segunda-feira, 22 de abril de 2019

Hospital Psiquiátrico na Paraíba é fechado após constatações de tortura e maus tratos a pacientes


As condições do Hospital Psiquiátrico foram consideradas “péssimas” na última avaliação do governo, segundo os critérios mínimos das diretrizes nacionais de saúde mental

Por Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania da Universidade Federal da Paraíba (LouCid/UFPB)

Mais um hospital psiquiátrico é fechado no Brasil: o Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP). Esta notícia foi dada numa reunião realizada no dia 16 de abril de 2019 pela Coordenação Estadual de Saúde Mental da Secretaria de Saúde da Paraíba.

O IPP passou por uma inspeção do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH) 2006/2008, obtendo a pontuação 56,76%, considerada “péssima/ruim” de acordo com os critérios mínimos estabelecidos pelo referido programa do governo federal. Nessas essas inspeções, o IPP foi identificado enquanto local com condições insalubres de higiene e responsável por maus tratos e torturas aos pacientes.

Conforme informado, após o descredenciamento dos leitos do IPP do Sistema Único de Saúde (SUS), vários pacientes receberam alta, inclusive os chamados “moradores” (pessoas que ali estavam internadas há anos e que perderam os vínculos familiares, dentre outras situações), sendo que os últimos foram retirados da instituição no dia 3 de abril de 2019. Alguns deles foram realocados para o Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira (CPJM), hospital psiquiátrico sob a gestão da referida Secretaria de Saúde.

Para o Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania da Universidade Federal da Paraíba (LouCid/UFPB), o fechamento definitivo desses leitos é uma importante medida, que está em conformidade com os princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira e com as disposições da Constituição Federal, da Lei federal nº 10.216/2001 e da Lei estadual nº 7.639/2004″

“Tendo em vista que tal legislação proíbe a internação de pessoas em sofrimento mental em instituições com características asilares, o fechamento do IPP significa a garantia dos direitos humanos dessas pessoas, as quais merecem atenção e cuidado em liberdade, através dos diversos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial no estado da Paraíba”, destacou a direção do LouCid/UFPB.

Fachada do Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP)

Tortura, insalubridade e maus tratos

O IPP passou por uma inspeção do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH) 2006/2008, obtendo a pontuação 56,76%, considerada “péssima/ruim” de acordo com os critérios mínimos estabelecidos pelo referido programa do governo federal, tendo um prazo de 90 dias para readequação às normas de assistência psiquiátrica. 

Porém, a instituição deixou o prazo transcorrer sem adotar as devidas providências, até que em 15 de março de 2018, foi descredenciada do SUS pela Secretaria de Saúde de João Pessoa, atendendo à recomendação do Ministério Público Federal (MPF). 

Tal procedimento foi baseado nos relatórios da vistoria conjunta realizada no ano anterior pelos Conselhos Regionais de Psicologia, Medicina, Enfermagem e de Serviço Social da Paraíba, Coordenação de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde da Paraíba, Agência Estadual de Vigilância Sanitária e Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, além de uma vistoria pelo próprio MPF.

Na inspeção realizada em 2017, consta que o local era sujo e fétido, não havia higiene nos refeitórios e banheiros, o chão estava sempre molhado e sujo, havia infiltrações e goteiras no telhado. Além disso, os pacientes sofriam torturas e maus tratos, relatados em detalhes por egressos do IPP, que em meio às crises mais acentuadas, eram arrastados até um local que chamavam de “Coréia”, uma ala em que os pacientes com problemas psiquiátricos mais graves eram mantidos em condições de degradação humana.

Após essas inspeções, o IPP foi identificado enquanto local com condições insalubres de higiene e responsável por maus tratos aos pacientes, indo na contramão da Política Nacional de Saúde Mental e de toda literatura produzida sobre o cuidado em saúde mental. As condições em que viviam essas pessoas constituíam graves violações aos seus direitos, amparados pela Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.

 Vitória da luta antimanicomial

Ainda assim, o IPP recorreu ao Judiciário estadual para reverter o descredenciamento, obtendo uma medida liminar parcial da 6ª Vara da Fazenda Pública da Justiça Estadual para manutenção dos custos de internação dos pacientes que estavam internados. A ação foi remetida à Justiça Federal, após atuação do MPF, uma vez que o ato que indicou o descredenciamento do IPP ocorreu a partir de avaliação coordenada pelo Ministério da Saúde, logo, esfera federal.

Ao mesmo tempo, destaca-se a atuação da sociedade civil organizada, através de movimentos e coletivos antimanicomiais, como grupos de usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental e o LouCid/UFPB, que pautaram o tema junto às diversas esferas da sociedade, como os órgãos de comunicação e entidades de defesa dos direitos humanos, a exemplo da Defensoria Pública da União, do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional da Paraíba, bem como junto à Câmara Municipal de João Pessoa, que promoveu uma audiência pública no dia 9 de maio de 2018 com ampla participação social, na qual foi debatido o descredenciamento do IPP. 

O não financiamento público de leitos em hospitais psiquiátricos e o fechamento de uma instituição total, de caráter asilar, e que desrespeita e retira direitos humanos de pessoas em situação de sofrimento mental, é uma vitória de um projeto de saúde mental pública e humanizada, fruto da Reforma Psiquiátrica baseada na luta antimanicomial e em diálogo com os diversos segmentos e atores sociais desse campo. 

Em tempos de retrocessos infindáveis na conjuntura política atual do Brasil, com efeitos diretos nas políticas de saúde, é importante ressaltar vitórias como esta, que concretiza e dá seguimento à luta por uma sociedade sem manicômios, na qual as pessoas em sofrimento mental sejam tratadas com respeito, dignidade e liberdade.





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