Familiares de um idoso de 70 anos relatam o drama vivido durante os dias em que o paciente esteve internado na unidade. Para se ter uma ideia, o idoso não era higienizado e nem recebia alimentação adequada
Manaus – Após cinco dias do falecimento do pai, Raimundo Pereira Batista, 70, a pedagoga Rozana Bastos, 47, procurou o GRUPO DIÁRIO DE COMUNICAÇÃO (GDC) para relatar o descaso vivido pelo aposentado no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, na zona centro-sul de Manaus. Este é mais um dos dramas que enfrentaram e ainda sofrem muitos pacientes e familiares com o colapso do sistema de Saúde do Amazonas.
Com deficiência visual, ocasionada por glaucoma, Raimundo apresentou sintomas de gripe e foi levado para atendimento na unidade hospitalar, no dia 23 de abril, onde já ficou internado. No local ele recebeu a informação de que estava com uma pneumonia viral, que já comprometia 50% de seus pulmões.
Raimundo Batista foi a óbito no Pronto-Socorro 28 de Agosto no domingo passado |
Sem realizar um teste para o novo coronavírus, Raimundo foi levado para a ‘sala rosa’ do hospital, onde ficou internado com outras pessoas. “Não tinha profissionais para atender a todos. A sala (rosa) tinha cerca de 30 a 40 pessoas permanentes, entre contaminados e suspeitos da doença”, disse a filha do aposentado.
Rozana contou que a família pediu permissão ao Serviço Social do HPS 28 de Agosto para que o pai ficasse com um celular. Apesar da deficiência, ela disse que o idoso sabia manusear o aparelho, onde estavam gravados os contatos dos filhos e de familiares próximos. “Em uma das ligações ele disse que já estava tomando cloroquina. Quando perguntamos se já tinha se alimentado, ele disse que tinha tomado café, mas ainda não havia almoçado. Já passava do meio-dia. Meu pai também disse que ainda estava com a mesma roupa”, relatou a pedagoga.
A filha de Raimundo contou que no domingo (26) o pai, em mais uma ligação, informou que estava com fome, se sentindo muito fraco, usando fraldão e com a respiração pesada. “Ele pediu que a gente levasse um calmante, pois sentia o coração muito acelerado e que estava nervoso. Também pedia que a gente o tirasse dali e o levasse para outro hospital para ser tratado”. De acordo com Rozana, Raimundo não era diabético, hipertenso ou cardíaco. “No hospital, a pressão dele ficou alterada”, ressaltou.
Os filhos de Raimundo se revezavam do lado de fora do HPS, de onde falavam com o pai por telefone. Segundo eles, profissionais do hospital tinham conhecimento disso.
Mesmo com a deficiência visual, Raimundo ligou para familiares pedindo ajuda |
Ainda no domingo, ao deixarem a unidade por volta das 18h, Rozana e a irmã receberam a informação de que Raimundo havia ligado para um irmão pedindo ajuda para tirarem ele do 28 de Agosto, porque “iam matar ele”. Elas voltaram ao hospital e comunicaram a situação a uma profissional. “Falamos para uma das enfermeiras que meu pai estava passando mal, e ela perguntou como a gente sabia? Disse que tinha pedido a permissão para ele ficar com um celular, e que ele havia ligado pedindo socorro”.
De acordo com Rozana, a enfermeira foi verificar a situação de Raimundo e como resposta disse que ele havia tirado a máscara de oxigênio. “Tenho certeza que meu pai não tirou, porque ele pedia para viver; dizia que não queria morrer dessa doença (Covid). Baixei um aplicativo no meu celular, onde foram gravadas todas as ligações que eu fiz para ele. Tudo que ele relatava ficou gravado”, garantiu.
O pai de Rozana foi a óbito por volta das 23h30 do último dia 26. De acordo com a pedagoga, os filhos ligavam para Raimundo todas as manhãs, e na segunda-feira (27) estranharam o celular dele estar fora de área. “Desligaram o celular do papai e nós só soubemos da morte 10h depois. O que nos revolta, em tudo isso, é que a roupa que o meu pai foi internado foi a mesma que ele foi sepultado. Temos foto dele no dia em que ele entrou na internação e na hora do reconhecimento do corpo, no necrotério. O corpo do meu pai já estava na câmara fria”, contou.
Segundo Rozana, profissionais do hospital público disseram que ligaram para a família a fim de avisar sobre o falecimento do idoso. “Disseram que ligaram a noite toda para a gente. Deixamos cinco contatos e não ligaram para nenhum dos nossos números”, ponderou. “Sabiam que meu pai era um idoso com deficiência visual e não fizeram higiene nenhuma nele, não trocaram as roupas; ele chegava ao banheiro apalpando as paredes. Ele ficou fraco por não receber alimentação. Levamos todos os produtos de higiene pessoal, roupas limpas, lençol, toalha e nada foi usado”, desabafou.
“Não perdemos o papai apenas para essa doença, mas para a incapacidade de um governo com uma saúde defasada, quebrada, que não tem respeito pelo povo”, disse revoltada.
“A minha preocupação, hoje, é quanto às pessoas que estão na mesma condição que meu pai esteve. Quantas famílias estão sofrendo nos hospitais, principalmente no 28 de Agosto, com um ente querido internado por ter sido infectado com esse vírus? Onde está a lei que os ampara? O atendimento digno? O Estado deveria priorizar a saúde e prestar um atendimento mais humanizado à sua população. Fazer valer os direitos daqueles que com ou sem pandemia procuram essas unidades de saúde, porque se procuram é porque precisam. Por isso, mais respeito, por favor”, finalizou emocionada.
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