Segundo familiares não foi cumprida a ordem judicial de transferência da vítima atingida por militares no domingo (7)
Luciano Macedo tentou salvar família em carro atingido por 80 tiros por militares do Exército / Reprodução |
A família do catador Luciano Macedo, de 27 anos, morto nesta
quinta-feira (18), está indignada duplamente com a conduta e o descaso
das autoridades públicas. Segundo o advogado da família, João
Tancredo, havia uma determinação judicial de transferência da vítima,
mas essa decisão não foi cumprida pelo hospital e pelos médicos do
hospital de Marechal Hermes, no Rio de Janeiro. Luciano foi atingido por
militares no último domingo (7), quando tentou salvar o músico Evaldo
Santos Rosa, que teve o carro atingido por mais de 80 tiros por oficiais
do Exército no bairro de Guadalupe.
“As medidas jurídicas serão tomadas, primeiro em relação ao não
cumprimento da ordem judicial e a execução de multas que foram fixadas.
Depois, vamos representar contra os médicos que fizeram uma cirurgia não
autorizada que agravou o estado de saúde do Luciano, levando à morte, e
também contra a direção do hospital”, contou Tancredo, acrescentando
que vai entrar com ação de indenização moral e de danos morais contra a
União, já que Luciano deixou a mãe e a mulher grávida.
Procurada pelo Brasil de Fato, a Secretaria de Saúde
do Estado do Rio disse em nota que “todos os esforços clínicos
necessários foram realizados com o objetivo de oferecer o melhor
atendimento ao paciente”.
Execução
Especialista em segurança pública, cientista política e antropóloga, a
professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jacqueline Muniz
disse ao Brasil de Fato que a morte do catador Luciano Macedo “não se tratou de um acidente ou de incidente, mas de execução”.
“Na tragédia do fuzilamento, vidas conseguiram sair vivas porque a
incompetência decisória foi corrigida pela incapacidade de atirar. Se
eles soubessem atirar como agentes das Forças Armadas, não teria sobrado
ninguém. Então, observe a desproporção e o exagero inaceitável”,
criticou a especialista.
Presidente da organização não governamental Rio de Paz, Antonio
Carlos Costa responsabilizou o Estado pelas mortes de Evaldo e de
Luciano. No caso do catador, que passou os últimos 10 dias internado no
Hospital Carlos Chagas, na zona norte do Rio, ele afirma que houve dupla
negligência, primeiro quando os militares ignoraram a agonia da vítima e
depois pelo tratamento recebido nos últimos dias
“É uma morte causada pelo Brasil. Quem atirou nele foram soldados do
Exército, três tiros nas costas de quem iria socorrer as vítimas.
Depois, o Exército ignorou a agonia da vítima, que implorava por ajuda
após ser atingida pelos disparos. O Estado também ignorou o desespero da
família. Era para ele ter tido o melhor atendimento médico, as melhores
condições hospitalares, uma vez que essa morte foi causada por uma ação
do Estado brasileiro”, disse Antonio Carlos.
Índices
Nesta quinta-feira (18), o Instituto de Segurança Pública (ISP)
divulgou que o índice de mortes por intervenção de agentes públicos
aumentou 18% em relação ao mesmo período do ano passado – 109 em março
de 2018 e 129 em março de 2019.
Ouvidor da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), Pedro
Strozenberg disse que a morte de Luciano se soma à sucessão de episódios
trágicos provocados pela legitimação e estímulo governamental a esse
tipo de atitude de agentes públicos de segurança.
“Era um rapaz pobre, num bairro pobre e conflituoso, que se dispôs a
fazer uma ação solidária no meio de um cenário adverso e temerário de
tiros, crianças chorando, mulheres correndo. Vivemos uma lógica em que é
mais decisivo atirar e perguntar depois, no estímulo de uma fala
governamental autorizando esse tipo de postura. É um cenário preocupante
e assustador. Essa morte é o símbolo de uma falência do Rio de Janeiro e
ela precisa nos motivar a reagir de forma pacífica e exigir justiça”.
Responsabilidades
A prisão de agentes que participaram da ação que resultou na morte de
inocentes no último dia 7 não satisfaz a sociedade, segundo a cientista
política Jacqueline Muniz. Ela cobra a responsabilização de todo o
comando responsável pelos acontecimentos. Muniz lembrou que os militares
faziam um serviço de patrulhamento e guarda da Vila Militar, que fica
próxima ao bairro de Guadalupe.
“É preciso que venha a público toda a cadeia de comando e controle
militar responsável pelo patrulhamento corporativo nas vilas militares.
Trata-se de um condomínio. É um condomínio militar, mas é condomínio.
Portanto, há comando, há oficiais, suboficiais e praças, e não só
aqueles que atiraram. Queremos saber qual o padrão de tiro, qual é o
treinamento dessas pessoas, se esses armamentos são adequados, se os
procedimentos operacionais são de patrulha urbana. Tudo isso precisa vir
à público, é isso que faz parte do mundo da república, uma vez que a
missão das Forças Armadas é uma missão concedida pela sociedade, e a
sociedade cobra por essas vidas”, questionou Muniz.
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