Após seis meses, os pais ainda não sabem a causa da morte de Samuel Jefferson Rodrigues, que tinha um ano e oito meses quando foi hospitalizado em Olinda
Imagem mostra a mãe, Paula Laís, segurando o menino Samuel no braço. Ambos estão com os rostos embaçados
O último domingo (22) marcou os seis meses do falecimento de Samuel Jefferson Rodrigues, de um ano e oito meses, vítima de negligência médica em um hospital da rede privada de Olinda, em Pernambuco. Mesmo com o apoio da Articulação Negra de Pernambuco (ANEPE), que chegou a realizar um ato em frente à unidade pedindo por justiça, os pais denunciam a falta de respostas concretas. Como forma de pressionar os órgãos responsáveis, uma petição on-line foi lançada nesta quarta-feira (25).
"É um sentimento de dor, injustiça e impunidade", afirma a professora Paula Laís, de 29 anos, mãe de Samuel. Ela conta que mesmo diante de relatos consistentes de negligência, a médica responsável pelo atendimento da criança segue atuando normalmente na unidade. Até o momento, segundo ela, o processo contra a profissional segue junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (CREMEPE), mas ainda em sua fase inicial sem que nenhuma medida tenha sido tomada.
"É difícil ver que a mesma unidade continua em pleno funcionamento, ou seja, lotada de bebês e crianças, que estão nas mãos de profissionais que não tiveram a atenção adequada e não atentaram às necessidades do meu filho. Nesse tempo, da angústia sem ele, consegui entender que, quando se trata de pessoas negras e pobres, quando culpadas, a justiça rapidamente recai sobre. Do contrário, não", denuncia a mãe.
Já para o pai da criança, o segurança patrimonial Jefferson Rodrigues, de 39 anos, a morte do filho tem ligação direta com a reprodução do racismo estrutural, que, em sua opinião, atinge diversos setores, inclusive o da saúde.
"Nós, como pais de Samuel, negros, sabemos que o nosso fruto também é um fruto negro e que há um precoceito ainda estrutural. Sabemos que as pessoas vão olhar diferente e tudo isso influenciou no acompanhamento com atenção devida, ágil e de qualidade. Algo evidente nesse caso foi que, por diversas vezes, a voz de Paula, uma mulher negra, que relatava o que Samuel estava sentindo e não foi ouvida. Uma negligência atrelada à uma realidade: na nossa sociedade, a voz negra não é, em sua maioria, ouvida", dispara.
No último dia 21 de março, os pais contam que protocolaram, na Delegacia de Polícia Civil de Rio Doce, também em Olinda, um documento de denúncia contendo todos os fatos da esfera criminal. No entanto, após dois meses, a delegada responsável, identificada por eles como Renata Araújo Pinheiro Gomes, ainda não iniciou os procedimentos de investigação ou intimação para a elucidação do caso.
Entenda o caso
O episódio descrito pelos pais da criança aconteceu no dia 22 de novembro de 2021, quando Samuel, segundo os responsáveis, apresentava quadro de febre, palidez, extremidades frias e vômito, quando a família se encaminhou à unidade de emergência. Mesmo pedindo por uma atendimento de socorro imediato, eles contam que não receberam a assistência médica devida, com intervalos de espera longos e falta de atenção com o quadro da criança.
Segundo o relato, no atendimento inicial, o pai da criança, por iniciativa própria, teve que ir em busca de um termômetro para aferir a temperatura de Samuel, frente à falta de atendimento dos profissionais presentes.
De acordo com a mãe, a pediatra ignorou a descrição dos sintomas da criança que, no momento, já apresentava sinais mais graves, como a boca pálida e as extremidades frias. Mesmo com o quadro de urgência perceptível, os pais contam que a criança não foi examinada de maneira completa.
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A única profissional de enfermagem disponível no momento teria informado que a medicação requisitada para a criança não havia chegado na farmácia; Samuel receberia a primeira medicação após 50 minutos da chegada ao hospital.
Uma lavagem nasal prescrita pela médica foi realizada e, logo após esse momento, a profissional de saúde pediu para a mãe deitar a criança na maca para iniciar a medicação, o que ocasionou um quadro de convulsão. Em resposta à angústia dos pais sobre a reação do filho, a técnica informou que era normal e que a criança poderia apresentar outros sintomas, como sonolência. Em seguida, Samuel foi levado para outra ala do hospital em que os familiares não poderiam estar presentes. Após horas, chegou a notícia de que o filho não tinha resistido.
Para a surpresa dos pais, o atestado de óbito do menino Samuel apresentou causa indeterminada, mesmo o corpo sendo enviado ao Serviço de Verificação de Óbito. O Instituto de Medicina Legal também realizou averiguação, mas não apresentou o laudo oficial; fato que deixa a família sem uma resposta concreta sobre o que aconteceu com a criança desde a apresentação dos sintomas até o falecimento.
O que pede a família
Na petição pública aberta nesta quarta-feira (25), alguns pedidos foram feitos pelos pais, entre eles: a responsabilização da unidade de atendimento e da médica responsável; agilidade na investigação sobre os procedimentos adotados pela médica no Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE) e o seu afastamento imediato até o encerramento das investigações; e que os procedimentos de investigação para a elucidação do caso sejam iniciados pela delegada responsável. No mais, eles pedem por informações concretas sobre a causa da morte do filho.
"Nós sabemos que a justiça do Brasil é tardia, falha e muito burocrática. Acredito que esse caso de Samuel caiu nisso, na burocracia, na morosidade e nós queremos essa agilidade, por acreditarmos que esse caso não pode ficar impune. Temos que lutar para celeridade desse processo para que a gente veja pessoas, que foram negligentes, serem ouvidas e responsabilizadas. Estamos lutando não só pelo nosso filho, mas pela segurança de outras crianças negras", finaliza o pai, Jefferson Rodrigues.
A petição, intitulada #JustiçaPorSamuelzinho, com o mesmo nome usado em campanha nas redes sociais, ainda recebe assinaturas. Até o fechamento deste texto, das 1.000 necessárias para atingir a meta, 560 já foram realizadas.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com o CREMEPE para saber mais detalhes sobre o andamento do processo, mas, até o momento, ainda não obteve retorno. Já a Secretaria de Defesa Social, órgão que representa a Delegacia de Polícia de Rio Doce, informou, apenas, que o processo segue em investigação.
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