Clínicas da Saúde do Rio têm feito as pessoas se sentirem estranhas no ninho
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Cabeleireira Elisângela Ramos dos Santos reclama de ter precisado fazer cadastro mais de uma vez |
Rio - Anunciadas como um "marco" no modelo de Atenção Primária na cidade, as Clínicas da Saúde do Rio têm feito os cariocas se sentirem estranhos no ninho. Ao chegar às unidades, em busca de atendimento, são obrigados a preencher de novo todas as suas informações, como nome, endereço, contatos, documentação e até histórico médico. Muitos se queixam aos atendentes, pois já receberam inclusive visitas dos agentes em casa, para detalhamento de seu histórico de saúde.
Moradora do Rio Comprido, a dona de casa Luciane Félix de Souza, de 26 anos, levou o filho de 10 anos, nesta segunda-feira, à Clínica da Família Estácio de Sá para cuidar de uma fratura no pé direito do menino. Ao receber o atendimento inicial, o funcionário da unidade pediu que ela respondesse a um questionário. Ela estranhou, já que são as mesmas perguntas feitas ao paciente quando se dirige pela primeira vez ao posto.
“Eles me avisaram que o cadastro dele não estava no sistema. Eu questionei, já que a gente vem aqui com frequência. Essa não é a primeira vez que isso acontece, tenho que repetir todos os dados. É desagradável pelo tempo que leva até fazer tudo de novo. Fora o risco que pode representar para alguém que necessita de um acompanhamento. É muita confusão e muito descaso”, reclama.
A cada três meses, a cabeleireira Elisângela Ramos dos Santos, de 43 anos, precisa ir ao posto para receber cinco medicamentos de controle da hipertensão crônica. Em todas as ocasiões, passa por avaliação médica. Mesmo assim, nesta segunda-feira, também precisou refazer o cadastramento.
“Quando cheguei para a consulta, eles falaram que eu tinha que fazer um novo cadastro. Não me disseram o porquê. E não deram nenhum esclarecimento. Eu tenho todas as minhas receitas guardadas e um caderno de anotações onde concentro todas as informações sobre a minha saúde. A gente sabe que os médicos mudam e que é importante guardar o nosso histórico. Mas aí, acontece esse tipo de coisa, que me causa até ansiedade”, desabafou.
Moradora do Centro, a autônoma Jessica Batista, de 28 anos, esteve no final do mês passado com a mãe, no Centro Municipal de Saúde Oswaldo Cruz, na mesma região. Na ocasião, elas também precisaram responder ao questionário.
“Há cinco anos, somos atendidas aqui. Na última vez, fomos informadas que os dados tinham sido perdidos. Tivemos que fazer tudo novamente. O mesmo aconteceu com minha irmã”, disse.
Com fortes dores no corpo causadas pela chikungunya, o técnico de operações Helder Câmara Oliveira, de 48 anos, estranhou ao procurar atendimento no Centro Municipal de Saúde Ernani Agrícola, em Santa Teresa. Foi obrigado a repetir dados como nome e endereço, o que nunca tinha acontecido em consultas anteriores. Morador do bairro, ele já recebeu visita das equipes de saúde em sua casa e, em ocasiões anteriores, seus dados eram acessados pelas equipes da unidade pelo prontuário eletrônico. Foi no posto que procurou socorro quando, em 2016, foi infectado pelo vírus da zika.
"Já recebi visita em casa, conversei com os agentes de saúde, e todas as minhas informações médicas estavam no sistema do posto. Eu estranhei muito quando tive que dar todas as informações para abrir formulário mais uma vez. Fico preocupado de terem perdido inclusive as informações sobre outras pessoas que tiveram zika, isso é fundamental para controle da epidemia".
Servidores da Secretaria de Saúde que preferiram não se identificar por medo de retaliação afirmam que o problema começou quando o sistema de gerencia os prontuários digitais foi trocado pelo do e-SUS, que é o sistema nacional. Já na implantação, as informações dos pacientes foram perdidas. Essa limitação não impede o atendimento à população, embora, para especialistas, seja um erro "desastroso", pois os médicos e enfermeiros perdem informações fundamentais para conhecer a história do paciente.
Em nota oficial, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio nega que houve perda de dados nas Clínicas da Família localizadas na área da Coordenação de Atenção Primária (CAP 1.0 ), onde estão localizados os postos visitados. O órgão informa que as "unidades da região estão realizando "uma atualização nos cadastros dos moradores da área, a fim de que os usuários possam sempre manter dados como endereço e telefone em dia e a atualização também é utilizada para identificar usuários que foram redirecionados para outras unidades de referência, de acordo com o georeferenciamento do território. E que estão à disposição dos usuários para dúvidas".
De acordo com especialistas no setor, a implantação do e-SUS acabou se tornando uma dor de cabeça para profissionais de saúde, e já se cogita a substituição por um novo sistema de planilhas eletrônicas. Os especialistas se dizem preocupados com as consequências da implantação do e-SUS. "É fundamental para o atendimento de pacientes nas Clínicas da Família conhecer seu histórico. Informações chave como quadros e tratamentos anteriores sumiram, como as data de nascimento também. É totalmente ineficiente", declarou uma fonte ligada à área de TI da Prefeitura que também preferiu não se identificar.