O médico, que é uma das referências da área na capital, foi alvo de mandado de busca e apreensão. Ele é suspeito de pedofilia
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) cumpriu, nessa quarta-feira
(17/04/19), mandado de busca e apreensão no consultório de um médico
especializado em neurologia infantil investigado por, supostamente, abusar sexualmente
de garotos durante as consultas. O profissional é alvo de inquérito
instaurado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA),
que apura as suspeitas de pedofilia.
A operação ocorreu no consultório do profissional, em uma
clínica no fim da Asa Norte, e na casa dele, no Sudoeste. Policiais da
DPCA buscavam provas que confirmassem as denúncias, feitas por pais e
relatadas pelas próprias vítimas em depoimentos.
Equipamentos como computadores, HDs, mídias, telefones celulares e
outros dispositivos eletrônicos foram apreendidos e encaminhados para
perícia no Instituto de Criminalística da Polícia Civil.
O Metrópoles averiguou que o médico alvo da operação é
considerado um profissional de renome em neuropediatria. No Distrito
Federal, só atende em consultas particulares – não aceita convênio – e a
fila de espera chega a meses. Ele também é professor de medicina na
Universidade de Brasília (UnB).
Em razão de as investigações serem preliminares e a perícia nos
equipamentos apreendidos não ter sido concluída, o nome do neurologista
pediátrico será mantido em sigilo. Caso a PCDF confirme as suspeitas, a
identidade dele será divulgada pela reportagem.
De acordo com as apurações da DPCA, a unidade especializada registrou
duas ocorrências, nos anos de 2013 e 2014, nas quais o neurologista
infantil é acusado de molestar crianças. Contudo, as denúncias foram
arquivadas pelo Poder Judiciário a partir de manifestação do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
No entanto, em dezembro de 2018, os policiais voltaram a receber
denúncias contra o médico e reabriram as investigações, após instaurar
novo inquérito.
Vítimas traumatizadas
A reportagem localizou e
entrevistou duas mães e um dos adolescentes envolvidos, que, mesmo sem
se conhecerem, relataram histórias semelhantes sobre os supostos abusos
sexuais cometidos pelo médico. Uma advogada de 49 anos contou com
detalhes como seu filho (foto em destaque), então com 11 anos e hoje com 17, se tornou vítima do profissional.
Segundo a mulher, em 2013, o filho começou a apresentar sinais de
déficit de atenção. Ela foi orientada pela escola em que o menino
estudava a marcar uma consulta com o especialista em neurologia infantil
no Distrito Federal. A mãe, que acompanhou todas as consultas do filho
durante o período de um ano, começou a desconfiar da atitude do médico
logo nas primeiras visitas.
A advogada relatou que a disposição dos móveis, paredes e biombos
evitava que a criança fosse vista no momento em que era examinada na
maca do consultório.
"Estava a uma distância muito próxima enquanto meu filho era abusado.
Apesar de tantos anos terem se passado, ainda sinto uma enorme culpa,
misturada com raiva e indignação"
“Ele tocou em mim”
Segundo a mãe, o
próprio garoto disse o que ocorria durante as consultas: “Sempre pedia
para meu filho ficar de cueca e depois tirá-la. Em uma oportunidade, ele
revelou que o médico examinou sua perna e acabou passando a mão em sua
genitália”.
O adolescente lembrou-se de, na época, admitir à mãe que o neuropediatra havia tocado em seus órgãos genitais e de ter dito a ela que não voltaria mais ao consultório. “Ele passou a mão em mim de uma forma diferente”, desabafou para a mãe.
Ainda em 2013, a advogada conversou com o filho, e ambos decidiram
procurar a Polícia Civil para registrar a ocorrência, que foi apurada,
em um primeiro momento, pela 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte). O
médico chegou a ser intimado e a prestar depoimento, mas foi liberado em
seguida. O caso acabou arquivado por falta de provas.
Revoltada, a advogada procurou o Conselho Regional de Medicina
(CRM-DF) e o Ministério Público local (MPDFT) para relatar os supostos
abusos, mas as denúncias não avançaram. Ela contou ainda que, após ter
sido molestado, o garoto precisou passar por tratamentos psicológicos e
psiquiátricos, com uso de medicação.
Crises de ansiedade
O caso se assemelha ao de uma
professora aposentada de 53 anos. Ela revelou que seu filho se tornou
vítima dos abusos do médico a partir de outubro de 2016. “Esse
neurologista foi muito bem recomendado. Mesmo morando longe da Asa
Norte, resolvi levar meu filho para as consultas”, disse. O garoto,
então com 13 anos, apresentava dificuldades na escola e as notas
oscilavam.
Mais uma vez, o neuropediatra fazia todos os exames de reflexos,
equilíbrio e coordenação motora. Em seguida, o paciente era deixado
apenas de cueca, sem que a mãe percebesse. “O consultório é montado de
forma a deixar uma falsa sensação de segurança. De fato, não é o que
ocorre”, lamentou a professora.
Após as primeiras consultas, a mãe percebeu que o filho começou a
apresentar um comportamento que sinalizava crises de ansiedade. O
adolescente passou a lavar as mãos a todo instante, ir ao banheiro
diversas vezes por dia e até a arrancar tufos do próprio cabelo. “Além
disso, ele se recusava a tomar a medicação, escondendo os remédios nos
bolsos do uniforme escolar e nas gavetas de casa.”
Mãe de uma das vítimas fala sobre a sensação de impotência |
Dois anos de assédio
A professora desconfiou de
que algo estava errado com o tratamento do filho e sobre a forma como o
médico agia. “Me incomodava o fato de, no momento de se despedirem, o
médico abraçar meu filho de forma tão demorada e intensa”, afirmou.
Com a piora no comportamento do filho, a mãe decidiu intensificar as
conversas e perguntava sempre se o médico tratava o filho com respeito.
“Em um primeiro momento, ele disse que sim, mas depois ficava calado
diante dos meus questionamentos”, lembra-se.
Já em novembro de 2018, o adolescente resolveu contar à mãe que
estaria sendo assediado pelo neurologista pediátrico. “Ele falou que seu
pênis era examinado e tocado constantemente”, afirmou. Nunca mais o
rapaz, atualmente com 15 anos, retornou ao consultório do médico.
Exames desnecessários
O Metrópoles
ouviu dois médicos especialistas em neurologia sobre os exames e
procedimentos feitos pelo médico denunciado pelos pacientes. Sem se
identificarem, ambos os profissionais foram categóricos ao afirmar que
tocar e examinar o pênis dos pacientes é uma ação completamente fora do
padrão do profissional neurologista e sem qualquer contexto.
De acordo com uma médica renomada na especialidade, os primeiros
exames devem englobar os testes de equilíbrio, reflexo e coordenação
motora. “Não existe qualquer atendimento padrão em que o neurologista
precise examinar e tocar nos órgãos genitais ou seios dos pacientes”,
disse. “É um caso muito sério”, afirmou a profissional, com mais de 30
anos de experiência na área.
Procurado pela reportagem, o CRM-DF não havia se manifestado até a última atualização deste texto.
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