Cirurgia em hospital em São Paulo |
Dois anos e quatro meses após a máfia das próteses, que expôs uma relação espúria entre médicos e empresas pelo uso de materiais em cirurgias, a associação das indústrias de produtos para a saúde decidiu defender uma lei de transparência parecida com a dos Estados Unidos.
Pela legislação americana, ("Sunshine Act"), as farmacêuticas e indústrias de dispositivos médicos são obrigadas a reportar anualmente ao governo federal todo pagamento feito a médicos com viagens, jantares, palestras, consultorias, entre outros.
Depois de consolidados, os dados se tornam públicos, em um site do governo. Qualquer pessoa pode saber que tipo de relação financeira um médico tem com as indústrias e quanto recebeu delas. No Brasil, um grupo de senadores manifestou interesse de transformar a ideia em um projeto de lei neste ano.
A discussão sobre a relação entre profissionais e empresas da saúde ganhou corpo com a máfia das próteses, investigada há dois anos pela Polícia Federal, que apontou um esquema de corrupção para superfaturar a compras de materiais médicos. Houve pagamento a médicos pelo uso de materiais até em cirurgias desnecessárias.
A transparência nessa relação foi discutida na terça (15) pelo setor de saúde na Feira Hospitalar, em São Paulo.
Fabricio Campolina, presidente do conselho de administração da Abimed (associação das indústrias de produtos para a saúde), defende uma legislação como a americana, mas diz que esse processo será longo e custoso. Nos EUA, levou três anos.
Campolina diz que a interação médico-indústria é necessária ao avanço das melhores práticas e ao uso seguro das tecnologias médicas.
"Existem situações em que a falta de transparência desvirtua esses relacionamentos. Somos a favor que uma maior transparência não se limite à indústria, mas que seja amplificada para outros elos da cadeia da saúde."
Carlos Vital Tavares Lima, presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), diz ser importante uma lei de transparência específica para a indústria e os profissionais de saúde, mas afirma que apenas isso não será suficiente.
"Precisamos ir além das leis, normas. Precisamos de parcerias, de 'compliance' [fiscalização e prevenção contra irregularidades internas]."
Para ele, a maioria dos mais de 450 mil médicos brasileiros é coerente com princípios éticos, mas, como em toda classe, há quem fuja à regra. "A lei é instrumento fundamental para esse controle."
Paulo ChapChap, presidente do Hospital Sírio-Libanês (SP), afirma que ali já são adotados meios para evitar más práticas, entre eles a obrigação de o médico declarar a relação que tem com a indústria e o que ela envolve. "Declaram de quem recebem, não quanto recebem."
Ele defende, por questão de segurança, que uma lei nacional siga esse caminho, sem tornar públicos os valores.
Solange Mendes, presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), diz que o setor incentiva a formalização de um projeto de lei de transparência, mas que são necessárias também outras iniciativas.
Segundo Renato Capanema, do Ministério da Transparência, o objetivo de uma lei de transparência não é "demonizar" a relação entre o médico e a indústria. "Não podemos pensar essa lei como forma de limitar essa interação. Mas o paciente tem direito de saber como ela ocorre para tomar a melhor decisão sobre seu tratamento."
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