quinta-feira, 25 de abril de 2019

Novo código de ética permite que médicos entreguem prontuário de paciente à Justiça

Regras entram em vigor no próximo dia 30; documento também garante ao profissional paralisar as atividades em locais onde a situação coloque em risco a sua própria saúde, do paciente ou de demais profissionais

Novo Código substitui o atual, que está em vigência desde 2009 Foto: AFP
"Havia um impedimento ético da entrega dos documentos. Agora isso pode ser feito, mas apenas para a Justiça e  em casos específicos", conta o corregedor do Conselho Federal de Medicina, José Vinagre.  Com a mudança o profissional poderá ser obrigado a entregar na Justiça o histórico de atendimento para comprovar, por exemplo, a existência de doenças no momento da contratação de convênio.  

Há também ações propostas para avaliar a interdição de direitos. Nesse caso, o prontuário serve como um instrumento importante para avaliar as condições da pessoa que é alvo do pedido de interdição. Outra possibilidade é quando existe suspeita de erro médico.  

“Até agora, nossa recomendação era argumentar que o prontuário é propriedade do paciente e, ainda, citar a obrigação do sigilo profissional”, contou o corregedor. “Mas houve o entendimento de que, quando o pedido é feito pela Justiça, a entrega é necessária.” Isso não vale, no entanto, nos casos de pedidos da Polícia Civil ou Promotoria de Justiça. 

A nova versão do Código passa a valer no dia 30 de abril e substitui um texto de 2009. Para Vinagre, as mudanças são pontuais, com atualizações de regras anteriores. Temas polêmicos, como a telemedicina e o uso de mídias sociais por médicos serão tratados por resoluções específicas.  

O sigilo do paciente é apontado como um dos pilares do código. O prontuário deverá ser legível e conter dados clínicos que permitam fazer uma reconstituição de todo o histórico do atendimento. Caso o paciente seja voluntário em uma pesquisa para avaliar medicamentos ou outras terapias, o prontuário poderá ser entregue. Mas, desta vez, apenas se houver o consentimento do cliente.

Pesquisa

O texto do código traz ainda algumas novidades na área da pesquisa. A nova versão permite que voluntários sejam submetidos a terapias conhecidas como “placebos de mascaramento”. Esse recurso é usado para testar novas drogas e para que pesquisadores não saibam qual grupo está sendo submetido ao uso do produto a ser testado e qual está usando medicamentos já conhecidos da ciência.  

A versão atual do regulamento não permite o uso desses placebos. “Isso acaba se transformando em um empecilho para os estudos. O que continua proibido é o uso de placebo isolado, a combinação de substâncias que sabidamente não têm efeito terapêutico”, disse Vinagre.  

O novo texto também traz normas de proteção para voluntários de pesquisa considerados como vulneráveis, como crianças, adolescentes ou com alguma doença mental. Nesses casos, a participação em estudos somente será permitida com o consentimento do representante legal e, além disso, o assentimento do próprio voluntário, na medida da sua compreensão. Também não é permitida a participação de voluntários que sejam direta ou indiretamente dependentes ou subordinados do pesquisador.  

Outros pontos foram mantidos, como a necessidade de se respeitar a vontade do paciente e de seu representante legal e o respeito à dignidade do paciente terminal. Em situações clínicas irreversíveis, a recomendação é a de que o médico evite a realização de diagnósticos ou terapias desnecessários, que apenas prolonguem o sofrimento. O médico também está desobrigado a prestar serviços que contrariem sua consciência – como no caso de abortos, ainda que exista uma previsão legal.  

O código também garante ao profissional exercer a profissão em condições adequadas e recusar-se a trabalhar em locais que coloquem em risco a própria saúde, do paciente ou dos demais profissionais envolvidos.

'Pode beneficiar pacientes'

Para o professor da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Mário Scheffer, a mudança nas regras de envio de prontuários médicos por determinação judicial pode acelerar o trâmite de processos. Ele ressalta que, na maior parte dos casos, as decisões judiciais para entrega de informações médicas já eram cumpridas – mas o envio era feito a um médico perito. Agora, o juiz terá acesso direto ao prontuário. 

"O envio pelo médico de informações diretamente ao juiz pode acelerar e beneficiar pacientes", diz Scheffer, que pesquisa a judicialização na área da Saúde. Ele diz que é cada vez mais comum que juízes peçam acesso direto a informações médicas. “Estão mais preocupados em se basear tecnicamente. Há uma tendência de mais solicitações de juízes para obter informações sobre a saúde do paciente, até para que possa decidir favoravelmente a ele.” 








Nenhum comentário:

Postar um comentário