Obstetra afastado após denúncia de violência durante parto em Niquelândia (GO) já foi denunciado por outras pacientes na mesma cidade
Goiânia – O médico obstetra de Niquelândia, no norte de Goiás, afastado das atividades do hospital municipal da cidade essa semana após ser denunciado por violência obstétrica contra uma enfermeira grávida, de 31 anos, que perdeu o bebê, já foi alvo de outras denúncias.
Américo Lúcio Neto foi denunciado por ter chamado uma mulher de “obesa” e de ter xingado o marido dela, durante o trabalho de parto, no último dia 12 de agosto. A vítima registrou boletim de ocorrência e a prefeitura da cidade afastou o profissional. O caso vem sendo investigado pela polícia.
Só que não é a primeira vez que Américo é denunciado por situações semelhantes. O obstetra responde a pelo menos três processos por erro médico e três por danos morais. O caso mais antigo é de 2013. Todos foram em Niquelândia.
Mulher denunciou violência obstétrica em hospital de Niquelândia
“Mulher velha”
Em um dos processos por erro médico, uma pescadora de 37 anos relatou que foi chamada de “mulher velha” enquanto realizava o parto no Hospital e Maternidade Santa Efigênia, mesma unidade municipal em que houve denúncia em agosto. Esse caso foi em abril de 2021.
Segundo depoimento na polícia, o obstetra teria várias vezes chamado a paciente de velha, inclusive durante o parto natural, além de a discriminar por já ter três filhos.
“Mulher velha de 36 anos não dá conta de fazer força para ter filho?”, teria falado o médico enquanto a mulher tinha dificuldade no momento do parto.
“Não sei por que uma mulher com 36 anos quer ter mais filhos, sendo que você já tinha três filhos. Só para dar trabalho para o médico e, se acontecer alguma coisa, a culpa é do médico”, teria dito o médico, segundo a vítima, que mora na zona rural.
Grosseria
Durante o parto da pescadora, conforme seu relato, uma enfermeira teria forçado a barriga com cotovelos e teria sido feito o ‘pique’, um corte entre o ânus e a vagina para facilitar a passagem do bebê.
Além disso, o médico teria falado que só não iria operar (fazer cesárea) porque a vítima não teria feito a “papelada”. O bebê acabou morrendo durante o parto natural. A mãe tinha pressão alta. Logo após o parto, o obstetra teria falado para a mulher que ela não poderia mais ter filhos e ofereceu cirurgia para laqueadura.
Em depoimento, a vítima relatou que já tinha ouvido falar da grosseria do obstetra. “Sabe, por ouvir dizer, que as gestantes mais velhas, gordas e negras, que são atendidas pelo Dr. Américo, sofrem na forma de tratamento, de maneira preconceituosa”, diz trecho do documento.
Mais xingamentos
Uma outra mulher relatou que sofreu violência obstétrica durante parto em janeiro de 2017, também no hospital municipal. Ela disse que quando chegou passando mal no hospital, o médico teria falado: “Não tinha outra hora para você vir não?”.
Além disso, a mulher teria sido xingada pelo obstetra na sala de pré-parto. A vítima relatou que foi chamada de vaca e de porca. “Mulher quando engravida acha que deve engordar muito”, teria declarado o obstetra.
Para piorar a situação, essa mulher ainda pegou uma infecção hospitalar durante o parto e ficou vários dias internada. Ela chegou a ser transferida para Goiânia e precisou de doação de sangue. O caso tramita no Judiciário de Goiás como danos morais.
Demora para nascer
O médico também foi processado por um suposto erro médico que aconteceu entre outubro e novembro de 2020 no mesmo hospital municipal. A vítima tinha uma gravidez considerada de alto risco. No entanto, segundo ela, o médico marcou o parto para uma data que seria após mais de 42 semanas de gestação, sendo que normalmente a gravidez dura 40 semanas.
Uma enfermeira chegou a questionar a decisão do médico e a família resolveu reclamar, mas mesmo assim ele teria mantido a mesma data. “Ele disse em tom irônico que enfermeiras não fazem parto e que era ele quem sabia a hora certa para realizar a cesariana”, descreveu o advogado na ação.
Enquanto esperava a data estipulada pelo médico, a vítima chegou a sentir dores e um médico de plantão pediu um ultrassom. No entanto, Américo não teria aceitado analisar o exame, alegando que não foi pedido por ele.
