Um aspecto especialmente interessante do pensamento budista sobre a medicina é a ênfase atribuída à sabedoria do paciente
Simard: É verdade. E o papel dos médicos certamente não é fácil. Eles precisam ganhar a vida e, ao mesmo tempo, enorme pressão social os obriga a recorrer às tecnologias avançadas na área médica. Contudo, nada justifica a negligência em não cultivar um relacionamento satisfatório com seus pacientes. Aparelhos de alta tecnologia não devem, de forma alguma, excluir o fator humano. Acredito que o currículo acadêmico da medicina deva ser continuamente revisado a fim de prover treinamentos teóricos e práticos da relação médico–paciente.
Ikeda: Hipócrates via o médico como um celeiro de sugestões valiosas. Ele declarou que os médicos deveriam aprender a criar uma atmosfera animada e reconfortante, pois a formalidade e a frieza distanciam igualmente os que têm saúde e aqueles que estão doentes. Não há dúvida de que é muito desagradável encontrar um médico frio, arrogante e formal. Hipócrates recomendava que ambas as cadeiras, a do médico e a do paciente, fossem da mesma altura. E alertava as pessoas a não menosprezar aqueles que sofriam, mas a considerá-los iguais e a tratá-los com benevolência e compaixão.
Simard: O relacionamento médico–paciente deve ser totalmente revisto e reestruturado. Esse é um problema que diz respeito a todos os profissionais da área médica.
Ikeda: Sim, compreendo. Devemos restaurar os laços humanos. Assim como Hipócrates, Shakyamuni descreveu o médico ideal como alguém que brilha com verdadeira humanidade. Por exemplo, uma passagem do Sutra Reis Soberanos da Luz Dourada orienta os médicos a tratar os doentes com compaixão e sem pensamentos gananciosos de lucros pessoais.
Um aspecto especialmente interessante do pensamento budista sobre a medicina é a ênfase atribuída à sabedoria do paciente. O Grande Cânone das Regras Monásticas encoraja as pessoas a buscar conhecimento e a expandi-lo, a desenvolver sua personalidade e a usar sua sabedoria e seu conhecimento pelo bem de sua saúde.
Simard: Todos nós devemos pensar seriamente em informar e educar os leigos. Em todos os países existe uma grande distância a separar o indivíduo informado do não informado — aqueles que podem ler e julgar com olhos críticos as notícias de avanços tecnológicos em contraste com aqueles que carecem de conhecimentos básicos para entender a avaliar os acontecimentos científicos e tecnológicos. Como consequência dessa ignorância, muitos aceitam cegamente as afirmações da eficácia de qualquer tratamento ultrapassado ou acabam recusando oportunidades de receber um tratamento que possa realmente ajudá-los. O resultado é um grande número de vítimas de charlatões inescrupulosos.
Ikeda: Ninguém deve ser enganado por essas atitudes gananciosas. As pessoas precisam de sabedoria e bom-senso para não ser ludibriadas.
Simard: Na era em que vivemos, se quisermos preservar o elemento humano na vida, devemos nos assegurar de que cada vez mais pessoas possam analisar os problemas sociais e científicos e dialogar sobre eles.
Ikeda: É evidente que os melhores elementos da natureza humana estão sendo perdidos. O sucesso se mede de outras maneiras. Repare nas palavras de um poeta de Québec, Felix Leclerc (1941-1988): No meio de tantas mãos / tentando privá-lo de tudo / que bela é a única mão / que se estende para oferecer-lhe algo. Nesta época extremamente materialista, a maioria das pessoas parece totalmente voltada para o lucro à custa dos outros. No meio de tantas mãos arrebatadoras, a única que oferece ajuda brilha mais do que nunca. Espero que este diálogo, ao despertar a consciência, seja visto como uma “mão que oferece ajuda”.
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