Família diz que mulher passou por três hospitais públicos entre março e abril antes do diagnóstico, que foi feito apenas na rede particular. Já Secretaria Estadual de Saúde afirma que não tem registro de atendimento da idosa no mês de abril.
Júlio César e mãe foram vítimas da Covid-19 em Ferraz de Vasconcelos |
Uma idosa de 69 anos e o filho dela, Júlio César Maciel de Abreu, de 46 anos, de Ferraz de Vasconcelos, morreram com Covid-19 em um intervalo de 12 dias, entre 24 de abril e 6 de maio. Viviane Cristina da Silva Vital, filha de Maria Helena, afirma houve negligência no caso da mãe, que passou por três hospitais públicos entre março e abril, foi diagnosticada apenas quando pagou por uma consulta e morreu em casa.
Dias depois de perder a mãe, o filho que ajudava a buscar tratamento para ela, foi internado no Hospital de Regional de Ferraz onde morreu. A irmã dele, Viviane, também se contaminou.
A Secretaria Estadual de Saúde informou ao G1 que não existe registro de passagem de Maria Helena pelos hospitais da rede em abril. (confira resposta completa abaixo).
Segundo a filha, a mãe foi atendida no Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos, no Hospital Guido Guida em Poá e no Hospital Luzia de Pinho Melo em Mogi das Cruzes.
“Em nenhum desses hospitais confirmaram que ela estava com Covid. Só um médico de uma clínica particular de Suzano foi o único que desconfiou. Os outros falavam que estava com problema no coração. Nenhum diagnosticou e nem pediu exame para saber se ela estava com Covid ou não”, relata Viviane que acha que a morte da mãe foi causada por erro médico.
Maria Helena deixou o marido, dois filhos e seis netos. Júlio César deixou a esposa e dois filhos.
Peregrinação na rede pública
Viviane conta que a mãe tinha uma tosse forte e tontura e como sempre ia ao hospital para levar o pai com problemas de saúde, em uma dessas consultas ela decidiu levar a mãe. Ela diz que em março esteve com ela no Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes, que pertence à rede estadual de saúde. "Chegou lá, o médico disse que tudo que ela sentia era labirintite e deu remédio para isso .”
Em abril, Viviane conta que a mãe passou pelo hospital foi o Regional de Ferraz de Vasconcelos, também da rede estadual. A filha conta que o médico pediu um raio-X que mostrou que o pulmão estava limpo. “Mas o médico disse que ela estava com coração grande. E a gente não sabia que ela tinha esse problema. E passou um monte de medicamento e não fazia efeito. A gente achou estranho que o quadro dela estava piorando.”
Viviane afirma que a mãe começou a ter tontura, não ficava em pé e começou a ficar fraca. “Levamos ela no hospital de Poá [da rede municipal] e o médico disse que tudo que ela estava sentindo era do coração. Aí ela tomou soro, dipirona para abaixar a dor de cabeça, tomou mais soro para aumentar pressão e Dramin e mandou para casa.”
A Secretaria Municipal de Saúde de Poá, responsável pelo hospital do município, disse que foram feitos todos os exames, como raio-x de tórax e eletro, entre outros. "A equipe médica avaliou como diagnóstico de hipotensão e sinusite, e Maria Helena não apresentava nenhum sintoma característico de Covid-19. Foi ministrada a medicação e a paciente foi liberada", informou.
Já a Secretaria Estadual da Saúde, responsável pelos hospitais de Mogi das Cruzes e Ferraz, informou que "não há registro de passagem da Sra. Maria Helena da Silva em nossas unidades no mês de abril. A paciente passou pelos hospitais estaduais no mês de março - dia 13 no Hospital Luzia Pinho de Melo e dia 29 no Hospital Ferraz de Vasconcelos."
Segundo a secretaria, em ambas as ocasiões ela foi avaliada por médico e inclusive passou por exames, como raio-x e eletrocardiograma e não foi constatada nenhuma alteração. "Não havia sintomas de COVID-19 e a paciente foi medicada, orientada e devidamente atendida conforme quadro clínico."
Atendimento na rede particular
Preocupada com saúde da mãe, no dia 22 de abril Viviane pagou uma consulta com um cardiologista em uma clínica particular de Suzano. “Ele examinou, mediu a temperatura e viu que ela estava com febre. Tudo que ele perguntou para ela, ela respondeu. E ele disse que suspeitava que ela estava com Covid. Ele passou uma medicação e orientou para monitorarmos a febre dela e avisou que se tivesse falta de ar e cansaço para correr com ela para o hospital.”
Viviane disse que como após o atendimento na rede pública a mãe passou a madrugada com falta de ar, no dia seguinte voltaram até a clínica paga de Suzano para fazer exames. “Quando o médico foi fazer o exame dela , ele percebeu algo errado ao colocar o aparelho nela. Ele falou que a falta de ar e o cansaço não era do coração que o coração dela estava bom. Ele disse que precisava fazer com urgência o teste do Covid-19. Pagamos na clínica e fizemos o teste. Ele orientou a não ir para o hospital e sim para casa. E mandou voltar 16h, para buscar o exame.”
