A trabalhadora autônoma Luciana dos Santos Barbosa Lima, de 36 anos, denunciou o médico Júlio César da Silva por realizar uma cirurgia nela sem autorização, no último dia 13, no Hospital Municipal de Tapurah, a 414 km de Cuiabá.
Ao G1, ela contou que, ao ser questionado sobre a necessidade de ter feito o procedimento, o médico alegou que estava com dúvidas sobre o que ela tinha e, por isso, resolveu abri-la.
A reportagem não conseguiu localizar o médico, que também ocupava o cargo de diretor-clínico do hospital.
O secretário de Saúde de Tapurah, Marcos Felipe, afirmou que, assim que recebeu a denúncia, as cirurgias que seriam realizadas por Júlio César foram suspensas por 30 dias e, na sequência, o contrato dele com o município foi rompido. “Ele realizou as últimas consultas dele ontem (quarta-feira) à tarde e já deixou o cargo”, afirmou.
Luciana relatou ter passado pela primeira cirurgia com o médico em agosto de 2017, quando precisou retirar o útero.
Como consequência do procedimento, levou 11 pontos na região da barriga e passou dois meses com sangramentos contínuos, que, segundo ela, eram considerados normais pelo médico.
No dia 13 deste mês, ela disse que decidiu retornar ao hospital para pedir encaminhamentos para a realização de exames de rotina anual, necessários devido a um problema cardíaco que ela possui.
Segundo Luciana, um dos exames solicitados foi a ultrassonografia do local da cirurgia, que o médico fez no mesmo dia.
“Ele viu que havia um ponto da cirurgia inflamado e disse que iria tirá-lo, mas que seria um procedimento simples, sem corte e rápido. 'Em quinze minutos você estará em casa', foi o que ele me falou”, relatou.
Luciana contou ter lembrado o médico de que, devido ao problema cardíaco, não poderia ser submetida a qualquer anestesia, que não estava de jejum e que não queria passar por cirurgia. O médico a teria acalmado e repetido que nenhum procedimento cirúrgico seria necessário.
Ela deixou o hospital e retornou ainda pela manhã para passar pelo procedimento indicado pelo médico e disse ter estranhado o comportamento dos enfermeiros, que colheram seu sangue, deram-lhe um calmante e pediram à ela para tomar banho e trocar de roupa. "Questionei, mas disseram que eram procedimentos comuns”, afirmou.
A paciente disse ter se sentido incomodada com a internação e, desconfiada, pensou em desistir, chegando a relatar ao médico Júlio César a preocupação que sentia.
“Eu pedi a ele pelo amor de Deus para não ser cortada. Ele me disse para relaxar e garantiu que eu não seria cortada”, disse.
Luciana contou que chegou a adormecer, sendo acordada minutos mais tarde e direcionada para a sala de cirurgia, onde o médico e outras três pessoas – sendo duas delas enfermeiros que ela já havia visto – a aguardavam.
Nesse momento, o médico a teria perguntado se ela estava tonta, ao que ela negou. Na sequência, uma enfermeira passou um produto na barriga de Luciana – sob protesto da paciente – e outra pessoa aplicou um líquido no tubo que ligava o soro à veia da paciente.
“Comecei a ficar tonta e ainda repeti para ele lembrar que eu tinha problema de coração, não havia feito preparação alguma e não queria ser cortada”, relatou.
Luciana acordou no final da tarde e se viu sozinha no quarto do hospital. Ela percebeu que estava com um curativo no mesmo local onde havia passado por cirurgia e disse que, naquele momento, ficou desesperada e imediatamente ligou para o marido, que nem mesmo sabia que ela estava no hospital.
“Chorei muito, porque o desespero foi grande e a raiva também. Como que um médico faz uma cirurgia sem o meu consentimento, sem avisar meu marido, minha mãe, meus filhos? Eu não assinei termo algum autorizando isso. Tive muito medo de morrer depois”, afirmou.
Dessa vez, a paciente recebeu 12 pontos e, segundo ela, em momento algum o médico foi ao quarto dela para explicar o que havia acontecido e ver como ela estava. Segundo ela, nenhum enfermeiro conseguia dar explicações sobre a cirurgia e, cansada de esperar, ela decidiu "se dar alta" na manhã do dia seguinte.
“Eu saí com a minha barriga ainda muito inchada, mandei tirarem o soro e fui atrás dele. Eu gritei com ele, perguntei por que ele me abriu. Ele me disse: 'tive dúvida do que você tinha, por isso abri, vi que não tinha nada e fechei'. Eu que devia ter dúvidas, que era a paciente, não o médico”, reclamou.
Há nove dias em casa e impedida de trabalhar, Luciana procurou a Delegacia da Polícia Civil, onde registrou um boletim de ocorrência, no dia 16 deste mês, e disse que também formalizou denúncia no Ministério Público Estadual (MP-MT) e na Secretaria de Saúde de Tapurah.
Outro lado
Segundo o secretário municipal de Saúde, Marcos Felipe, assim que foi informado da denúncia de Luciana, o médico – que mantinha convênio com a prefeitura há quase um ano – providências foram tomadas.
O secretário afirmou ao G1 que outras duas denúncias contra o médico foram formalizadas na secretaria após o caso de Luciana vir à tona, mas que ainda estão sendo apuradas.
Uma sindicância foi aberta pela pasta para apurar os fatos e os prontuários de todos os pacientes atendidos por ele estão sendo recolhidos, devendo ser encaminhados ao Conselho Regional de Medicina (CRM-MT).
De acordo com Marcos Felipe, o médico Júlio César Silva tem 28 anos de formação e o registro dele junto ao CRM de Mato Grosso e de Goiás, onde ele também atuava, foram checados antes dele ser contratado pelo município.
“Tudo estava regular. Ele mesmo disse querer que o CRM o avalie porque é o único órgão que pode dizer se ele cometeu alguma infração, se houve erro médico ou negligência. E eu também acredito ser o órgão mais indicado para averiguar isso”, disse.
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