sexta-feira, 1 de março de 2019

Homem tem perna amputada após tratamento com ozônio em clínica no DF

Paciente de 41 anos diz que recebeu recomendação para suspender uso do antibiótico durante a ozonioterapia. Defensoria Pública fala em 'negligência'; médico nega.


Mulher faz teste em laboratório 

Com uma infecção no pé, o comerciante Leonardo dos Santos, de 41 anos, recorreu a um tratamento conhecido como ozonioterapia, em uma clínica do Distrito Federal, para tentar resolver a causa das dores que ele sentia há mais de um ano.

Ao todo, foram 30 sessões de aplicação do gás ozônio no corpo, segundo ele, com a promessa de que ficaria curado. O procedimento custou cerca de R$ 5 mil.

Apesar do tratamento, o paciente – que já tinha uma indicação médica para amputar o pé – acabou tendo que amputar também parte da perna. Leonardo procurou a Defensoria Pública do DF (entenda abaixo) que levou o caso à Justiça nesta quarta-feira (27).

Leonardo Rodrigues amputou a perna no ano passado

O tratamento com ozônio


Segundo o paciente, o médico ginecologista Ulysses Gomes, responsável pela clínica de "medicina integrada", em Taguatinga, "garantiu a cura da osteomielite". A doença é uma inflamação crônica do osso causada por infecção.

"Na clínica, ele disse que os outros médicos estavam equivocados e que não seria preciso amputar a perna", disse Leonardo ao G1. "Falou que iria me curar, pediu para eu parar de tomar a medicação [antibióticos] e receitou remédios naturais".

"Sofri por mais de um ano fazendo um tratamento que não resolveu meu problema. Ele sabia que não iria me curar, mas eu acreditei."

No ano passado, o Conselho Federal de Medicina determinou que a terapia com ozônio só pode ser aplicada em caráter experimental. Na prática, isso significa que médicos não podem cobrar de pacientes em nenhuma etapa da aplicação.

Mas Leonardo diz que cada sessão de ozonioterapia custou cerca de R$ 170.

O que diz o médico


Procurado pela reportagem, o médico que aplicou as doses de ozônio em Leonardo nega que tenha garantido a cura do paciente ou que tenha recomendado a suspensão dos medicamentos convencionais.

"Foi explicado para ele que poderia tentar um tratamento complementar com a ozonioterapia para evitar a amputação. Não tem negligência em parte nenhuma".

O ginecologista afirma ter uma pós-graduação em medicina ortomolecular e que, há cinco anos, pratica a terapia com ozônio em pacientes do DF. "É um tratamento paralelo", afirma.

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Caso na Justiça


Se sentindo lesado por causa da cobrança de valores nas sessões, pela promessa de cura da osteomielite e pelo suposto pedido de suspensão dos antibióticos, o comerciante Leonardo dos Santos decidiu levar o caso à Justiça.

Nesta quarta (27), a Defensoria Pública do DF afirmou que "houve negligência" no caso. Segundo o defensor Antônio Carlos Cintra, "o médico deveria ter informado ao paciente de que se trata de tratamento experimental, alertado-o para não interromper o tratamento convencional".

"A vida do paciente foi posta em risco, ele sofreu dores e constrangimentos com 30 sessões em que se injetava ozônio com uma agulha grossa em seu osso e inseria outra dose por meio de uma mangueira em seu ânus. Houve até mesmo parada cardíaca com reanimação na própria clínica", contou o defensor ao G1.

Na ação protocolada na Justiça do DF, a Defensoria pede, ainda, que o paciente seja indenizado em R$ 94,6 mil. O valor leva em consideração a existência de danos morais e materiais.

"É bastante possível que, se mantido o tratamento convencional, a perna dele tivesse sido amputada de todo modo, por isso, não é possível afirmar que houve culpa pela amputação, mas sem dúvida houve negligência."

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O que diz o CRM


Ao G1, a presidência do Conselho Regional de Medicina no DF afirmou que a ozonioterapia "não pode ser usada como tratamento único" e que a aplicação do gás deve seguir o protocolo estabelecido pelo comitê ético de pesquisa em medicina.

"O paciente deve assinar um termo de consentimento de que está esclarecido sobre o tratamento, e nenhum médico pode prometer que vai curar a doença", afirmou Farid Buitrago, presidente do conselho.

"Não podemos concluir que a ozonioterapia prejudicou o paciente ou não, mas é fato que ela não pode ser utilizada fora dos protocolos de pesquisa."

Para reportagem, Leonardo nega que tenha assinado qualquer documento que o informasse sobre o caráter experimental da prática e que "em nenhum momento essa informação foi passada".

Ozonioterapia


A ozonioterapia é uma técnica que utiliza uma mistura de gases oxigênios (O2) e ozônio (O3) por várias vias: são aplicadas injeções ou a administração pode ser via retal, por exemplo.

A finalidade é terapêutica, mas, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), não há estudos com metodologia adequada que comprovem as várias promessas da terapia.


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