A filha destaca que levou a mãe arrastada para a casa. “Ela estava inquieta e pediu ventilador. De repente começou a tirar a roupa dizendo que estava com calor, mas ela estava gelada.”
Viviane conta que colocou o ventilador e deixou a mãe fazendo uma inalação e foi até a clínica com o irmão, Júlio César Maciel de Abreu.
Quando chegaram na porta, uma cunhada de Viviane ligou, dizendo que a mãe dela tinha parado de respirar. Como o exame não estava pronto, ela e o irmão voltaram para a casa da mãe.
“Quando eu cheguei em casa vi a ambulância do Samu saindo e minha mãe tinha falecido em casa por insuficiência respiratória. Mais tarde, o médico mandou o resultado pelo WhatsApp e deu positivo para Covid-19.”
Contaminação em Família
Viviane não foi ao velório da mãe por se sentir cansada e com a respiração ofegante. O irmão mais velho dela, Júlio César Maciel de Abreu, também relatou para a irmã que não se sentia bem.
No dia 27 de abril, ela diz que uma equipe da Vigilância Epidemiológica foi até a casa do pai dela. Os profissionais coletaram algumas informações e orientaram para que todos se isolassem em casa.
“No apartamento ficou o meu pai, meu filho e meu irmão mais novo. Meu irmão Júlio teve tosse, perdeu olfato, paladar e me ligava. Isso mexeu com a cabeça dele. Eu dizia que estava fraca sem paladar e olfato, mas dizia para ele que era coisa da nossa cabeça e precisava pegar firme com Deus para ficar bem porque tinha meu pai para cuidar.”
Ela conta que no dia 29 de abril, o irmão foi até o Hospital Geral de Guaianases, onde foi atendido. Depois, ele pagou uma consulta com um médico pela internet que receitou um antibiótico. De acordo com a irmã, Júlio César dizia que estava com dor no peito, dor de cabeça.
Viviane também continuou se sentindo mal. Ela foi até um posto de saúde e, dias depois, como teve febre de quase 39 graus foi até Hospital Regional de Ferraz.
“A médica pediu raio X e constatou que eu estava com pneumonia. Peguei o vírus e deu pneumonia e mandou voltar para casa e tomar uma medicação. Mais tarde o meu irmão, o Júlio, ligou e pediu para meu marido levar ele até o hospital e meu marido levou.”
Depois de ser examinado, Viviane conta que o irmão foi internado. No dia 4 de maio, ela diz que a família descobriu que ele tinha sido entubado. “Ele entrou andando no hospital e já entubaram. Não foi nem para o isolamento. Soubemos por amigos que trabalham no hospital. Depois ligaram do hospital para a minha cunhada ir visitar e ela foi. Ela viu ele pelo vidro e estava entubado e disseram que a medicação não fazia efeito.”
Viviane conta que o irmão morreu no dia 6 de maio depois de uma parada respiratória. O pai de Viviane e o irmão caçula testaram negativo para o novo coronavírus. E a filha de 14 anos de Viviane está com alguns sintomas, como perda do paladar e olfato e aguarda resultado do teste.
Viviane avalia que ela e o irmão se contaminaram com o novo coronavírus pelo contato com a mãe. “Mas até hoje não sabemos como ela contraiu. Eu pagava as contas, fazia supermercado, feira, comprava remédio para eles, fazia limpeza, cuidava deles. O médico da clínica de Suzano disse que pode ter pego pelo ar porque a cama dela era do lado da janela ou nessa idas e vindas do hospital quando ela passava mal.”
Saudade
Viviane acredita que se o irmão não tivesse se desesperado e tivesse se cuidado poderia estar vivo. “Meu irmão ficou muito apavorado, desesperado com a situação. Ele era muito medroso. Ele tinha medo de morrer. Ele era uma pessoa com o coração enorme, que ajudava todo mundo. Ele tirava da boca dele, do bolso.”
Para Viviane, abril era um mês marcado por comemorações. Ela faz aniversário no dia 22 e o da mãe era no dia 21. Ela perdeu a mãe no dia 24 e o irmão no dia 6 de maio.
“Eu estou enfrentando tudo isso anestesiada. Eu vivo à base de calmante até para falar. Eu evito falar com a família e as pessoas porque em menos de 15 dias perdi minha mãe e irmão. Minha mãe era tudo para mim. A gente era amiga, a gente era companheira. E o meu irmão para mim era um exemplo de homem, correto, certo, não gostava de nada de errado.”
A Prefeitura de Ferraz de Vasconcelos confirmou que Maria Helena da Silva e Júlio César Maciel de Abreu constam na lista de vítimas da Covid-19, no município. Segundo a Prefeitura, Maria Helena era diabética, tinha doença cardiovascular crônica e osteoporose e Júlio César tinha sobrepeso.
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