domingo, 19 de junho de 2022

Denúncia contra pediatras sugere boicote nas UPAs de BH: ‘dormem a noite toda’

 

Informação que está sendo apurada pela Secretaria Municipal de Saúde aponta que os médicos estariam “boicotando” os atendimentos na rede pública


Denuncia aponta que os médicos estariam se ausentando do trabalho de forma deliberada 

Médicos pediatras que trabalham nas Unidades de Pronto Atendimento de Belo Horizonte (UPAs) estão sendo investigados por supostamente agirem para “boicotar” o sistema de saúde pública do município. A denúncia, que é apurada pela Secretaria Municipal de Saúde, acusa os profissionais de “dormirem a noite toda” durante os plantões, além de agirem de forma organizada para coagir enfermeiros e outros profissionais a fim de limitar o número de atendimentos diários.

A denúncia surge em um momento complicado para a saúde do município. Em meio ao recrudescimento da pandemia do coronavírus e a alta de doenças respiratórias, as crianças que dependem de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) estão tendo de encarar hospitais lotados e filas de espera que chegam a 10h.

primeira vez que a apuração foi revelada pela prefeitura foi no dia 17 de maio, no entanto, o conteúdo da denúncia permanecia em sigilo desde então. O caso se tornou público após um pedido de informação do vereador Gabriel Azevedo (sem partido), que foi respondido na última quarta-feira (15) durante a 19ª Reunião Ordinária da Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara Municipal de Belo Horizonte.

A denúncia


Segundo a denúncia feita de forma anônima à PBH e que deu origem a investigação, os pediatras da rede de urgência de Belo Horizonte estariam se organizando em grupos de WhatsApp para boicotar os plantões, apresentando falsos atestados de afastamento. 

“É só solicitar o índice de absenteísmo em cima da hora por muitos motivos. Um deles é se um adoece o outro 5 minutos depois adoece também desfalcando o plantão”, detalha o denunciante.

A acusação também aponta que esse movimento está acontecendo há meses - sem especificar o tempo - sob o conhecimento do Sindicato dos Médicos. A organização, inclusive, era orquestrada em grupos de WhatsApp.

Além dos afastamentos suspeitos, o denunciante vai além e cita que os médicos estariam atuando de forma coercitiva para minimizar o número de atendimentos nas UPAs de Belo Horizonte.

“Começam a forçar o encerramento do atendimento de porta mesmo estando nas unidades quando não há pediatria no próximo plantão já quando iniciam a jornada. Pressionam as equipes. todo mundo! Tem pediatra que mesmo com zero atendimento após 23:00 já iniciam a pressão na equipe para que o atendimento encerre às 02:00 da manhã e assim a enfermagem e recepção ficam incumbidos de forma coercitiva a dizer para os pais que chegam com seus filhos doentes que não pediatria, mesmo com o profissional na unidade DORMINDO. Pois muitas vezes esses profissionais são ameaçados pelos pediatras de que se acontecer da porta encher a responsabilidade é do enfermeiro e do recepcionista”, descreve.

O sono dos médicos, inclusive, é um capítulo a parte tratado pelo denunciante. “É de conhecimento de TODOS que os pediatras hoje dormem a noite toda e que a enfermagem precisa chamá-los o tempo todo no descanso em qualquer horário do dia inclusive. A maioria das UPAs e hospitais contam com quartos exclusivos para esses profissionais com ar condicionado, camas e até mesa para lanches. Chave própria inclusive. Em algumas UPAs quando é possível ter o terceiro pediatra, esses profissionais EXIGEM que seja fornecida cama para TODOS ao mesmo tempo”, diz o relato anônimo.

Qual a motivação?


Segundo a denúncia apurada pela prefeitura de Belo Horizonte, o motivo para o suposto “boicote” dos médicos seria a falta de um terceiro pediatra para compor as equipes durante os plantões. Atualmente, esse trabalho é feito em dupla, apesar dos vários relatos de equipes que estariam atuando desfalcadas devido a falta de profissionais contratados.

Iniciada em 17 de maio, a Sindicância Administrativa sobre o assunto deveria ser concluída nesta-sexta pelo prazo regimental (30 dias), mas o prazo pode ser estendido por mais 30 dias caso haja necessidade.

Quem vai decidir se há irregularidade ou não na denúncia que foi apresentada é a Comissão de Sindicância composta por três integrantes da Secretaria Municipal de Saúde. 

Vereador pede 'cautela e seriedade'


Autor do requerimento que resultou na divulgação da denúncia, o vereador Gabriel Azevedo alega que é preciso ‘cautela e seriedade’ para avaliar tudo o que foi apresentado à Prefeitura de Belo Horizonte.

Ouvido pela reportagem de O Tempo, Azevedo disse que, nesse momento, ainda é necessário aguardar o desdobramento da investigação conduzida pela Secretaria Municipal de Saúde para avaliar o que pode ser feito.

