sábado, 23 de março de 2019

Delegacia de Cabo Frio monta equipe para investigar violência obstétrica

Mais duas mortes são investigadas pelo grupo de trabalho montado em virtude de denúncias sobre o Hospital da Mulher



A Delegacia de Atendimento à Mulher de Cabo Frio (Deam) destacou uma equipe especializada para cuidar dos casos de violência obstétrica que vêm sendo registrados na unidade. Segundo a delegada Juliana Rattes, a decisão de montar um grupo de trabalho especialmente para cuidar deste assunto foi tomada após a chegada de várias denúncias relacionadas a problemas ocorridos no Hospital Municipal da Mulher, em Cabo Frio.
- Estamos fazendo um inquérito para apurar todos os casos que vêm chegando ao nosso conhecimento. O importante é que as vítimas venham denunciar. São casos de bastante gravidade e todos os dias chegam novos relatos. Os casos que recebemos até agora ocorreram no Hospital Mulher, neste ano e no ano passado, mas nada impede de investigar fatos anteriores ou ocorridos em outras unidades de saúde, já que a área de atuação da Deam engloba Cabo Frio, Arraial do Cabo, São Pedro da Aldeia e Búzios. Estamos reunindo todas as denúncias com uma mesma equipe, mas a investigação é separada caso a caso - informou a delegada Juliana Rattes.
Ontem a reportagem da Folha teve acesso a mais dois casos de mortes de bebês no Hospital da Mulher que tiveram denúncia formalizada na polícia. Em ambos os casos, as famílias acusam a unidade de negligência.
Um desses casos ocorreu ainda em fevereiro. Lizandra Rodrigues Gonçalves estava com o parto previsto para o dia 18, de acordo com o pré-natal, mas sentiu dores dois dias antes do previsto e foi até o Hospital da Mulher. A mãe de Lizandra, Angélica dos Santos Rodrigues, conta que a filha só foi internada na quarta vez que foi ao hospital.
- Quando ela deu entrada no dia 16, o médico fez o atendimento e mandou de volta para casa. Voltou no dia 18 com dores e mandaram para casa novamente. No dia 24 foi a mesma coisa. No dia 26 queriam mandar de novo para casa mas a gente insistiu. Quando fizeram mais exames ela foi internada. No dia seguinte fizeram o parto e o neném já estava morto. Se o médico do pré-natal disse que o parto seria no dia 18 e no dia 16 ela sentiu as dores, porque já não foi internada ali mesmo? Ela foi três vezes ao hospital com dores e não fizeram nada. Somente na quarta vez foi internada. Ficou indo e voltando até o neném falecer - contou Angélica, que ontem acompanhou a filha até o Centro de Atendimento à Mulher (Ceam) e, depois, até a delegacia.
Lizandra diz que "agora está caindo a ficha", mas que lembra a todo momento da perda do menino Davi Luca.
- Me senti largada. abandonada. Isso acabou com um sonho. Família, projetos, tudo... Tenho uma filha de 8 anos que está chorando o tempo todo, e eu também. Agora está caindo a ficha de tudo que aconteceu - lamentou ela, que, além do atendimento, reclama de ainda não ter tido acesso ao prontuário médico, que é um direito de todo paciente.
- Sem o prontuário não conseguimos saber nem mesmo a causa da morte - completou Lizandra.
Outro caso também denunciado às autoridades foi o de Lorena Verna Mota. Ela conta que chegou no Hospital da Mulher com um sangramento, aos seis meses de gestação, no dia 6 de março, quarta-feira de cinzas. No exame de toque, de acordo com ela, os médicos constatam que havia 4 centímetros de dilatação, incomum para este período da gravidez.
- Quando eu cheguei me colocaram no soro e deram buscopam a cada seis horas para aliviar as cólicas. No dia seguinte diz exames de urina e de sangue. A noite comecei a sentir muitas dores. Chamei o médico e ele não foi no quarto. Só disse para a enfermeira continuar com o buscopam. Na sexta as contrações aumentaram e nada do médico passar no quarto. No fim da manhã passou uma médica que só viu a minha pressão e não fez mais nada. Me mandaram comprar um remédio que iria resolver a dilatação e que estava em falta no hospital. A noite me deram um calmante e eu dormi. No seguinte acordei pior, sangrando muito. A médica só passou de novo no quarto às 11h e quando fez o exame de toque, a dilatação estava máxima. Aí me levaram para a sala de parto - conta Lorena.
Ainda de acordo com ela, a família tentou uma transferência para uma unidade particular, mas o procedimento não teria sido autorizado.
- Minha mãe chegou a pedir para liberarem minha transferência para um hospital particular, porque se o bebê nascesse ali, com seis meses, seria difícil, não tem UTI neonatal, não tem nada. Mas a médica veio e falou na nossa cara que não tinha mais jeito, que o neném não teria chance. Meu filho nasceu com 609 gramas e estava vivo. Eu vi, minha mãe viu e as enfermeiras também. Estava se mexendo e respirando. Mesmo assim a médica disse que ele não teria chance e não fez nada. Não tentaram entubar nem fazer nada. Só colocaram em outro quatro. Quando eu pedi pra ver meu filho, fui até o quarto sem saber de nada e quando cheguei lá já estava morto, enrolado em um pano - relata Lorena.
A reportagem da entrou em contato com a Prefeitura de Cabo Frio e pediu explicações a respeito dos dois casos. A Prefeitura respondeu que está apurando.
– Eu não criei esse caos em seis, sete meses de governo, não. Esse caos na saúde de Cabo Frio... a saúde não se destruiu em seis meses, não. Ela vem sendo destruída ao longo dos anos nesse município – disse o prefeito.
Sobre as mortes ocorridas desde o início do ano no Hospital da Mulher, o prefeito disse que a unidade está dentro dos índices de mortalidade previstos pela Organização Mundial da Saúde.
- O que está sendo passado é que o hospital está matando todo mundo, e não é isso. Um hospital que faz, no mês de janeiro, quase 1.300 atendimentos... em 2018 foram quase 17 mil atendimentos. Como é que esse hospital é esse inferno, meu Deus? É só fazer estatística, pegar os números - alegou o prefeito.







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