Com até uma hora e meia de duração, médicos dizem que é possível entender contexto de vida do paciente, criar empatia com o atendido e, daí, indicar os hábitos a serem mudados
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Medicina humanizada: profissionais defendem que sem empatia e confiança a consulta com o paciente não flui
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Marília Pereira, hoje com 59 anos, sofria todos os dias com fortes dores de cabeça desde os 13 anos de idade. As crises de enxaqueca foram se intensificando até que ela passou a frequentar diariamente pronto-socorro de hospitais. A cada dia fazia mais exames, corria atrás dos mais diversos meios de alívio, desde excelentes neurologistas até medicinas alternativas. Chegou a ficar internada, quase sedada e com doses de morfina para que a dor cedesse.
O martírio só teve fim quando Marília conheceu um clínico geral que não receitou remédio e nem pediu para visualizar a pilha de exames que ela carregou para a consulta (nenhum deles acusava qualquer alteração). Após uma hora e meia de conversa sobre todos os seus hábitos de vida - da alimentação à prática de exercícios físicos e a qualidade do sono - Marília saiu do consultório com uma dieta restrita a seguir: três meses sem ingerir açúcar ou qualquer produto que se transformasse facilmente em açúcar.
Para ajudar nessa adaptação, o médico organizava em sua própria casa aulas de alimentação saudável – e dos pratos que os pacientes deveriam comer para melhorar a dor. Ali, com outros pacientes, Marília aprendeu a fazer seu mingau sem leite. A dor, aquela que a atormentava diariamente, sumiu de vez após seis meses. Nunca mais voltou.
A postura do médico de Marília é conhecida como Medicina Humanizada e vai na contramão do que mais se vê nos consultórios, tanto públicos como particulares: consultas com duração de dois minutos, muitas vezes sem que o médico sequer toque no paciente. A conversa se restringe em o profissional perguntar quais são os sintomas do doente, pedir exames e receitar medicamentos. Em pouco tempo, quando a situação não é grave e o paciente segue as recomendações, ele para de se queixar e retorna às suas atividades normais – e ao estilo de vida antigo. O problema, porém, pode voltar - ou novos surgirem - e ele vai se consultar com um médico novamente - que muito provavelmente será um desconhecido. Seguido de uma receita com um tanto de remédios a serem comprados.
Olhos para o paciente, não para a indústria farmacêutica
Na Medicina Humanizada, a proposta é entender o paciente como um todo. A coordenadora médica do Centro de Medicina Preventiva do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), Viviane Tabone, explica que a tecnologia não deve vir em primeiro lugar no cuidado com o paciente, mas o médico deve ouvir as preferências e necessidades do doente, tratando-o como... humano.
Ela explica que a empatia e a confiança são chaves para uma consulta bem sucedida. E isso não depende apenas de competência. Depende da disposição em ouvir, se interessar pela história de vida da pessoa e investir em um tratamento que implica em mudança de hábitos e que pode ser mais demorado, porém mais eficaz e definitivo do que aquele proporcionado pelos remédios.
Para o clínico geral Alexandre Feldman, que pratica a Medicina Humanizada, é preciso se livrar das influências simplistas da indústria farmacêutica e alimentícia e voltar os olhos ao paciente, “a nossa verdadeira razão de ser”.
Feldman levanta a bandeira do termo que criou: a medicina do estilo de vida. Procurado normalmente por pessoas em dor, Feldman lança mão do tratamento convencional, mas não antes de bater uma papo descontraído com o paciente, para entender como é que ele vive e aconselhá-lo sobre as mudanças necessárias. “Começamos a conversar, pergunto como está a vida dele, o que é que o motiva, o que está difícil ou fácil para ele enfrentar, aí consigo entender como é o sono dessa pessoa, o tipo de alimentação e outras coisas”, explica.
Munido dessas informações, por meio das consultas que muitas vezes duram até uma hora e meia, Feldman recomenda um estilo de vida mais saudável. “O objetivo é livrar essa pessoa de mim e de tratamentos médicos. Quanto menos intervenções agressivas ela tiver, melhor. Mudando o estilo de vida, a pessoa começa a melhorar de dentro para fora, sendo menos dependente de intervenções médicas”, explica.
Praticar exercícios físicos, dormir bem em um ambiente escuro e ter uma alimentação saudável é uma mudança grande, segundo Feldman. Para ele, um estilo de vida saudável maximiza a capacidade do próprio organismo em se recuperar e prevenir doenças.
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