O direito de ser informado e de ter o seu consentimento prévio e esclarecido, expressos nos documentos médicos do paciente.
Para inúmeros questionamentos nos casos de suspeitas de erro médico, ou mesmo de avaliação da qualidade da prestação do serviço público de saúde aos usuários do SUS e dos planos de saúde, o prontuário médico é uma importante fonte de prova.
É de responsabilidade profissional e civil dos médicos a obrigatoriedade de se anotar no prontuário do paciente todas as informações relativas ao seu atendimento, todos os procedimentos adotados e realizados, todas as conclusões, prescrições e informações relevantes.
Ocorre que, desde há muito, devido a uma prática de natureza autoritária de prestação do serviço médico e de saúde, alguns profissionais da área da saúde se recusam a informar devida e previamente ao paciente sobre as suas decisões terapêuticas, os riscos à que o submetem, e não se preocupam em colher o seu consentimento prévio e devidamente esclarecido ou, na impossibilidade de manifestação da vontade pelo paciente, dos seus representantes legais.
Existe certamente a obrigatoriedade de obtenção do consentimento livre, informado e prévio do paciente, nos termos de regramentos da medicina, tal como a seguir na primeira resolução de cunho bioético no Brasil expedida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), para regulamentar o consentimento do paciente:
Considerando que deve caber ao paciente, ou, em certos casos, a seus parentes ou responsáveis, a inteira responsabilidade pelo consentimento de todo e qualquer ato de elucidação diagnóstica ou terapêutica;
Considerando que o paciente deve ser informado do diagnóstico, prognóstico e tratamento de seu caso;
Considerando que cabe ao médico estabelecer bom entendimento na relação médico-paciente, em todos os casos;
Considerando que o médico deve sempre comunicar ao paciente a risco específico de todo e qualquer procedimento médico e cirúrgico;
Considerando que, especialmente em hospitais de ensino, freqüentemente se torna indicado o procedimento de meios de diagnóstico «post mortem»;
Considerando o que consta do Processo CFM n. 121/78, Considerando, finalmente, o decidido em Sessão Plenária realizada aos 12 dias do mês de fevereiro de 1982, resolve:
Art. 1o O médico deve solicitar a seu paciente o consentimento para as provas necessárias aos diagnóstico e terapêutica a que este será submetido.
Art. 2o Quando o paciente não estiver em plenas condições para decidir, o consentimento ou autorização para necropsia poderá ser dada por pessoa de sua família, ou seu responsável, em caso de paciente considerado incapaz.
Art. 3o Nos hospitais, casas de saúde, maternidades e outros estabelecimentos de saúde que internem pacientes, poderá ser solicitada autorização para necropsia, de preferência no ato do internamento.
Sem a atuação de acordo com o regramento da boa prática médica, muitos atendimentos e procedimentos podem ser realizados por vontade única e exclusiva do profissional de saúde, e até das instituições de saúde, tais quais hospitais, planos, fundações, associações e assim por diante.
Outras vezes a postura terapêutica do médico é consentida pelo paciente, mas impedida pelo plano de saúde ou pela instituição de saúde, por ingerência indevida no ato médico.
O paciente, parte vulnerável na atividade de prestação de serviços de saúde, primeiro por estar doente, e segundo por ser consumidor, e que possivelmente é parte hipossuficiente da relação jurídica de direito material, sujeito aos abusos de poder econômico, fica sem alternativas e se submete mesmo sem saber a muitos protocolos de pesquisa com seres humanos, a medicamentos desnecessários e a procedimentos inúteis ou excessivamente nocivos à sua saúde especificamente considerada.
Não restam dúvidas que, neste contexto, não há alternativas ao prontuário médico, que deverá conter todas as informações, para a defesa de pacientes expostos às situações de questionável atuação profissional, e até mesmo para a defesa do profissional da saúde, na ocorrência de danos que se atribua à má-conduta, ou até mesmo em hipóteses de negativas indevidas de atendimentos e de tratamentos médicos.
