segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Médicos recusam pré-natal se grávida não pagar o parto

Para o CRM, no entanto, não é ético fazer as consultas apenas de quem vai pagar a taxa, e o atendimento tem que ser igual para todas
 
 
Há duas semanas, quando descobriu sua terceira gravidez, Mônica* recorreu ao médico que já havia acompanhado suas gestações anteriores para fazer o pré-natal, mas, logo na primeira consulta, descobriu que não teria o mesmo tratamento de antes. “Com meus dois primeiros filhos, eu fiz as consultas e ultrassons com ele e os partos com o plantonista. Agora, a secretária me avisou que ele só faz o pré-natal se eu pagar o parto”, conta. Para fazer o parto, o médico cobraria R$ 7.000 a título de taxa de disponibilidade. Ela já havia agendado consultas mensais até perto da data prevista para o parto, em março de 2018, mas teria que desmarcar caso não concordasse com as condições.
 
A proposta do médico é irregular, mas não é isolada e vem sendo adotada por profissionais credenciados de diferentes planos de saúde. A prática é passível de denúncia e punição, de acordo com a secretária geral do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), Cláudia Navarro. “O correto é fazer o pré-natal até o fim e registrar as informações no cartão de pré-natal para a grávida levar quando procurar o plantão”, afirma.
 
Por regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de saúde garantem um médico habilitado para o parto, mas não o de preferência da grávida. Em geral, esse profissional é o plantonista. Os médicos cobram pela disponibilidade quando a paciente faz questão do seu acompanhamento.
 
Para o CRM, no entanto, não é ético fazer as consultas apenas de quem vai pagar a taxa, e o atendimento tem que ser igual para todas. “Com a recusa, fica claro que o médico só quer fazer o acompanhamento para ganhar a taxa de disponibilidade”, diz.
 
O CRM nunca recebeu nenhuma denúncia do tipo, mas acredita que a conduta possa ser classificada como discriminação de pacientes, prática proibida pelo Código de Ética, e o profissional estaria sujeito a advertência reservada ou pública.
 
Mesmo sem denúncias formais, não faltam relatos. A empresária Júlia Figueiredo de Pina Seixas, 28, passou pela experiência há pouco mais de dois anos, quando sua filha nasceu. “O médico me ‘dispensou’ do pré-natal quando eu disse que não podia pagar os R$ 11,5 mil que ele cobraria pelo parto”, lembra. Ela conta que no mês passado a prima dela, grávida de sete meses, viveu situação parecida com o mesmo médico. A única diferença é que o valor da taxa subiu para R$ 12,3 mil.

O presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Carlos Henrique Mascarenhas Silva, diz que, “pessoalmente”, não vê motivos para a recusa do pré-natal para quem não paga o parto, afirma que a prática não é usual, mas discorda que configure infração ética. “O Código de Ética diz que o médico só não pode negar atendimento em urgência e emergência”, afirma.
 
Ele completa que não é possível saber o que se passou no consultório e se a paciente entendeu corretamente o que o médico disse. Para a engenheira Márcia Machado, 37, que teve a continuidade do pré-natal negada há três anos, não há possibilidade de ter entendido nada errado: “quando eu falei que ia optar pelo plantonista, a médica, que ia cobrar R$ 6.000 pelo parto, disse com todas as letras que não faria mais meu pré-natal”. Ela diz que teve vontade de “bater o pé” e exigir o atendimento, mas mudou de ideia. “Eu não ia querer fazer o pré-natal com uma pessoa daquelas”, conta.
 
*Nome fictício
 
Regras
 
ANS. A agência informou que regula os planos de saúde e que os profissionais são regulados pelos Conselhos Regionais e Federal de Medicina. Disse ainda que os planos têm que cumprir prazos para atendimento. 
 

Lista Negra

 

Consulta é negada três anos depois

 
 Ana Clara* fez o pré-natal de sua primeira filha até o fim com um médico. Diante do valor da taxa de disponibilidade – R$ 4.500 –, preferiu fazer o parto com um plantonista. Três anos depois, quando teve uma mastite, ela procurou novamente o médico que acompanhou sua gestação, chegou a marcar a consulta mas, logo em seguida, descobriu que tinha entrado para uma espécie de lista negra dele. 
 
“Pouco depois que marquei a consulta, a secretária me ligou e desmarcou. Disse que procurou minha ficha e, como eu não tinha feito o parto com o médico, ele não me atenderia mais”, lembra ela, que está grávida novamente e pretende procurar um profissional que tenha postura diferente. 
 
O CRM diz que essa prática também pode ser entendida como infração ética por discriminar a paciente. (APP)
 
Disponibilidade
 

Médicos aprovam, mas ANS diz que não pode cobrar

 
Apesar de amplamente praticada e defendida por entidades médicas, a taxa de disponibilidade é proibida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “A cobrança de taxa de disponibilidade para a realização de parto é considerada indevida”, diz a agência, em nota. O órgão também informa que “qualquer taxa cobrada pelo obstetra à gestante é ilegal e deve ser denunciada”. 
 
Maior operadora de plano de saúde do Estado, a Unimed-BH também condena a prática. “A orientação é não efetuar nenhum pagamento em consultório e contatar a cooperativa para que seja aberto processo administrativo”, afirma, em nota. A operadora também informa que adota um sistema que “promove o incremento na remuneração do médico pelo acompanhamento do pré-natal e pelo tipo de parto realizado”. 
 
Já as entidades médicas justificam e aceitam a prática. Parecer emitido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2012 diz que a taxa é ética e não configura dupla cobrança “desde que o obstetra não esteja de plantão e que este procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta”.
 
“O médico não trabalha sete dias por semana, 24 horas por dia para o plano de saúde”, diz a secretária geral do CRM, Cláudia Navarro. Ela explica que o profissional pode ter que desmarcar consultas ou abrir mão de sua folga para fazer o trabalho. 
 
“Ninguém sabe quando o parto vai ocorrer. A cobrança é para o médico ficar à disposição”, diz o presidente da Sogimig, Carlos Henrique Mascarenhas Silva. Não existe uma tabela ou parâmetro para o valor, mas, segundo Silva, a paciente pode exigir o recibo do pagamento. (APP) 
 
Saiba como denunciar
 
CRM-MG. As denúncias de infração ao Código de Ética Médica ao CRM devem ser feitas por escrito, com relato detalhado dos fatos, identificação completa das partes envolvidas, e, se possível, devem ser documentadas. Elas podem ser protocoladas pessoalmente na sede da entidade, que fica na rua dos Timbiras, 1.200, bairro Funcionários, encaminhadas pelos Correios para o mesmo endereço, ou por e-mail, com documentos digitalizados, para o endereço processos@crmmg.org.br. 
 
Planos de saúde. As reclamações devem ser feitas por meio dos canais disponibilizados pela empresa. É importante guardar o número de protocolo. 
 
ANS. A agência reguladora recebe reclamações pelo Disque ANS (0800 701 9656), pela Central de Atendimento ao Consumidor no site www.ans.gov.br ou presencialmente, em um de seus 12 núcleos de atendimento – em Minas Gerais, o endereço é rua Paraíba, 330, 11º andar, sala 1.104, bairro Funcionários, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. É importante ter em mãos o número e a data do protocolo do contato com a operadora do plano de saúde.
 
 
 

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