As condições do
Hospital Psiquiátrico foram consideradas “péssimas” na última avaliação
do governo, segundo os critérios mínimos das diretrizes nacionais de
saúde mental
Por Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania da Universidade Federal da Paraíba (LouCid/UFPB)
Mais
um hospital psiquiátrico é fechado no Brasil: o Instituto de
Psiquiatria da Paraíba (IPP). Esta notícia foi dada numa reunião
realizada no dia 16 de abril de 2019 pela Coordenação Estadual de Saúde
Mental da Secretaria de Saúde da Paraíba.
O
IPP passou por uma inspeção do Programa Nacional de Avaliação dos
Serviços Hospitalares (PNASH) 2006/2008, obtendo a pontuação 56,76%,
considerada “péssima/ruim” de acordo com os critérios mínimos
estabelecidos pelo referido programa do governo federal. Nessas
essas inspeções, o IPP foi identificado enquanto local com condições
insalubres de higiene e responsável por maus tratos e torturas aos
pacientes.
Conforme
informado, após o descredenciamento dos leitos do IPP do Sistema Único
de Saúde (SUS), vários pacientes receberam alta, inclusive os chamados
“moradores” (pessoas que ali estavam internadas há anos e que perderam
os vínculos familiares, dentre outras situações), sendo que os últimos
foram retirados da instituição no dia 3 de abril de 2019. Alguns deles
foram realocados para o Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira (CPJM),
hospital psiquiátrico sob a gestão da referida Secretaria de Saúde.
Para
o Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania da Universidade
Federal da Paraíba (LouCid/UFPB), o fechamento definitivo desses leitos é
uma importante medida, que está em conformidade com os princípios da
Reforma Psiquiátrica brasileira e com as disposições da Constituição
Federal, da Lei federal nº 10.216/2001 e da Lei estadual nº 7.639/2004″
“Tendo
em vista que tal legislação proíbe a internação de pessoas em
sofrimento mental em instituições com características asilares, o
fechamento do IPP significa a garantia dos direitos humanos dessas
pessoas, as quais merecem atenção e cuidado em liberdade, através dos
diversos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial no estado
da Paraíba”, destacou a direção do LouCid/UFPB.
Fachada do Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP) |
Tortura, insalubridade e maus tratos
O
IPP passou por uma inspeção do Programa Nacional de Avaliação dos
Serviços Hospitalares (PNASH) 2006/2008, obtendo a pontuação 56,76%,
considerada “péssima/ruim” de acordo com os critérios mínimos
estabelecidos pelo referido programa do governo federal, tendo um prazo
de 90 dias para readequação às normas de assistência psiquiátrica.
Porém,
a instituição deixou o prazo transcorrer sem adotar as devidas
providências, até que em 15 de março de 2018, foi descredenciada do SUS
pela Secretaria de Saúde de João Pessoa, atendendo à recomendação do
Ministério Público Federal (MPF).
Tal
procedimento foi baseado nos relatórios da vistoria conjunta realizada
no ano anterior pelos Conselhos Regionais de Psicologia, Medicina,
Enfermagem e de Serviço Social da Paraíba, Coordenação de Saúde Mental
da Secretaria de Estado de Saúde da Paraíba, Agência Estadual de
Vigilância Sanitária e Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa,
além de uma vistoria pelo próprio MPF.
Na
inspeção realizada em 2017, consta que o local era sujo e fétido, não
havia higiene nos refeitórios e banheiros, o chão estava sempre molhado e
sujo, havia infiltrações e goteiras no telhado. Além disso, os
pacientes sofriam torturas e maus tratos, relatados em detalhes por
egressos do IPP, que em meio às crises mais acentuadas, eram arrastados
até um local que chamavam de “Coréia”, uma ala em que os pacientes com
problemas psiquiátricos mais graves eram mantidos em condições de
degradação humana.
Após
essas inspeções, o IPP foi identificado enquanto local com condições
insalubres de higiene e responsável por maus tratos aos pacientes, indo
na contramão da Política Nacional de Saúde Mental e de toda literatura
produzida sobre o cuidado em saúde mental. As condições em que viviam
essas pessoas constituíam graves violações aos seus direitos, amparados
pela Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais.
Vitória da luta antimanicomial
Ainda
assim, o IPP recorreu ao Judiciário estadual para reverter o
descredenciamento, obtendo uma medida liminar parcial da 6ª Vara da
Fazenda Pública da Justiça Estadual para manutenção dos custos de
internação dos pacientes que estavam internados. A ação foi remetida à
Justiça Federal, após atuação do MPF, uma vez que o ato que indicou o
descredenciamento do IPP ocorreu a partir de avaliação coordenada pelo Ministério da Saúde, logo, esfera federal.
Ao
mesmo tempo, destaca-se a atuação da sociedade civil organizada,
através de movimentos e coletivos antimanicomiais, como grupos de
usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental e o LouCid/UFPB,
que pautaram o tema junto às diversas esferas da sociedade, como os
órgãos de comunicação e entidades de defesa dos direitos humanos, a
exemplo da Defensoria Pública da União, do Comitê Estadual de Prevenção e
Combate à Tortura e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos
Advogados do Brasil – seccional da Paraíba, bem como junto à Câmara
Municipal de João Pessoa, que promoveu uma audiência pública no dia 9 de
maio de 2018 com ampla participação social, na qual foi debatido o
descredenciamento do IPP.
O
não financiamento público de leitos em hospitais psiquiátricos e o
fechamento de uma instituição total, de caráter asilar, e que
desrespeita e retira direitos humanos de pessoas em situação de
sofrimento mental, é uma vitória de um projeto de saúde mental pública e
humanizada, fruto da Reforma Psiquiátrica baseada na luta
antimanicomial e em diálogo com os diversos segmentos e atores sociais
desse campo.
Em
tempos de retrocessos infindáveis na conjuntura política atual do
Brasil, com efeitos diretos nas políticas de saúde, é importante
ressaltar vitórias como esta, que concretiza e dá seguimento à luta por
uma sociedade sem manicômios, na qual as pessoas em sofrimento mental
sejam tratadas com respeito, dignidade e liberdade.
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