A
pós ficar constatado erro médico e falta de estrutura do centro de
saúde durante procedimento cirúrgico, o juiz Thiago Soares Castelliano
Lucena de Castro, da 2ª Vara Cível e Fazendas Públicas da Comarca de
Jataí, condenou a Clínica Santa Clara e um médico anestesista a pagarem indenização por danos morais de R$ 600 mil à Cynthia Naufal e seu esposo.
Cynthia Maria Rezende Naufal se internou na Clínica Santa Clara,
em Jataí, para submeter-se a cirurgia plástica reparadora de mama e
abdômen no dia 10 de junho de 2003. Contudo, ela nunca pode usufruir do
resultado do procedimento estético. Por causa de problema após a
anestesia peridural alta, com parada cardiorrespiratória, a mulher ficou
com sequelas motoras e psicológicas permanentes, precisando de ajuda
para tarefas simples, como alimentação e higiene pessoal.
O montante da indenização é dividido em R$ 400 mil para a paciente e R$
200 mil para seu marido, Nagib Nicolau Naufal, que a representou na
ação. Na justificativa para o valor, o magistrado destacou que “a
repercussão do presente caso no meio social foi intensa, pois, além de
vinculado na imprensa local e regional, a vítima Cynthia teve seu
direito da personalidade, em especial o direito de controlar o uso de
seu corpo, imagem e aparência, diretamente violado pelos réus, a partir
do momento que foi privada de viver normalmente, necessitando
diariamente de cuidado de terceiros. E o autor Nagib teve seu direito
conjugal abruptamente interrompido”. Ainda conforme a sentença, as
requeridas deverão pagar pensão mensal vitalícia a Cynthia, de um
salário mínimo, uma vez que ela ficou incapacitada permanentemente para
exercer qualquer trabalho.
Consta dos autos que a cirurgia plástica
de Cynthia transcorreu normalmente e ela foi levada para o quarto cerca
de 30 minutos após o término do procedimento, ainda sedada. Os
acompanhantes da mulher perceberam que ela estava bastante pálida, com
aspecto cadavérico e com a pele gelada. Eles chamaram a técnica em
enfermagem que, por sua vez, acionou um médico para fazer massagem
cardíaca na paciente. Cynthia foi transferida para Goiânia de avião,
onde foi internada no Hospital Neurológico e foi diagnosticada com
“remetabolização anestésica”.
Apuração das responsabilidades
Na sentença, Thiago Castelliano verificou que a Clínica Santa Clara
não dispunha de médico plantonista, enfermeira responsável trabalhando
no horário da internação de Cynthia, dentre outras irregularidades, como
ausência de sala de recuperação pós-anestésica e central de materiais
esterilizados. Meses depois do problema sofrido pela autora, o setor de
internação, inclusive, foi interditado por não cumprir exigências do
Ministério da Saúde.
Para apurar a responsabilidade médica, o
magistrado elucidou que, apesar de terem sido requeridos três médicos no
processo – o anestesista, o cirurgião plástico e o auxiliar – é
necessário separar a conduta de cada um no caso. “Em razão das
atualizações da medicina e a especialidade de cada profissional, as
responsabilidades são individualizadas, devendo observar as obrigações e
metodologias disponíveis para cada área e seu emprego no caso concreto.
Assim, não se pode, por exemplo, responsabilizar o cirurgião-chefe por
ato ilícito praticado pelo anestesista”. Dessa forma, apenas o médico
anestesista foi condenado a indenizar, por não haver indícios de
intercorrências durante o procedimento operatório de Cynthia.
Para constatar que houve negligência por
parte do anestesista, Thiago Castelliano colheu depoimento e constatou
que não foi obedecido resolução do Conselho Federal de Medicina nº
1.363/93, em vigor na época dos fatos, que determina, antes de qualquer
anestesia, ser indispensável consulta com o paciente – o que não
ocorreu. Ainda, conforme a mesma normativa, cabe ao especialista
analisar os critérios de alta do paciente após o período anestésico.
“Portanto, é de responsabilidade do
anestesista a alta do paciente do centro cirúrgico ou sala de
recuperação pós-anestésica para o quarto, devendo ocorrer somente quando
as funções fisiológicas vitais estiverem dentro dos parâmetros de
normalidade. Na audiência ficou constatado que os sinais vitais da
autora ficaram mantidos durante todo o tempo da cirurgia e durante algum
tempo do pós-operatório, porém, o relatório de enfermagem relata que a
paciente ” retornara ao leito sedada, sonolenta, sendo vedado pela
literatura médica a alta da paciente no primeiro estado (sedada)”,
ponderou o juiz.
Por fim, o magistrado destacou que, como o
procedimento realizado pela autora não era de baixa complexidade
“deveria o anestesista ter permanecido mais tempo com a autora Cynthia
na sua presença e só ter retornado-a ao quarto após o término da
sedação. Os acompanhantes da paciente não tinham conhecimentos técnicos
de um histórico pós-cirúrgico, e nem pode a eles ser imputada tal
obrigação, afinal essa competência é adstrita aos profissionais médicos.
Sendo assim, retorno aos elementos do crime culposo, quais sejam,
violação do dever de cuidado e previsibilidade, para verificar a
configuração da conduta culposa do anestesista. No caso, tenho que o
anestesista agiu com dupla negligência: não conheceu das condições
clínicas da paciente com a devida antecedência e concedeu a alta precoce
do centro cirúrgico”. Veja aqui a sentença. (TJGO com adaptações Route News)
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