domingo, 9 de julho de 2017

O MPPE, por meio do CAOP Criminal, emite nota técnica sobre erro médico para subsidiar PJs



 NOTA TÉCNICA CAOPCrim nº 002/2017


Ementa: Enfrentamento de subnotificação e/ou precária apuração de fatos ilícitos derivados de erros médicos.



 O CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS CRIMINAIS do Ministério Público do Estado de Pernambuco, no uso de suas atribuições, visando orientar, sem caráter vinculativo, os órgãos de execução do MPPE com atuação criminal, e considerando os indicativos de subnotificação à Polícia Judiciária e/ou precária apuração de fatos ilícitos derivados de erros médicos nas unidades de atendimento à saúde, públicas ou privadas, de qualquer esfera, em todo e qualquer município pernambucano, elabora a presente Nota Técnica visando dar subsídios para que os colegas possam identificar e coibir tal prática, mediante o devido processo legal consubstanciado através de procedimento investigatório criminal – PIC e, até mesmo, respectiva ação penal.

De início, cumpre esclarecer que fatos ilícitos decorrentes de intervenção médica podem ocorrer, obviamente, de forma não diretamente pretendida (dolo direto), mas sim, com a assunção do resultado pelo profissional de saúde (dolo eventual) e até mesmo pela inobservância das regras de atenção, juridicamente classificadas como imprudência, imperícia ou negligência (culpa) na realização do ato, com a previsibilidade do resultado danoso ao paciente.

A repetição de situações ocasionadoras de lesões em intervenções de ordem médica, ou similar, podem denotar o descaso profissional para com o melhor enfrentamento da necessidade de tratamento ou serviço a ser prestado em unidades hospitalares, de atendimento à saúde ou congêneres, não podendo simplesmente serem tratadas como obra do acaso ou acidentes involuntários ou não previsíveis, engrossando cada vez mais uma lista de situações sequer levadas ao conhecimento do Poder Judiciário, na esfera criminal. Como exemplos, temos a desorientação ou orientação inadequada nos exames necessários ao acompanhamento de gestação, complicações no parto oriundas de negligências à parturiente – que podem levar ao óbito de mãe e filho –, não observância das regras e padrões técnicos em tratamentos e cirurgias – que podem causar lesões corporais de natureza leve ou grave –, dentre outras inimagináveis ocorrências.

Infelizmente, nos últimos anos, de acordo com estudos e notícias que circulam na mídia, tais situações parecem acontecer com maior freqüência, levando-se, inclusive, o Ministério Público a atuar no procedimento penal, como nos seguintes casos emblemáticos:

a) Ação Penal nº 000184-29.2002.8.17.0230, tramitado na Comarca de Barreiros, que culminou com a condenação do médico e diretor da Maternidade e Casa de Saúde, por homicídio culposo com inobservância de regra técnica de profissão (artigo 121, §§ 3º e 4º do Código Penal);  
b) Denúncia datada de abril de 2017, oferecida pela Central de Inquéritos da Capital em desfavor de dois médicos investigados no IP nº 09.906.9038.00598/213.1.3 – DPCA, pela suposta prática de homicídio culposo contra adolescente(artigo 121, § 3º do Código Penal);
c) Ação Penal nº 0005065-11.2015.8.17.1130, tramitando na Comarca de Petrolina, que apura as responsabilidades de médico e enfermeiro pela suposta prática de lesões corporais gravíssimas em paciente (artigo 129, §1º, inciso II, e § 2º, inciso III, do Código Penal);
d) Inquérito Policial oriundo do B.O. nº 08913E0179002387, da 89ª Delegacia de Polícia de Caruaru, que investiga a morte do paciente Heleno Alves da Silva, ainda no ano de 2013.
 
Apesar disso, vários desses casos parecem desaguar no lugar comum da impunidade, já que, por vezes, a prova técnica produzida não esgota todas as possibilidades e ângulos para se firmar uma responsabilidade além da esfera civil (indenizatória por responsabilidade objetiva da entidade prestadora do serviço), sendo comum vislumbrar perícias de pouca abrangência ou que demoram por demais para serem concluídas. É de se notar, ademais, a preocupação com os crimes de menor monta, processados perante os Juizados Especiais Criminais, cujos prazos de extinção de punibilidade pelo decurso de tempo são bem menores, especialmente nos casos que gerem lesão corporal de natureza leve ou fatos sabidamente culposos.  

Muitos desses casos, inclusive, poderiam não figurar como objeto de investigação criminal, acaso não surgisse – pelos próprios familiares das vítimas, entidades do terceiro setor ou até mesmo dedicados profissionais da área – a preocupação em promover o alerta das autoridades competentes, posto que, em grande número de vezes, os fatos que geram danos são apurados apenas na esfera administrativa, pelos institutos coorporativistas, com grande estatística firmada pela não repercussão em área penal, o que gera a subnotificação de ilícitos decorrentes de “erro médico” para a Polícia, o Ministério Público e, claro, o Poder Judiciário.

Tal lamentável situação parece ocorrer em todo o território nacional, levando até mesmo o Ministério Público do Estado da Bahia, ainda no ano de 2006, a viabilizar a criação do Núcleo de Apuração de Crimes Relativos a Erros na Área de Saúde – NACRES, com o objetivo de acompanhar especialmente os respectivos procedimentos investigatórios até eventual deflagração de ação penal.
 
Assim, percebe-se que deve haver a atenção do órgão ministerial aos indícios de ocorrência de fatos penalmente relevantes derivados de “erros médicos”, sugerindo-se aos membros do Parquet, dentre outras medidas, que se propague ou adote:

a) a verificação inicial (ainda no âmbito da notitia criminis) de elementos que apontem perfunctoriamente ao animus da conduta, a fim de bem orientar a polícia judiciária na condução das investigações nos respectivos termos circunstanciados de ocorrência ou inquéritos policiais, com o estrito atendimento de seus prazos, zelando pela produção da prova pericial por órgão oficial do Instituto de Medicina Legal que aponte todas as circunstâncias do contexto examinado;
b) a orientação às partes para a produção facultativa de prova pericial por assistentes técnicos, na forma prevista pelo Código de Processo Penal, especialmente em seu artigo 159, §§ 3º, 4º, 5º, inciso II, 6º e 7º, também com a eventual habilitação da parte interessada nos autos, na qualidade de assistente do Ministério Público e com fulcro nos artigos 268 a 273, também do CPP, o que pode ser exercido, inclusive, pelo órgão da Defensoria Pública nos termos da lei;
c) a atuação com prioridade nos procedimentos que envolvam possíveis crimes por intervenção médica ou de profissionais da área de saúde, evitando-se a ocorrência da prescrição.

         Recife, 29 de maio de 2017.
 
Luis Sávio Loureiro da Silveira
 Promotor de Justiça
 Coordenador do CAOP-Criminal
 

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