Só que chegou uma hora que a paciente grávida não aguentou e dois dias antes da data marcada pelo médico, com praticamente 42 semanas de gravidez, a mulher chegou no hospital sentindo muita dor. Ela relatou que esperou mais de duas horas por atendimento, enquanto o batimento do bebê diminuía.
O médico então fez o parto e o bebê morreu. O laudo do IML indica que houve aspiração de fezes presentes no líquido amniótico, provocando pneumonia química, com provável causa por “pós-datismo”, que é a gestação que se prolonga acima do necessário.
Infecção pós parto
Américo ainda responde por um caso mais antigo, que teria acontecido em abril de 2013, segundo processo de suspeita de erro médico que tramita no Tribunal de Justiça de Goiás.
Esse caso foi em Niquelândia, mas no hospital privado Santa Marta. Nesse caso, a vítima disse que fez todo o acompanhamento da gravidez com outro médico, mas começou a perder líquido amniótico de forma repentina e precisou ser atendida por Américo, único obstetra presente no momento.
Ela então voltou ao obstetra Américo, que teria deixado ela dois dias sendo tratada com soro fisiológico, açúcar esterilizado e retirada de pus da barriga. Os parentes da vítima tiveram que insistir muito para levá-la para Goiânia, pois inicialmente, o obstetra não teria concordado.
A mulher então foi para um hospital de Goiânia e depois transferida com urgência para Anápolis. Ela foi diagnosticada com infecção puerperal, precisou tomar antibióticos e fazer uma cirurgia para aspirar a secreção e retirar o útero. Após mais de uma semana internada, ela se recuperou, mas ficou com uma grande cicatriz.
Profissionais dos hospitais de Goiânia e Anápolis teriam falado para a vítima que o açúcar esterilizado estava piorando a ferida da cicatriz e teriam perguntado: “Em qual açougue você estava?”.
Mais duas ações
Além desses quatro casos detalhados na reportagem, Américo ainda foi processado por danos morais por uma mulher que alegou ter perdido o bebê em 2016, dois dias após o parto, por falta de transporte, equipamentos e pediatra.
Ele também foi processado por danos morais pela família de um paciente que sofreu um acidente de ônibus e morreu por um suposto erro na forma de colocar a sonda para alimentação.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o advogado do obstetra Américo, Luiz Gustavo Barreira Muglia, ressaltou que em nenhum dos casos as ofensas alegadas foram comprovadas. “Nenhum dos processos em desfavor do médico doutor Américo tiveram decisões em seu desfavor”, afirmou.
Sobre a pescadora que disse ter sido chamada de “velha” e perdeu o bebê, a defesa do obstetra disse no processo que foram realizados os procedimentos possíveis, mas sem êxito, já que o feto não reagiu às manobras de ressuscitação. Além disso, o bebê estava com peso aumentado para a idade gestacional e a mãe fazia uso de medicamento por estar com pressão alta.
Em relação ao caso da grávida que teve infecção hospitalar e perdeu o útero, a defesa do hospital alegou no processo que a alegação de danos estéticos é descabida, pois qualquer cirurgia deixará cicatriz. A defesa ainda defendeu que não há provas de que a perda do útero causou sofrimento, pois a mulher já pretendia fazer laqueadura após a gravidez. E sobre a infecção em si, a defesa diz que isso ocorreu por conta da suposta demora da paciente de mais de oito horas entre o tempo do rompimento da bolsa e a cesárea.
Já sobre o caso da paciente que teve o bebê após 42 semanas por suposta indicação do médico, a defesa de Américo disse no processo que a paciente tinha 40 anos e pressão alta. O bebê teria nascido com depressão respiratória. Todos os procedimentos possíveis teriam sido feitos, mas não houve resultado.
Sobre o caso da mulher que disse ter sido chamada de “porca” e “vaca” no momento do parto e teve infecção, a defesa do doutor Américo disse no processo que não está demonstrado um nexo de causalidade entre as ações do médico e o suposto dano da paciente. A defesa alega que o tratamento foi feito de forma correta e que a paciente foi transferida para Goiânia quando a infecção foi identificada.
O Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) disse em nota que não informa sobre a tramitação de denúncias. A entidade ainda afirmou que a sindicância e o processo ético-profissional tramitarão em sigilo processual.
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