Sala de cirurgia do Hospital de Caridade Dr. Victor Lang, em Caçapava do Sul. Foto: Marcelo Marques
Casos de violência obstétrica no Hospital de Caridade Dr. Victor Lang, em Caçapava do Sul, estão sendo apurados pelo Ministério Público (MP). Os casos vieram à tona a partir de relatos feitos por mulheres em um grupo de WhatsApp que tinha como objetivo a troca de experiências sobre maternidade.
A partir disso, foi criado o Coletivo Mães de Caçapava, que já recebeu, via formulário eletrônico, 85 relatos de violências sofridas no parto, entre elas agressões verbais, privação de alimentação e hidratação, impedimento da entrada de acompanhante na sala de parto – um direito garantido por lei –, manobra de Kristeller – que consiste em empurrar a barriga da mãe no momento do parto para estimular o nascimento do bebê –, episiotomia – corte feito no períneo sem consentimento durante o parto –, uso de fórceps e até fratura no fêmur de um bebê durante o parto. Aos menos seis casos chegaram ao MP nos últimos meses. As situações, conforme relatos, são pontuais e relativas a apenas alguns profissionais.
O promotor público Gabriel Capelani confirma que, das seis comunicações de mães feitas ao MP, uma foi arquivada por falta de elementos que comprovassem a violência. De acordo com ele, são situações que podem caracterizar uma falta de humanização no cuidado obstétrico e neonatal na rede de saúde local.
– As denúncias foram reunidas e decidimos instaurar um procedimento administrativo para acompanhar e fiscalizar de forma continuada e permanente o andamento das políticas públicas que garantem a humanização e qualificação no cuidado obstétrico e neonatal. Com isso, a gente busca verificar os procedimentos adotados atualmente e qualificá-los – explica.
O promotor afirma que encaminhou cópias dos relatos ao Conselho Regional de Medicina (Cremers) e ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS). Conforme Capelani, o processo está em fase de apuração e não foi necessário o afastamento de nenhum profissional.
De acordo com o Conselho de Medicina, toda tramitação, desde denúncia, sindicância e processos são sigilosos e o conselho não pode passar informações sobre os casos. O Conselho de Enfermagem afirma que acolheu as informações do MP e tomará as devidas medidas no seu âmbito de atuação.
Falta de respostas
Uma das líderes do coletivo é a massoterapeuta Raísa Borba Nunes, 30 anos, que atende gestantes no município. Ela conta que muitas mulheres, por conta da fragilidade e do medo, acabam não fazendo denúncias formais às instituições. O grupo entregou uma carta aberta ao hospital em 15 de março, porém, segundo Raísa, até agora não teve retorno da instituição.
– No outro dia (da entrega da carta) tivemos uma reunião com a comissão de saúde da Câmara de Vereadores. A representante do hospital apenas negou que isso acontecesse. Ela chamou os vereadores ao hospital e mostrou uma estrutura que até pode existir, porém não funciona efetivamente – afirma a massoterapeuta.
O hospital
Hospital de Caridade Dr. Victor Lang, em Caçapava do Sul.
O presidente do Hospital de Caridade Dr. Victor Lang, Florenço Monego Junior, garante que recebeu apenas uma notificação do Ministério Público, que já foi arquivada. Por e-mail, ele disse que repudia por inteiro as imputações sobre “agressões verbais” e “privação de alimentação e hidratação”.
Sobre restrições de acompanhantes na sala de parto, ele explica que em razão da pandemia houve a adoção de uma série de medidas administrativas de circulação de pessoas e acompanhantes a pacientes no hospital, sempre respeitando os desejos dos atendidos, em especial as gestantes. Ainda sobre os procedimentos, como a manobra de Kristeller e a episiotomia, segundo o diretor, seguem as normativas do Conselho Federal de Medicina, constituindo-se em ato médico.
Ainda segundo o presidente, o Hospital de Caridade Dr. Victor Lang é uma das poucas instituições hospitalares do Estado que realizou a adequação da maternidade às normas vigentes para adesão ao Programa de Parto Humanizado do Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme ele, foram realizadas obras na área física e aquisição de equipamentos específicos para isto.
Sobre a capacitação dos colaboradores e os desejos das mães, o hospital destaca que são feitos “frequentes cursos de atualização e capacitação, tudo devidamente fiscalizado pela Secretaria Estadual de Saúde. Nem sempre todos os ‘desejos’ estão ao alcance humano de serem atendidos, muitas vezes, diante do próprio desconhecimento das gestantes a respeito da realidade de um parto e dos impactos físicos que o ato traz consigo, assim como dos expedientes médicos e hospitalares necessários para o êxito do nascimento de uma criança, mesmo que de forma natural”.
Por fim, a direção esclarece que, em maio deste ano, foi feito um trabalho de avaliação com as pacientes atendidas na maternidade. Segundo o presidente, a pesquisa foi realizada por meio de questionário, preenchido voluntariamente pelas pacientes, revelando “números bastante significativos sobre a qualidade do serviço prestado”. Os resultados, de acordo com Monego, serão utilizados para a qualificação do serviço prestado.
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