quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Família questiona morte de lavrador por suspeita de febre hemorrágica

Familiares alegam demora em liberação de vaga para transferência hospitalar e aplicação de medicamento errado. Secretaria de Saúde afirma que tomou todas as providências compatíveis com a situação do paciente e investigará denúncias feitas pela família


CARATINGA- A morte de Márcio Martins da Silva, 35 anos, que ocorreu na madrugada de sexta-feira (8), ainda parece sem explicação para a família. O lavrador que morava no distrito de Dom Modesto, com a esposa e três filhos, começou a sentir fortes dores na terça-feira (5) e dias depois deu indícios de hemorragia. Na certidão de óbito, a causa da morte está como ‘desconhecida’. “Como, se ele ficou dias fazendo exames?”, questiona Roseni Martins da Silva, irmã de Márcio.

Segundo Roseni, Márcio procurou o posto de saúde do local onde residia, logo que começou a se sentir mal. Ele teria recebido um encaminhamento para Caratinga, para realização de exames. “Colheram o exame dele e viram que a plaqueta estava em 39. Deram o soro pra ele e mandaram voltar pra casa. Na terça-feira ele esteve novamente na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) sentindo os mesmos sintomas. Foram colhidos novos exames, colocaram no soro, deram remédio pra dor; a plaqueta caiu para 24. Chegando em Dom Modesto, mostrou para o médico novamente, que escreveu um laudo para ele ser internado com urgência”.

Já em Caratinga, a família alega que não houve liberação de vaga para internação, tendo sido informada de que tinham “outros casos mais graves na frente dele”. Eles alegam negligência no atendimento, pois Márcio estava com suspeita de dengue hemorrágica. “Nos falaram que no hospital tinha vaga pelo particular, que era para a gente manter a calma porque não adiantava correr. Fizeram outro exame dele, a plaqueta já havia baixado para 15 e entramos em desespero, vimos que não tinha mais como esperar. Procurávamos saber, eles só falavam que era uma dengue muito perigosa. Mas, até aí ninguém falava o que poderia fazer. Nisso ele foi ficando mais fraco e o médico que atendeu ele na hora, ficamos sabendo que tem rixa com o hospital, não libera o paciente. Ele falou que era esperar que conseguia vaga para talvez em outro dia. Pedimos para tirar ele de lá para levar para o CASU, o médico disse que não ia liberar. Chegaram dois vereadores para nos dar suporte, mas foi em vão, ninguém pôde fazer nada”, declarou Roseni.

Roseni ainda afirma que não foi dado o suporte necessário ao irmão na UPA. “Falaram que ele precisava de sangue e nos informaram que no particular conseguiria, mas no SUS (Sistema Único de Saúde) teria que esperar vaga porque não tinha sangue pra ele. Mas, como assim? E o pessoal que doa sangue, só serve para quem for particular? Isso não existe. Na hora todo mundo se ofereceu para ver se era compatível com ele, porque sabemos que o tempo que ele estava esperando já estava na contagem regressiva. Lá nem cadeira ofereceram para ele sentar ou deitar”.

A saga da família seguiu ao longo de todo dia. Cansados de esperar, finalmente conseguiram levar Márcio para o CASU.  No entanto, minutos depois, teriam recebido uma ligação do secretário de Saúde confirmando a liberação de uma vaga pelo SUS. “Levamos ele no carro, porque nem uma ambulância quiseram liberar para levar. Quando estávamos na porta do CASU com ele, o secretário confirmou vaga no hospital e que era para voltar com ele pra lá. Voltamos e na porta do hospital a recepção falou que ninguém havia ligado e não tinha vaga. Retornamos para o CASU, pediram os exames feitos na UPA para já começar com a medicação rápido e não perder tempo. Eles não quiseram liberar os exames dele, disseram que já que levamos ele para outro lugar, que fizessem lá os exames; e que se fizesse foto ia nos processar. Meu irmão já chegou no CASU direto para emergência, foi entubado e levado para UTI. Vendo meu irmão naquela situação, em cima da cama, no sofrimento. Sentia que ele queria falar alguma coisa porque já ia morrer, a preocupação dele era o dinheiro que ele não tinha para pagar o particular, mas somos muitos irmãos e seja qual fosse o preço iríamos pagar”.

Para os familiares, a falta de uma providência rápida para o caso de Márcio contribuiu para o seu falecimento. Resta o sofrimento daqueles que se sentem inconformados. “Se tivessem internado ele na terça-feira (5) não estaria debaixo da terra, tendo três filhos para criar. Com toda humildade dele, sempre pensou nos filhos dele. Tem um bebê de sete meses; um filho de três anos revoltado, achando que o pai dele está internado. Quando o pai dele saiu falou: ‘Meu filho, o papai vai ao médico e quando voltar vai trazer seu biscoito’. O menino de 11 anos não quis chegar perto do pai no velório, todo mundo revoltado. Meu irmão lutou pela vida até o último momento, com toda a simplicidade dele”.

