O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) condenou, na última quinta-feira (8/11), o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) a pagar R$ 60 mil aos três filhos de um paciente morto em 2015.
Os desembargadores entenderam que há necessidade de reparação por danos estéticos e perda de uma chance. O caso trata de paciente teve a medicação no braço extravasada, o que causou necrose e infecção, seguida de cirurgia plástica. Dois depois, o homem morreu.
O procedimento cirúrgico suspendeu a quimioterapia do paciente. Para o relator, Rogerio Favreto, não se trata de caso fortuito. “Considerado o avançado estágio da doença, onde verificada a debilidade da vítima, isso não pode ser interpretado como um evento imprevisível e, por essa razão, inevitável”. O desembargador ainda afirma que era dever do hospital “atentar-se quanto à possibilidade de a medicação, eventualmente, vir a extravasar, considerando-se, aqui, especialmente, a escolha de cateter utilizado (periférico)”.
Segundo Favreto, também houve abuso de direito pela quebra de confiança. Isso porque o paciente não sabia dos riscos de extravasamento e tinha legítima expectativa de que o tratamento seria efetivado de forma satisfatória, afirmou o relator.
“Com essas duas circunstâncias, ausência de caso fortuito e abuso de direito, não se verifica a causa excludente de responsabilidade do HCPA, razão pela qual é devido o dever de indenizar”, concluiu o magistrado.
Pelo dano estético os autores da ação receberão R$ 10 mil. O hospital ainda deverá pagar R$ 50 mil pela perda de uma chance. A indenização, no total de R$ 60 mil, será corrigida com juros e correção monetária retroativos ao evento danoso.
Sobre a perda de uma chance, Favreto afirmou: “Na perspectiva do erro de natureza médica lato sensu, a teoria é apreciada sob enfoque diferenciado, apresentando suas próprias características. Aqui, diferentemente de a chance se concretizar numa situação melhor futura do ponto de vista eminentemente material (econômico), apresenta-se como perda no contexto da chance de sobrevivência ou de cura, como a perda do direito à oportunidade a um tratamento médico”, explicou o desembargador.
No caso concreto, ele entendeu que:
“- o agente estatal não responde pelo resultado (morte) para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou o paciente;
– não há necessidade de se apurar se o bem final (a vida, no caso dos autos) foi tolhido da vítima: o fato é que a chance de ser submetido a um tratamento médico digno, com maior expectativa de sobrevida lhe fora subtraído;
– a chance, em si, é considerada, aqui, um bem autônomo, cuja violação dará lugar à indenização de seu equivalente econômico”.
Defesa do HCPA
O hospital gaúcho alega que não houve erro na aplicação da medicação, mas “ocorrência fortuita, embora não desejada”, registra o processo. Ainda diz que o paciente recebeu todo o cuidado assistencial indicado para os danos ocorridos. A instituição ainda nega que o extravasamento tenha causado a morte ou abreviado a vida do paciente.
As alegações do hospital foram acolhidas pelo juiz Bruno Brum Ribas, de primeira instância, que negou em 2017 a ação dos filhos do paciente morto. Na sentença, o magistrado disse que, como não ficou demonstrado erro médico, não poderia cogitar indenização por consequências do sofrimento. “Do contrário, o Hospital teria que indenizar todo sofrimento que decorresse de um procedimento cirúrgico, por exemplo, mesmo que necessário e realizado sem qualquer erro, desde que adviesse sofrimento ao paciente”, escreveu.
Os filhos recorreram ao TRF4 após ter a ação negada em primeira instância. Os autores alegavam que é inadmissível que a responsabilidade do hospital seja afastada sob argumento de caso fortuito. Segundo os filhos, o pai teria reclamado de dor e mesmo assim não teria sido verificação do acesso intravenoso.
A desembargadora Vânia Hack de Almeida não concordou integralmente com o relator. ” Internado em julho de 2015, o paciente iniciou a quimioterapia em agosto e veio a óbito em outubro do mesmo ano. Quais seriam, então, as sérias e reais chances?”, questiona.
“Concluir que a interrupção no tratamento por conta da necrose suprimiu chances reais e sérias de cura ou de sobrevida é compreender o dano pela perda de uma chance in re ipsa [que dispensa prova do prejuízo da vítima ou culpa de quem causou o dano], com o que não se concorda”.
Leia a íntegra da decisão no processo 5009097-34.2017.4.04.7100.
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