sexta-feira, 9 de março de 2018

Residência médica sob disputa: candidato ameaçado revela estar abalado após mensagens

Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica é suspeito de beneficiar o próprio filho

Fachada do Hospital dos Servidores do Estado, para onde residente busca vaga - Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

RIO - Num momento em que os hospitais públicos atravessam séria crise, uma denúncia causou indignação e já mobiliza várias entidades de classe da área médica. O chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Federal dos Servidores do Rio, Domingos Quintella de Paola, foi afastado do cargo nesta quinta-feira, após ser acusado de ter ameaçado um candidato à residência médica da unidade. Conforme antecipou o jornalista Ancelmo Gois em sua coluna, ele teria pressionado um jovem médico, aprovado no concurso do hospital, a não aceitar a vaga para beneficiar o próprio filho. As ameaças teriam sido feitas através de mensagens de um aplicativo de celular.

O médico Pablo Costa, de 27 anos, formou-se em 2015 pela Uerj, fez residência em cirurgia geral no Hospital Federal da Lagoa e, no fim do ano passado, concorreu a uma vaga em São Paulo. Também se submeteu a cinco provas para residência no Rio: no Instituto Nacional do Câncer (Inca), na UFRJ, no Hospital municipal Barata Ribeiro, na Secretaria de Estado de Saúde e no Hospital dos Servidores. Foi aprovado em todos os exames, mas seu objetivo era a unidade federal porque, segundo ele, é o hospital de maior fluxo de cirurgias no estado.

Na segunda-feira, há o registro de uma mensagem do telefone de Quintella para Pablo Costa, aprovado em nono lugar no exame do Ministério da Saúde para residência no setor de Cirurgia Plástica do Hospital dos Servidores. Um dos trechos é o seguinte: “Esta é a semana da reclassificação, em três dias, e espero que você esteja bem na Uerj pois, sinceramente, sua vinda para cá significaria o lugar do meu filho e o ambiente não seria bom para você e muito menos para a sua formação”.

Enquanto ele esperava a reclassificação para o Servidores (era o primeiro da lista de espera, à frente de Domingos de Paola Neto, filho de Quintella), ele decidiu iniciar a residência no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, onde está há uma semana. Agora, muito abalado com a ameaça, não tem mais certeza se irá para o Hospital dos Servidores.

— Desde antes de prestar vestibular, meu sonho é ser cirurgião plástico. É meu objetivo de vida, é o que eu amo, o que me guia, é minha paixão. Não quero desistir da vaga, que é um direito meu, porém existe uma situação que ficou muito chata. Era a minha primeira opção (o Hospital dos Servidores), mas não ser bem recebido em algum lugar pode me trazer prejuízos psicológicos graves. Afinal, são três anos, não três meses — desabafou, afirmando que não sabe como Quintella obteve seu número de celular. — Quando recebi a mensagem não tive reação, não acreditei no estava acontecendo. Fiquei chocado.

CANDIDATO VAI À JUSTIÇA

Os advogados do residente vão à Justiça com ação de danos morais. A defesa ainda analisa se, além de Quintella, a União e o próprio Hospital dos Servidores também serão réus no processo.Procurado, o ex-chefe do setor Cirurgia Plástica do Hospital dos Servidores não retornou às ligações. À coluna de Ancelmo Gois, no entanto, ele afirmou que a mensagem foi escrita por um parente.

— Uma pessoa da minha família pegou o meu celular. Assim que li a mensagem, eu mandei um pedido de desculpas para o Pablo explicando a situação. É claro que ele vai ser bem recebido na residência. Isso não existe. O meu filho passou em outras dez residências. Ele não precisava disso — disse Domingos Quintella.

O cirurgião afirmou ainda que, por conta da repercussão nas redes sociais, sofreu assédio até em seu consultório particular e que também acionaria um advogado. Além de ter chefiado o Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital dos Servidores, Quintella, conforme currículo em seu site pessoal, é membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e da Sociedade Internacional de Cirurgia Estética. Também é médico perito do Ministério da Saúde. Entre os colegas, é considerado um profissional respeitado. O caso pegou de surpresa a direção do hospital.

- Me deixou muito perplexo, afinal, ele é um profissional respeitado, exemplar, não havia nenhum processo disciplinar contra ele na unidade. Como diretor, posso afirmar que é um médico extremamente produtivo — salientou o diretor-geral do HSFE, Alexandre de Castro do Amaral.

O Conselho Regional de Medicina (Cremerj) e o Ministério Público Federal já atuam para esclarecer o que de fato aconteceu. Além disso, também foi aberta uma sindicância interna no Hospital dos Servidores.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que abriu procedimento e que Domingos Quintella “foi afastado do cargo, mas segue no quadro de funcionários da unidade médica como cirurgião”. Esclareceu que “o concurso transcorreu de forma transparente e idônea, e garante que Pablo irá exercer normalmente o período de residência médica no Hospital dos Servidores”. O Cremerj também abriu sindicância para apurar ilícito ético. Quintella deverá ser chamado para prestar esclarecimentos. É possível ainda que o Conselho Federal de Medicina também investigue a denúncia. O Ministério Público Federal (MPF) já protocolou uma representação contra Quintella. De acordo com o MPF, Quintella responderá administrativamente (por ser servidor público) e criminalmente já que nepotismo está previsto no Código Penal.

O Globo



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