quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Sem respostas sobre morte de mãe e filho após parto, família recorre à Justiça

 Francinete Rodrigues Beltrão e o filho Arthur Miguel Areco Beltrão foram atendidos no Hospital Municipal em fevereiro 


Francinete Rodrigues Beltrão morreu no dia 15 de fevereiro, em Aquidauana 


Após meses sem resposta, o marido de Francinete Rodrigues Beltrão, de 28 anos, recorreu à Justiça contra o Hospital Municipal de Bodoquena pela morte da mulher e do filho recém-nascido Arthur Miguel Areco Beltrão, que ocorreu em fevereiro deste ano, na cidade a 266 quilômetros de Campo Grande. Para a família, os dois morreram por negligência médica da equipe da unidade. 

No pedido por danos morais protocolado na 2ª Vara de Miranda, o advogado da família as vítimas, Jaques Fortes de Andrade, detalha os acontecimentos que levaram à morte de mãe e filho, cita uma série de falhas e também procedimentos, que se atotados pela equipe médica, poderiam ter salvo a vida dos dois. 

Francinete foi, segundo a SES (Secretaria de Estado de Saúde), a 13ª vítima fatal de dengue em Mato Grosso do Sul neste ano. Mas conforme o relato do marido da jovem, o principal problemas aconteceu no atendimento a grávida.

No dia 4 de fevereiro, Francinete deu entrada no hospital com contrações. Ela estava grávida de Arthur Miguel, o primeiro filho e a equipe médica optou por aguardar o parto normal. Foram três dias de espera e dor. A bolsa da paciente só estourou na tarde do dia 6 de fevereiro e ela começou a dar à luz ao menino.

Por conta do tempo prolongado de contração, Francinete estava muito debilitada e não conseguiu continuar com o parto normal, por isso a equipe médica decidiu pela cesariana de emergência. Arthur nasceu com vida, ficou internado, mas na noite de sexta-feira, 7 de fevereiro, começou a passar mal.

Durante o atendimento, foi feita a solicitação de prioridade para o bebê no Hospital Regional de Aquidauana, com transferência programada para pouco antes da meia-noite, mas o pedido de vaga foi cancelado no último momento e o bebê levado de volta ao quarto da mãe. No dia seguinte, o bebê morreu.

Depois de receber a notícia da morte de Arthur, Francinete foi submetida a exame de sangue, que constatou anemia e suspeita de dengue. Por conta disso, precisou ser transferida para Aquidauana. Foi levada direto para UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) em estado grave. Na unidade, passou por cirurgia para saber se algum órgão estava perfurado, mas nada relevante foi encontrado. 

Depois do procedimento, nova complicação surgiu e os médicos optaram por nova intervenção cirúrgica. Tentaram aguardar o quadro de saúde da paciente melhorar, mas a situação estava tão instável, que a espera seria pior. Francinete foi novamente operada, sofreu parada cardíaca e não resistiu. 

O parto foi realizado no Hospital Municipal de Bodoquena 


Os erros – No documento enviado à Justiça, o advogado explica que os erros começam na demora de atendimento a Francinete. Dias antes de entrar em trabalho de parto, a mulher foi diagnosticada com infecção urinaria, foi medicada e liberada. Quando retornou, no dia 4 de fevereiro, chegou na unidade já com indicação para cesariana, mas mesmo assim, foi forçada a esperar pelo parto normal.

Durante os dias com contração, segundo o relato da família, a paciente implorou para ser operada, mas a situação foi estendida até o último minuto. Como consequência, ela não conseguiu concluir o parto e foi submetida a uma cirurgia de emergência.

O pai acompanhou o parto e desde o nascimento, notou algo errado com o filho. Na primeira tentativa de amamentação, a criança urinou sangue. A situação se agravou e então foi feito o pedido de transferência para Aquidauana. Para a defesa, Arthur deveria ter sido levado para UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Neonatal imediatamente após o nascimento.

“Ocorre que aquele Hospital não conta com UTI neonatal, a cirurgia fora feita às pressas e de forma questionável, enquanto que o procedimento correto seria a imediata transferência da paciente muito antes do dia 6/02/2020”. O mesmo, alegam, ocorreu com Francinete, que só foi levada para Aquidauana em estado praticamente irreversível. A defesa também encontrou diferença entre as anotações do médico responsável pelo parto e a enfermeira.

O médico relatou normalidade. Já a enfermeira descreveu sangramento nasal e espasmos faciais, problemas na amamentação e motora do bebê. Sem atendimento especializado, Arthur não resistiu e só depois disso, a mãe foi submetida a exame de sangue que constatou a dengue. O que para a família poderia ter sido diagnosticado nos três dias em que ela passou internada com contrações na unidade.

Outro erro grave relatado para defesa, é a existência de uma falsa declaração em que o pai de Arthur nega a realização da necropsia. “Em momento nenhum foi questionado sobre a necropsia, até porque o requerente não tinha qualquer informação sobre essa possibilidade”.

Falso médico – Outro ponto abordado no documento é a participação do proprietário de uma agência de turismo, como estagiário de Medicina, mesmo sem nunca ter se matriculado no curso. O envolvimento dele no parto foi presenciado pelo marido de Francinete e de outras testemunhas.

Na época, um boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia de Polícia Civil da cidade e a Secretaria Municipal de Saúde se comprometeu a investigar a situação. Mas como não obteve resposta alguma, a família encontrou com o pedido de indenização na justiça.

Além do proprietário da agência de turismo, outras seis pessoas – diretor do hospital e médicos que atenderam a paciente nos dias em que esteve internada – foram citados como autores de negligência no processo.

A resposta – Neste mês, a defesa de um dos médicos citados enviou à Justiça sua contestação. Ao longo de 31 páginas, garante que a equipe médica agiu corretamente em todos os procedimentos e que a morte aconteceu por complicações causadas pela dengue. “Mais fácil culpar a equipe médica que atendeu o caso, do que entender que existem fatores que fogem da capacidade humana e conhecer os termos técnicos da medicina, tudo acham que foi negligência médica”.

Em outro momento, a defesa alega que a família de Francinete não esperou as investigações do município e procurou a polícia já pensando na indenização. A advogada ataca também a imprensa local. “É uma forma de macular a imagem dos médicos e do próprio Hospital, fazendo com que perca sua credibilidade no que tange ao atendimento de gestantes. Isso porque, tal fato, foi publicado sem qualquer direito a uma resposta por parte dos médicos envolvidos ou por parte da Secretaria de Saúde, com isso mancham a imagem destes profissionais”.



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