quarta-feira, 6 de maio de 2020

Covid-19 se alastra pelos quilombos: 17 mortos e 63 casos confirmados

Subnotificação de covid-19 ainda é alta entre quilombolas, que acionam parlamentares e governo para cobrar ações concretas. Situação é alarmante

Ao longo do tempo, os quilombos foram excluídos de políticas
 sanitárias. Postos de saúde são raros na maioria dos territórios

São Paulo – A covid-19, que avança sobre as periferias e comunidades carentes dos centros urbanos, começa a fazer vítimas também nos territórios quilombolas. Monitoramento autônomo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) aponta dados preocupantes.

Nos últimos 20 dias, foram registradas 17 mortes pela covid-19 e 63 casos confirmados de contágio entre quilombolas. Estão sendo monitorados 36 pessoas com sintomas, e há um óbito suspeito, aguardando agora confirmação de diagnóstico.

Há registro de sete mortes em quilombos do Amapá, três do Pará, dois de Pernambuco, dois de Goiás, um do Rio de Janeiro e um da Bahia. Segundo a articulação, é grande a subnotificação, assim como a dificuldade de acesso a exames mesmo por pessoas com sintomas.

Ainda conforme a Conaq, há denúncias de negligência por parte dos governos locais no Amapá. Falta assistência, não há medicamentos nem visita de equipes de saúde nas comunidades. Nem água para as comunidades está disponível.

Reivindicações


Em reunião na segunda-feira (4) com a Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, a Conaq levou ampla pauta de reivindicações. Foram cobrados diversos setores do governo, como Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Fundação Palmares e Incra.

“O objetivo era que, na presença do Ministério Público Federal (MPF), os órgãos assumissem compromisso em atender a demanda emergencial dos quilombolas neste período de covid-19. Apenas a Fundação Palmares esteve presente, mas com uma visão totalmente perdida dos problemas com as comunidades quilombolas”, relatou o coordenador da Conaq, Denildo Rodrigues Moraes, o Biko.

Segundo ele, o MPF Se comprometeu a fazer uma recomendação aos órgãos governamentais e a judicializar algumas ações denunciadas pela Conaq. Entre elas ameaças de despejo em Alcântara, no Maranhão, como a da BR 135, que irá atingir várias comunidades quilombolas. Foi decidida ainda a criação de um comitê que será encabeçada pela Frente Parlamentar, Conaq e MPF para cobrar ações junto ao governo.

Ladeira do Jacaré, no centro da cidade de Alcântara, que
concentra grande parte dos quilombolas do país

Interiorização

A pauta inclui a formação de um comitê de acompanhamento da covid-19 nos quilombos, com a presença de agentes de saúde para monitorar pessoas no grupo de risco; a suspensão de votação de projeto de lei ou medida provisória que afete essas comunidades; a realização e execução de um plano emergencial para o combate da doença nos territórios, que inclui a testagem massiva, a distribuição gratuita de produtos básicos de limpeza e proteção; a busca ativa para cadastro e pagamento do auxílio emergencial; inclusão no Bolsa Família e a retomada de programas de compra direta de produtos da agricultura familiar quilombola, entre outras ações.

Uma vez apresentada a pauta pelas comunidades ao estado brasileiro, a expectativa, segundo Biko, é de ações o mais rápido possível para atendê-las diante do avanço da pandemia, que segue rumo ao interior, chegando aos municípios menores e aos territórios quilombolas.

“Ao longo do tempo esses territórios não vêm sendo assistidos pela saúde pública; nunca tivemos acesso à saúde pública de qualidade. Programa de Saúde da Família são poucos os territórios quilombolas que têm; postos de saúde quase não se tem e com essa interiorização da covid-19, pra zona rural, os índices tendem a se agravar”.

Além da histórica dificuldade de acesso à saúde, o conjunto dessas populações não tem suas terras demarcadas – o que as impede de produzir e comercializar sua produção agrícola. “Em muitos casos a terra ainda está nas mãos dos fazendeiros. Essas famílias dependem de vender a sua diária para colocar a comida na mesa. E nesse momento de epidemia não está se fazendo. Temos comunidade em situação delicada, passando fome, e nós queremos que o estado brasileiro cumpra seu papel. E não fique jogando a responsabilidade em cima de uns e de outros”, afirma a liderança quilombola.

Nem uma vida a menos

Para Biko, da Conaq, é de se esperar que, ao ter decretado o estado de calamidade, de emergência, possa também assumir sua responsabilidade e cuidar de seu povo – E as comunidades quilombolas fazem parte dele.

“A gente espera ser atendido e de fato salvar vidas de famílias nesse momento. Salvar vidas de trabalhadores e trabalhadoras que possam contribuir para a economia no futuro. Não podemos perder uma só vida, e todas elas são importantes. Esse é o nosso sentimento”.

Enquanto isso, as lideranças quilombolas continuam organizando e orientando as comunidades contra a covid-19. A palavra de ordem, “Fique em Casa“, é mais uma razão para aumento da pressão sobre o estado brasileiro, para que dê condições para que as famílias possam se proteger e a seus territórios.

“Nossa luta vai continuar. O coronavírus veio acentuar uma situação de vulnerabilidade que já existia. A gente espera que o pós-coronavírus traga um novo tempo, e não esse, a continuar matando gente, a continuar não regularizando território quilombola. Que a gente aprenda a lição”, diz Biko.

“Precisamos estar com as nossas estruturas, nossas unidades e territórios sólidos para combater qualquer inimigo, mesmo uma pandemia como essa. Se as comunidades estivesses fortes, houvesse acesso as políticas públicas, essa pandemia talvez não viesse com essa força tão grande e tão avassaladora.”


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