Ela receberá a quantia de R$ 5 mil, a título de danos morais, e R$ 15.246,00 por danos materiais.
Número do processo: 0705509-43.2017.8.07.0020
Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)
AUTOR: M. N. M. D. S.
RÉU: COP - CENTRO ODONTOLOGICO PADRAO LTDA., M. B. E. D. S.
SENTENÇA
I. RELATÓRIO
Trata-se de ação de conhecimento proposta por M. N. M. D. S. em desfavor de COP – CENTRO ODONTOLÓGICO PADRÃO e M. B. E. D. S., partes qualificadas nos autos, objetivando indenização por danos materiais e morais em virtude de falha na prestação de serviços odontológicos.
Alega a autora, em breve síntese, ter iniciado um tratamento odontológico junto aos requeridos em 29/05/2012 para a extração de nove dentes, inserção das respectivas próteses e limpeza, ao custo de R$ 1.830,00.
Relata que o aludido tratamento acabou acarretando no rompimento de fragmentos das próteses, inflamações, hálito forte, dificuldade para mastigar, comer e comunicar-se verbalmente.
Aduz ter retornado aos réus em 11/07/2012 para iniciar tratamento corretivo das referidas complicações, pelo qual desembolsou a importância de R$ 6.496,00, afirmando, contudo, que o réu MANOEL optou por não refazer por completo o procedimento odontológico realizado anteriormente, realizando apenas colagens sucessivas dos fragmentos de prótese quebrados, fato este que implicaram em novas complicações.
Afirma que o tratamento se estendeu até meados do ano de 2016, ocasião em que resolveu buscar auxílio junto a outros profissionais dentistas.
Após narrar os fatos e discorrer sobre o direito que entende lhe assistir, requereu: (i) a gratuidade de justiça; (ii) a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 8.326,00; (iii) a condenação dos réus ao pagamento das despesas suportadas com os procedimentos odontológicos a que teve de se submeter posteriormente para reparação dos danos por eles causados; (iv) a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 50.000,00.
A inicial foi instruída com documentos.
A autora optou por promover o recolhimento das custas de ingresso em ID 8810564.
Em audiência de conciliação de ID 11878085, não foi possível o acordo entre as partes.
Devidamente citados, os réus apresentaram contestação em ID 12934361, sustentando, em síntese: (i) a prescrição da pretensão autoral; (ii) a ausência de erro médico, uma vez que a autora abandonou o tratamento odontológico quando ele ainda estava em curso, ainda no ano de 2012; (iii) que a autora já possuía o quadro clínico agravado por periodontal; (iv) que todo o procedimento realizado possui respaldo na literatura médica, havendo sempre agido em conformidade com o código de ética médica; (iv) que não há que se falar em danos morais indenizáveis, pois não praticou qualquer ato ilícito. Pugnam, ao final, pelo acolhimento da prejudicial de mérito e/ou total improcedência dos pedidos.
A parte autora manifestou-se em réplica no ID 13754147.
Por decisão de ID 17139949, foi realizado o saneamento do feito, determinando-se a produção de prova pericial.
As partes apresentaram os seus quesitos em IDs 17387400 e 17511498, sendo o laudo colacionado aos autos no ID 36121537.
Apesar de intimadas (ID 36308731), as partes não se manifestaram acerca do laudo pericial.
Os autos vieram conclusos para prolação de sentença.
É o relatório. DECIDO.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Presentes as condições da ação e os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, não havendo questões pendentes ou irregularidades a serem sanadas, passo ao exame do mérito.
Inicio pela análise da questão prejudicial de mérito suscitada pelos réus em contestação, referente à prescrição da pretensão autoral. E, assim o fazendo, tenho que razão não lhes assiste.
É que, diversamente do pretendem fazer crer os requeridos, o prazo prescricional aplicável à espécie é aquele previsto pelo artigo 27 do CDC, o qual dispõe prescrever em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço. Assim, ainda que seja considerada como termo inicial da contagem do prazo a data do último atendimento realizado na autora constante do prontuário de ID 12934490 – setembro/2012 –, não há que se cogitar da alegada prescrição, uma vez que a presente demanda foi proposta em 06/07/2017.
Prossigo.
A controvérsia instaurada diz respeito à análise da responsabilidade civil dos requeridos por supostos defeitos na prestação de serviços de saúde à parte autora, notadamente em relação ao tratamento odontológico nela realizado no ano de 2012.
A demanda deve ser solucionada à luz do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), eis que a relação jurídica estabelecida entre as partes deriva do fornecimento de serviços médico-odontológico, enquadrando-se a autora no conceito de consumidor (artigo 2º) e apresentando-se os réus na qualidade de fornecedores de serviços (artigo 3º).