“Qualquer denúncia envolvendo suposta ação coordenada por servidores em desfavor do município causa preocupação. No entanto, é necessário agir com a cautela e seriedade para apurar a veracidade das alegações e identificar eventuais responsáveis”, alega o vereador.

Caso seja constatada alguma irregularidade apresentada na denúncia, Gabriel defende uma atuação do Poder Legislativo na apuração. “Eventualmente, caso o resultado demonstre o cometimento de crime ou caso surjam novos elementos, há possibilidade de uma atuação excepcional do Poder Legislativo”, explica o vereador que ressalta a importância da apuração. “No momento cabe acompanhar e aguardar a apuração dos fatos pelos membros da sindicância instaurada pela prefeitura de Belo Horizonte”, finaliza.

O que diz o sindicato dos médicos


Citado na denúncia, o Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), nega qualquer relação com o “boicote” e rebate a acusação, alegando que “colocar a culpa nos médicos é fácil”, diz o trecho da nota.

Confira a resposta na integra:

O Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG) tomou conhecimento da denúncia contra pediatras da rede de saúde pública de Belo Horizonte, lida durante reunião da Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara de Vereadores, na quarta-feira, 15 de junho, e destaca seu posicionamento como entidade representativa da categoria médica em mais de 700 municípios mineiros.

A situação da pediatria tem sido um ponto de grande preocupação do Sinmed-MG, há muitos anos, e desde sempre alertamos os gestores, sejam municipais ou o governo do estado, para o cenário que já mostrava sinais de desassistência, falta de segurança e condições adequadas além de equipes incompletas para atender a alta demanda. Com a pandemia, esse quadro se agravou ainda mais e nada foi feito para mudar a situação da saúde.

Reforçamos que o Sinmed-MG jamais foi e será conivente com qualquer atitude que possa trazer prejuízos na assistência à saúde da população. Isso pode ser comprovado nas solicitações feitas durante as várias reuniões com os secretários de saúde e demais gestores, nos ofícios, no acionamento ao Ministério Público e outras medidas jurídicas; tudo em busca de solução para essa crise.

Nossa entidade informa rotineiramente à imprensa a gravidade de problemas como as equipes incompletas que acabam sobrecarregando os pediatras: muitas vezes, esses profissionais ficam em plantões de mais de 12 horas seguidas, pois não há outros colegas que possam substituí-los.

Com isso, o desespero e o adoecimento dos médicos têm-se elevado; sem falar que muitos estão pedindo demissão de seus postos de trabalhos por não aguentarem a pressão e a falta de iniciativas por parte dos gestores.

Colocar a culpa nos médicos é fácil quando se tem à frente problemas reais que a gestão não resolve como, por exemplo, as equipes incompletas, a falta de segurança e de equipamentos, as condições inadequadas de trabalho e tantos outros já apontados pelo Sinmed-MG.

Não somos favoráveis jamais a nenhuma atitude de desrespeito à saúde da população e apoiamos o atendimento justo e digno que os pacientes merecem. Além disso, buscamos mais dignidade, segurança nas unidades de saúde e respeito aos profissionais.

A negligência dos órgãos responsáveis pela gestão da saúde é grande e não aceitamos culpar os médicos e o Sinmed-MG pelo descaso com o que tem ocorrido.

É necessário solucionar a crise da falta de médicos, especialmente de pediatras, por meio de uma contratação justa e de medidas que possam fixar o profissional na rede.Essa tem sido nossa batalha.

Posição da prefeitura de Belo Horizonte


Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde explicou que não teve a intenção de transferir o problema e nem de acusar nenhum profissional previamente. “O objetivo da apuração é entender a situação para tomar as devidas providências. A SMSA reforça que respeita o direito do profissional de se ausentar por motivos médicos e que tem empreendido todos os esforços  para garantir melhores condições de trabalho e de assistência à saúde da população do município”, diz a pasta em nota enviada à reportagem.

Confira a resposta na íntegra:

A Secretaria Municipal de Saúde informa que, em 17 de maio, recebeu denúncia anônima relacionada ao atendimento pediátrico de urgência no município. À época, de acordo com os protocolos municipais, instaurou sindicância administrativa para apurar os fatos.

Desde o início, esta sindicância tem seguido todos os preceitos éticos, morais e legais, e não se trata de um pré-julgamento sobre os profissionais.

O objetivo da apuração é entender a situação para tomar as devidas providências. A SMSA reforça que respeita o direito do profissional de se ausentar por motivos médicos e que tem empreendido todos os esforços  para garantir melhores condições de trabalho e de assistência à saúde da população do município.

Frente às dificuldades na assistência, a SMSA esclarece que os profissionais médicos, principalmente pediatras, têm sido importantes parceiros no atendimento de urgência de Belo Horizonte.




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