quarta-feira, 22 de julho de 2015

Entidades médicas: o corporativismo acima de tudo

As entidades médicas entraram em guerra com o governo federal, por este ter proposto a importação de profissionais da área para cidades e regiões que não conseguem contratar brasileiros e prever que os recém-formados fossem obrigados a prestar dois anos de serviço nessas regiões. Em resumo, o objetivo do governo, evidente, é que a população dessas regiões tenham acesso aos profissionais e a tratamento. Por sua vez as lideranças médicas dizem que isso é inviável por falta de condições (laboratórios, hospitais, acesso a remédios etc) e que obrigar recém-formados a prestar serviço compulsório violenta seus direitos.
 
A posição defendida pelas entidades médicas laboram em equívocos grosseiros e desvios corporativistas, além de abusar de princípios neo-liberais. Elas tem razão quando falam que as regiões sem médicos têm precárias as condições de vida. O governo não tem condições de por um hospital e um laboratório avançado em cada cidadezinha ou comunidade rural, mas nada impede que tente por um médico. Dizer que este nada pode sem equipamentos modernos é uma estupidez, pois a medicina não é apenas curativa, como prevalece nos grandes centros urbanos, com exames em laboratórios sofisticados, internação em hospitais bem equipados e etc.
 
A medicina pode ser também preventiva, educativa. Um médico, tal como um padre, tem uma mística de homem sábio, é liderança natural em locais de precárias condições de vida, exercerá sem dúvida uma influência positiva na prevenção de doenças individuais e epidemias, pode orientar sobre riscos do esgoto a céu aberto, sobre contaminação de águas e suas consequências, sobre um pneu velho ou vaso onde ficam águas estagnadas, sobre os benefícios desta ou daquela fruta, os riscos de se comer isto ou aquilo. Afinal, médicos de 50 anos atrás não tinham laboratórios e poucos podiam por seus clientes em um hospital cem anos atrás. No entanto, são procurados e úteis há milhares de anos. O fato da comunidade não possuir laboratórios e hospitais não impede que certas doenças sejam detectadas e curadas, que nos casos mais grave, o paciente seja enviado a capital do estado. Cabe ao governo providenciar então para que ele seja recebido nas grandes cidades e tratado e,  também, que os doentes das comunidades precárias tenham acesso a remédios e tratamentos básicos.
 
Importar médicos,  já que constatada a deficiência de profissionais, é questão  de sensibilidade, de atender um dos mais elementares direitos do ser humano. Aproveitar-se de ideologia política, visível quando se pensou em trazer profissionais cubanos, é uma lamentável demonstração de insensibilidade. Também  é medida inteligente no presente momento, pois equivale a trazer divisas gratuitamente. A formação de um profissional custa pelo menos US 100 mil dólares. Quando isso acontecia no sentido contrário, com profissionais formados no Brasil procurando oportunidades e indo para o exterior, havia protestos, isso era chamado pela mídia de exportação de cérebros, perda terrível para o país. No sentido contrário, passa a ser um ganho. No mínimo 20% dos médicos da Inglaterra, EUA, Suécia são estrangeiros. Por que isso não pode acontecer no Brasil? Se tem uma profissão que não pode ser submetida a todas as regras de mercado é a de médico. Em vez do tem acesso quem pode pagar, deve também ter acesso quem dele precisa e não pode pagar, ainda que tenhamos que importar médicos, no momento.
 
Por sua vez, pelo menos os médicos formados em faculdades públicas podem ser obrigados a estágios em comunidades carentes. Lembremos que é a sociedade quem paga os cursos e que devido ao prestígio destes, os médicos neles formados conseguem razoáveis remunerações desde o início da carreira. Por que todos devemos pagar pelo curso e depois admitir que o profissional formado trabalha apenas para si mesmo? Claro, a conclusão serve para todas as profissões. Importante dizer que mesmo os formados em faculdades particulares tem forte colaboração da sociedade brasileira, pois estas recebem uma porção de incentivos fiscais, inclusive isenção de impostos. Muitos estudantes recebem bolsas parciais ou integrais, para nela estudarem. Os estágios propostos pelo governo, seriam curtos, razoavelmente remunerados e certamente úteis tanto na formação profissional como pessoal dos recém-formados. Infelizmente o governo recuou, tanta foi a pressão das entidades.
 
Há que se mudar a cultura individualista dominante no país, para termos uma sociedade mais solidária.
 
 Percival Maricato  Advogado - Formação Faculdade de Direito - Universidade de São Paulo /USP      

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