Note-se que a aplicação das normas consumeristas à espécie ensejaria, em princípio, na apreensão de que a responsabilidade do cirurgião-dentista (segundo requerido) fosse aferida sob o critério subjetivo, enquanto a da clínica odontológica (primeira requerida) sob o prisma objetivo.
No entanto, a solução da lide deve perpassar, ao fim e ao cabo, pela análise da responsabilidade civil subjetiva, isto é, aferindo-se a culpa do profissional que realizou os procedimentos. Isso porque a imputação de erro, no caso, deriva da negligência e imperícia atribuídas ao cirurgião-dentista, e não de alguma falha havida no aparato material disponibilizado pela clínica onde realizado o tratamento odontológico.
É que a clínica, como fomentadora do acervo material necessário à consumação do tratamento ao qual a requerente se submeteu, somente poderia ser responsabilizada, sob o critério objetivo, em razão da falha do serviço que presta diretamente, ou seja, em decorrência de alguma deficiência nos equipamentos e instalações que integram o aparato posto à disposição dos profissionais dentistas e que são utilizados na execução dos serviços clínicos e cirúrgicos por eles prestados.
No caso, considerando que não fora descrita na inicial qualquer defeito nos serviços fomentados diretamente pela clínica (primeira ré), sua responsabilização é condicionada à subsistência de falha imputável aos serviços executados pelo profissional que atendeu pessoal e diretamente a autora (segundo réu).
Muito embora a responsabilidade civil das clínicas médicas/odontológicas esteja assentada na denominada “teoria do risco do empreendimento”, com natureza eminentemente objetiva, é certo que os riscos inerentes à atividade profissional do médico/dentista não lhe podem ser transmitidos com base apenas na responsabilidade objetiva, mesmo porque o exercício da medicina odontológica não encerra, em regra, obrigação de resultado, mas sim de meio. Ademais, esposar entendimento diverso equivaleria à adoção na hipótese da chamada “teoria do risco integral”, o que, a toda evidência, não se afigura acertado.
Assim, em casos como o presente, a obrigação indenizatória da clínica odontológica somente restará configurada se apurado que, na execução dos serviços prestados, incorreu o cirurgião-dentista em imperícia, negligência ou imprudência, nos termos do artigo 14, §4º, do CDC c/c artigo 186 do Código Civil.
Por outro lado, independentemente de ter atuado direta ou indiretamente na efetiva prestação dos serviços, é certo que a clínica requerida participou da cadeia de serviços mediante a disponibilização de sua estrutura técnica e material para a realização do tratamento ortodôntico, devendo, por isso, responder solidariamente com o cirurgião-dentista requerido por eventuais danos experimentados pela consumidora, decorrentes da falha na atuação daquele.
Estabelecidas essas premissas, tenho que a solução da controvérsia instaurada deve perpassar, necessariamente, pela análise do laudo pericial produzido pela i. expert nomeada pelo juízo.
E, a despeito do esforço argumentativo dos requeridos na defesa da correição dos atos praticados pelo segundo réu, é certo que o laudo pericial foi assertivo ao concluir pela ocorrência de falha nos serviços odontológicos por ele prestados, especialmente no que tange à forma negligente com a qual conduziu o tratamento realizado na autora, ao deixar de solicitar exames indispensáveis e omitir-se no preenchimento adequado de seu prontuário médico, revelando, com isso, grave violação aos direitos da paciente.
Confiram-se as principais conclusões expostas no laudo pericial de ID 36121537:
“(...) que houve erro do requerido no que se refere ao preenchimento do prontuário da requerente, o qual deveria constar todos os atendimentos, a assinatura do requerente em todas as consultas, as propostas de tratamentos ofertadas a requerente com seus materiais respectivos e a sua escolha, a alta da requerida com sua assinatura, além do não ter solicitado exames para realização da primeira parte do tratamento, nem de tomografia para realização da segunda parte do tratamento, e nem exames para avaliar o sucesso do tratamento após a finalização, demonstrando negligencia por parte do requerido. Posso afirmar ainda que a prótese apresentada na perícia pela requerente como a feita pelo requerido, encontrava-se em péssimo estado, quebrada em alguns lugares e remendadas em outros, com o orifício de inserção aos implantes em local inapropriado (vestibular de um dentes, o que sobrecarrega a estrutura). Os problemas observados na prótese implantosuportadas poderiam sim ter causado todos os problemas afirmados pela requerente”.