A família pretende procurar o Ministério Público em busca de responsabilizar os culpados, no caso que envolve possível demora para transferência hospitalar e prescrição errada de medicamento. “O CASU pegou ele, mas já sabendo que estava nas últimas, não tinha mais recursos. A única coisa que o médico falou foi que o medicamento que ele tomou foi um veneno para a condição que ele estava. Ele morreu também por falta de atendimento. A vida dele não teve valor. Os 35 anos que ele viveu, para criar os filhos dele, lá na UPA não teve valor. Quando ele faleceu foi devido a muita hemorragia, sangrou por todos os lados, pelo olho, as fezes saíram sangue. Chegou num ponto que ele não aguentou mais, não tinha mais forças e sangue no corpo dele. Sei que não vai trazer ele de volta, mas vamos buscar justiça. A situação é se tem dinheiro você vive, se não tem você morre”.

SECRETARIA DE SAÚDE

O secretário de Saúde Wagner Barbalho concedeu entrevista na tarde de ontem, para apresentar um posicionamento sobre o caso. Conforme Wagner, tão logo acionada, a Secretaria de Saúde “tomou todas as providências compatíveis com a situação do paciente”. “Com a suspeita naquele momento de febre hemorrágica, fizemos todo o protocolo de assistência, informando a Vigilância em Saúde na pessoa do nosso coordenador José Carlos Damasceno, que cinco minutos depois já estava na UPA fazendo o procedimento necessário numa suspeita dessa magnitude. Também fizemos contato com a UPA, da necessidade de agilizar o cadastro do paciente no SUS Fácil para transferência, que também foi feito dentro de 30 ou 40 minutos após nosso contato. E com o hospital para garantir a vaga do paciente na UTI, fizemos contato com o diretor técnico Luiz Felipe Caram e com o Sinésio, coordenador da enfermagem; mas, por a família já estar ao longo do dia aguardando a transferência do paciente não quiseram esperar e levaram para o CASU. Infelizmente o paciente acabou vindo a óbito”.

O secretário ainda ressalta que a Prefeitura de Caratinga segue em investigação sobre a causa da morte de Márcio. “Todos os procedimentos a partir do contato feito com a Secretaria de Saúde foram feitos para o pré-diagnóstico do paciente. Inclusive, já encaminhamos amostra de sangue para a Funed (Fundação Ezequiel Dias), para fazer o diagnóstico final de qual doença foi acometido o paciente”.

Sobre a alegação da família de que foram pedidos vários exames, mas em nenhum momento foi passado um diagnóstico concreto; o secretário alega que está sendo elaborado um fluxo em busca de facilitar o atendimento dos pacientes. “Estamos finalizando a reabertura do hospital na sua totalidade, essa semana ainda vamos fechar com a diretoria. E para que esse tipo de reclamações não aconteça mais, o que vamos fazer agora para agilizar é que já que o hospital voltou com UTI, maternidade, clínica pediátrica e cirurgias eletivas; estamos encaminhando algumas situações de pacientes que chegam na UPA para o hospital. É bom deixarmos claro que com o retorno do hospital, cada equipamento de saúde vai ter seu papel muito bem definido dentro da rede”.

Em relação aos resultados de exames que teriam sido negados aos familiares, Wagner afirma que haverá uma investigação interna sobre esta questão. “A Aminas está fazendo a gestão da UPA, obviamente que teremos que pedir ao nosso médico auditor para avaliar os procedimentos feitos para darmos uma resposta de acordo com o que está no prontuário do paciente. Sempre digo que essa questão da avaliação médica é uma questão muito criteriosa do médico. Não podemos analisar sem conhecer o porquê que o médico tomou aquela decisão. É um fato novo, vamos investigar se foi negado e o motivo, porque o princípio básico da saúde é que o prontuário é do paciente, tudo é dele. Se ele pediu, tem que ser disponibilizado. Nem a UPA, nem o hospital podem negar nenhum resultado de exame ou algum documento que faça parte o prontuário do paciente, pois é dele por lei”.

Quanto à possível aplicação errada de medicamento, o secretário destaca que, caso seja constatada irregularidade, a responsabilidade é do médico. “Juridicamente, vamos tomar as decisões que precisarem ser tomadas. Vale lembrar que medicação nem o prestador nem a Secretaria pode interferir no que foi aplicado pelo médico. A responsabilidade da aplicação da medicação, prescrever, é um ato médico. Não é responsabilidade nem da Prefeitura nem do Aminas. O médico tanto que prescreveu quanto que falou é responsabilidade dos dois, os atos deles”.


Diário de Caratinga

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