Assim, o prontuário do paciente é o espaço físico onde as defesas e denúncias de má-atuação profissional necessariamente encontrarão suas moradas, naturalmente porque aquilo que ali constar, em relação direta de causalidade com o dano e com as necessidades de tratamentos, informará ao julgador e colocará sob a luz do direito a razão jurídica da solução ao impasse de saúde.
Cabe ao médico e ao profissional, previamente, consultar o paciente, anotar as peculiaridades, e detalhes de cada caso e atendimento de saúde, de modo a que o paciente possa a qualquer tempo ter acesso a essas informações, e assim, seja sempre parte do procedimento, previamente à tomada de decisões e às atitudes terapêuticas, para que se garantam e se promovam os plenos direitos que todos tem de exercer sua liberdade e sua dignidade humana.
O paciente pode recusar o atendimento que seja informado e sugerido pelo profissional de saúde, mas para isso precisa saber a que está sendo submetido com todos os detalhes necessários à sua consciente tomada de decisão de aceitar ou não o que se lhe proponha.
A informação devidamente prestada pode e decerto vem a impedir danos e sua majoração, pois que conduz as situações de saúde e tratamento por caminhos viáveis e plenamente sabidos pelo paciente.
Nota-se, também, em muitos casos de queixas de ocorrência de erro médico, em que a atuação é realizada pelo médico ou pelo profissional de saúde, tal qual o dentista, o enfermeiro, e outros, que a relação profissional-paciente foi prejudicada, seja por uma atitude arrogante dos profissionais de saúde, seja pela promessa indevida de resultados em casos em que estes são incontroláveis, ou na ocorrência futura aos procedimentos de resultados indesejáveis não informados e esclarecidos previamente, que resumem uma postura pouco humanizada no tratamento do paciente e de seus problemas, dúvidas e angústias, que decerto levam ao aumento da dor e do sofrimento, indevidamente, causando, além de outros, danos morais.
É grave que profissionais e mesmo instituições de saúde possam sonegar os prontuários dos pacientes, ou mesmo neles alterar ou omitir informações importantes por sua própria conta e risco.
Em outros casos podem submeter o paciente a verdadeiras dificuldades para obter seus prontuários, que apenas são conseguidos por vias judiciais ou após longo período majorado de angústias. Essas negativas são também imorais, e ilegais, descumprem os contratos de prestação de serviços de saúde e deveriam também submeter seus praticantes a punições e a consequências profissionais e civis.
De acordo com o Código de Ética Médica do CFM (Conselho Federal de Medicina) estão previstas proibições aos médicos com relação ao prontuário médico, notadamente nos artigos a seguir:
Capítulo XDOCUMENTOS MÉDICOS
É vedado ao médico:
Art. 85. Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade.
Art. 86. Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu representante legal quando aquele for encaminhado ou transferido para continuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta.
Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
§ 1o O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.
§ 2o O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente.
Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros.
Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.
§ 1o Quando requisitado judicialmente o prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.§ 2o Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.
Art. 90. Deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu paciente quando de sua requisição pelos Conselhos Regionais de Medicina. Art. 91. Deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando solicitado pelo paciente ou por seu representante legal.
Também a resolução 1.605/2000 do CFM estabelece a obrigatoriedade de liberação do prontuário médico ao paciente.
No seu art. 6º consta o seguinte:
Art. 6º - O médico deverá fornecer cópia da ficha ou do prontuário médico desde que solicitado pelo paciente ou requisitado pelos Conselhos Federal ou Regional de Medicina.
De igual modo importante é a manutenção dos prontuários à disposição dos pacientes e arquivados devidamente por longo período, qual seja, no mínimo por 20 (vinte) anos em suporte de papel, desde que não digitalizados:
Art. 8º Estabelecer o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel, que não foram arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado.
Ocorre que a realidade dos fatos de saúde não depende apenas do prontuário, que é decerto fundamental, de propriedade e disposição livre e protegida do paciente, mas a sua ausência ou incorreção levam à conclusão favorável de que se pode supor por indícios e provas, em determinados casos, que a falha de má atuação ou de negativa de atendimento decerto ocorreu, e por responsabilidade de uma atuação profissional ou contratual em desacordo com as boas práticas de saúde.
Por Paulo André Messetti, advogado, formado em direito na USP e mestre em bioética
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