No ponto, é de se destacar a flagrante contradição na defesa dos réus, porquanto afirmado expressamente em contestação que “(...) o último procedimento realizado junto a Autora foi uma tartarecotomia com profilaxia, em 04 de setembro de 2012 (informação registrada junto à ficha clínica) (...)”, sendo certo, ainda, que os requeridos negaram que a autora tivesse retornado à clínica para realização de reparo do procedimento inicialmente realizado.
Contudo, no laudo pericial restou consignado pela i. expert que “(...) O prontuário anexado ao processo, página 51, encontra-se incompleto, pois não tem os registros dos atendimentos realizados na requerente para o concerto do protocolo, segundo esse prontuário a requerente foi ao consultório pela última vez em setembro de 2012, porém em perícia o Requerente e o Requerido confirmaram que ocorreu pelo menos dois atendimentos para reparo do Protocolo, além disso a requerente afirma na página 2 do processo que o tratamento durou até 2016 (...)” (grifou-se).
Nesse contexto, é de se concluir que o segundo réu agiu com negligência ao deixar de observar os procedimentos adequados ao tratamento do quadro clínico da requerente, fato este que resultou em diversas complicações à sua saúde, levando-a, inclusive, a procurar os serviços de outro profissional.
Não se tratou de simples abandono injustificado do tratamento pela autora, conforme pretende fazer crer a parte ré, mas sim de uma sucessão de condutas negligentes por parte do segundo requerido ao longo de todo o procedimento odontológico realizado, as quais acarretaram o agravamento das complicações da autora e forçaram-na a buscar auxílio junto a outro profissional para o adequado tratamento de seu quadro clínico.
Desta forma, presentes os elementos que ensejam o reconhecimento da responsabilidade civil do segundo requerido – conduta culposa, nexo de casualidade e dano –, deve a clínica ré responder solidariamente pelo resultado danoso causado à parte autora, conforme largamente explicitado em linhas anteriores.
Passo a analisar, então, a pretensão indenizatória formulada pela requerente em sua inicial.
No que tange aos danos materiais, verifico que a autora demonstrou ter desembolsado a quantia de R$ 8.326,00 com os procedimentos odontológicos realizados pelos réus, além do montante de R$ 6.920,00 com o tratamento a que teve de se submeter junto a outro profissional para recuperação de seu quadro clínico (documento de ID 8076139), devendo ser destacado que tais valores em nenhum momento foram objeto de impugnação em sede de contestação.
Assim, é certo que os requeridos lhe deverão restituir a importância total de R$ 15.246,00.
No tocante ao pedido de indenização por danos morais, entendo assistir igual razão ao pleito autoral.
Como cediço, o dano moral consiste na lesão que atinge algum dos direitos da personalidade, gerando constrangimentos e frustrações extremamente significativos, capaz de ofender a própria dignidade da pessoa humana.
In casu, não se pode negar que em razão da falha dos procedimentos adotados pelo segundo requerido emergiram situações tormentosas para a autora, a qual restou violada não apenas em sua integridade física, mas também em seu estado psíquico e moral, especialmente por ter totalmente frustrada a sua legítima expectativa de melhora em sua saúde bucal.
Vale realçar que, diante da falta de critérios objetivos, a fixação da indenização deve ser pautada pela proporcionalidade e razoabilidade, de sorte que o valor definido, além de servir como forma de compensação pelo dano sofrido, deve possuir caráter sancionatório da conduta praticada, considerando-se o comportamento ilícito do ofensor, sendo de todo recomendável que o importe fixado não seja tão excessivo, a ponto de ensejar uma alteração na situação financeira dos envolvidos, nem tão inexpressivo, de modo que redunde em uma nova ofensa à vítima.
Atento às diretrizes acima elencadas, entendo o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) como suficiente para, com razoabilidade e proporcionalidade, compensar os danos extrapatrimoniais sofridos pela requerente.
À vista de tais razões, a procedência dos pedidos é medida que se impõe.
III. DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pleito formulado na petição inicial para: (i) condenar os requeridos, solidariamente, ao pagamento da quantia de R$ 15.246,00 (quinze mil, duzentos e quarenta e seis reais), a título de indenização por danos materiais, acrescida de correção monetária, desde a data do respectivo desembolso, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (ii) condenar os requeridos, solidariamente, ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, acrescida de correção monetária, a partir desta data, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação.
Em face da sucumbência, condeno os réus ao pagamento pro rata das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com fundamento no artigo 85, §2º, do CPC.
Sentença registrada eletronicamente, com a qual resolvo o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo e dê-se baixa na Distribuição, com as cautelas de praxe.
Publique-se. Intimem-se.
Águas Claras-DF, 15 de abril de 2020.
EDUARDO DA ROCHA LEE
Juiz de Direito Substituto
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