascimento é outra prática que deveria ser evitada.
Outra informação importante é dada pela psicóloga especialista em obstetrícia Alessandra Arais. “Se a mulher nunca teve um problema mental, tem 25% de chance a mais de ter nessa fase da vida. Então, a mulher está extremamente sensível e ela deveria receber uma atenção especial”.
Segundo Esther Vilela as más práticas são responsáveis pela morte de mulheres e bebês. “A asfixia neonatal é a principal causa de morte neonatal e está diretamente relacionada à qualidade de assistência ao parto”.
Denuncie
Segundo Letícia Campos, uma das autoras do filme, o número de denúncias no Brasil ainda é pequeno. “Primeiro porque falta informação de como proceder e também porque muitas mães ao saírem saudáveis e com o bebê bem só querem esquecer o que passaram”, diz. Para se ter uma ideia dessa realidade, de todas as mulheres entrevistas para o ‘A dor além do parto’, apenas Sheila Britto, que perdeu seu bebê, denunciou.
O promotor Diaulas Ribeiro reforça que alguns crimes não deixam vestígios. “É difícil provar erros e condutas médicas? É. Por que razão? O sistema de justiça, incluindo os promotores e juízes, conhece muito pouco de medicina. E como conhecem muito pouco acabam tendo uma leitura muito elementar do que acontece na relação médico-paciente, apelam para a figura genérica da absolvição por falta de provas”, diz. Para ele, lei sem consequência jurídica no Ministério Público tem pouca finalidade.
Para Letícia Campos a punição não é a solução. “A solução ideal é a educação, mas até chegarmos nesse nível, onde a ética é princípio inabalável, leva um tempo. Por isso é indispensável impedir que a impunidade se estenda de forma a resultar na produção de danos físicos e psicológicos em massa sobre as parturientes, sob pena de grave violação aos direitos humanos e desrespeito à dignidade da mulher. Dessa forma, a punição se torna medida protetiva, seja ela de cunho pecuniário, administrativo ou restritiva de direitos”, conclui.
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