quinta-feira, 18 de julho de 2019

Mulher que teve gaze esquecida na vagina desabafa: “Estava podre”

Erika Pereira Nascimento é uma das 11 pacientes que denuncia o Hospital Regional de Samambaia por negligência médica. PCDF investiga casos



Não bastasse o trauma de perder o primeiro filho por complicações na gestação, Erika Pereira Nascimento (foto em destaque), 25 anos, sofreu com a negligência dos profissionais de saúde do Hospital Regional de Samambaia (HRSam). De acordo com a autônoma, os médicos responsáveis pelo parto do natimorto esqueceram, em seu útero, duas gazes utilizadas no procedimento cirúrgico.

Ao Metrópoles, Erika relatou ter procurado a unidade após realizar exame de ultrassom que apontou a morte precoce do bebê. Diante da comprovação, a equipe optou pela internação da jovem. “Eles [médicos] disseram que não tinha como fazer mais nada. Fizeram os procedimentos de internação, mas só fui fazer o parto no dia seguinte, por volta das 5h”.

Dois dias após o parto, a autônoma recebeu alta médica e voltou para casa. No entanto, durante a recuperação, começou a ter complicações. “Fiz todo meu resguardo da maneira como me foi recomendado e, no final dele, comecei a sentir umas dores e percebi que a saía um líquido com odor forte e sangue da minha vagina. No início, achei que fazia parte do próprio resguardo”, conta.

Cinco dias depois de apresentar os sangramentos na região uterina, as dores se intensificaram, levando-a a procurar novamente o HRSam. “Eu sentia uma dor muito forte. Quando tocava, parecia ter um caroço. Fui ao hospital ver o que era e o médico retirou, de dentro da vagina, a primeira gaze estava podre e, em seguida, outra”.

Segundo Erika, o profissional responsável pela extração dos materiais hospitalares omitiu a informação no prontuário em uma tentativa de “tentar esconder o erro médico”. À reportagem, a jovem disse ter procurado a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no dia seguinte para denunciar o fato e disse ter se sentido “esquecida”.

“Foi tudo muito difícil. Primeiro, perdi meu primeiro filho em um hospital que não tinha atendimento bom, que foi negligente. Fui esquecida e minha irmã teve de procurar os médicos para que eles me atendessem. Depois do parto, quando estava me recuperando e sofrendo meu luto, ainda tive que passar por tudo isso, inacreditável”, lamentou a autônoma.

Investigação policial

Assim como Erika, outras pacientes do Hospital Regional de Samambaia também denunciaram supostas negligências na unidade pública de saúde. Os relatos, que envolvem erros médicos, mortes de bebês e até humilhações, levaram a 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte) a dar início a uma investigação.

O responsável pelas investigações que têm como alvo pelo menos oito médicos, o delegado adjunto da 26ª DP (Samambaia Norte), Guilherme Sousa Melo, disse que as mulheres apontam casos de constrangimentos no decorrer de procedimentos na ala de obstetrícia.

Uma das vítimas chegou a relatar aos policiais que, após reclamar e gritar de dor durante atendimento, um médico disse: “Com um órgão (vagina) desse tamanho, do que ainda está reclamando?”. “São relatos constrangedores”, destacou o delegado. Em outro caso, uma idosa afirmou que um profissional a mandou calar a boca porque considerava que “ela perguntava demais”.

“O que conseguimos identificar é que as vítimas são pessoas carentes e procuram a unidade hospitalar para receber o atendimento que o Estado deveria lhes proporcionar e acabam sendo maltratadas por médicos. Isso está sendo apurado”, enfatizou o delegado. Até o momento, há registro de oito dessas situações em 2019 – no ano passado, foram três ocorrências.

Ainda segundo o policial, uma das consequências da diligência é apuração de casos que ainda não foram registrados. “Queremos ter uma dimensão exata de quem são os médicos que praticam isso. Precisamos também destacar que não são todos e que a direção do hospital está nos ajudando a identificar isso”, pontuou.

Se os laudos apontarem negligência médica, os profissionais poderão responder por omissão de socorro e homicídio culposo (sem intenção de matar). “Quando se faz uma avaliação, sem o mínimo de técnica, e isso gera a morte da criança, por ser tratar de profissional especializado, há sim uma responsabilidade indireta pela morte”, ressalta o delegado.

Alguns médicos já foram intimados e ouvidos. “Ainda é preciso levantar nomes de demais componentes das equipes, como técnicos de enfermagem, enfermeiros e outros, para que os relatos complementem as nossas investigações. Estamos programando oitivas para médicos e novos pacientes sejam ouvidos ainda nesta semana”, acrescentou Guilherme Melo.

Violência obstétrica

Outro episódio é o da autônoma Lorrane Stefany, 19, moradora de Santo Antônio do Descoberto (GO). Ela acusa a equipe médica do Hospital Regional de Samambaia de omissão, negligência e violência obstétrica. O marido da mulher denunciou a unidade de saúde à Polícia Civil após a morte do bebê deles durante o parto, em setembro de 2018. Na ocasião, o caso foi mostrado pelo Metrópoles.

De acordo com o pai da criança, a companheira esteve em trabalho de parto por mais de um dia. A jovem havia começado a sentir contrações cerca de um mês antes. À época, ela recorreu ao hospital público para atendimento médico. Porém, as aflições continuaram. Mesmo com dores, não foi internada. Conforme a denúncia, a equipe médica não quis deixá-la no HRSam sob o argumento de que somente poderia realizar o procedimento a partir da 41ª semana de gestação.

Sem conseguir respaldo médico, Lorrane recorreu a um hospital em Santo Antônio do Descoberto (GO), Entorno do DF. Em seguida, a unidade a encaminhou de volta para Samambaia com indicação de cesariana. No dia 18 de setembro de 2018, por volta das 17h30 – mais de 24 horas após a internação –, a jovem foi submetida a parto normal. O bebê morreu logo depois. Segundo a família, a tragédia ocorreu em razão de procedimentos inapropriados.

“Deixaram a tesoura enrolada no cordão umbilical na minha perna durante 20 minutos e eu exposta”, ressaltou Lorrane. Ela frisou que o seu caso não teve desfecho na delegacia porque os médicos e enfermeiras intimados não compareceram à unidade policial.

À época, por meio de nota, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal “lamentou profundamente o ocorrido” e informou que a paciente estava em trabalho de parto. “Porém, o bebê entrou em sofrimento durante o período expulsivo”. Na sequência, conforme comunicado da pasta, a equipe médica iniciou a reanimação neonatal. “No entanto, infelizmente, não houve resposta positiva do bebê”, diz trecho do texto.

Até o momento, oito médicos – homens e mulheres – estão sendo investigados pela 26ª DP (Samambaia). O Conselho Regional de Medicinae o Ministério Público do DF e Territórios também apuram as denúncias. Há registro de duas ou mais ocorrências envolvendo um mesmo profissional. “Na semana passada, nós reunimos nove vítimas na DP para ter uma ideia da dimensão do que acontecia no HRSam, em relação a atendimento médico. Entre os casos, me chamou atenção um procedimento realizado que, de acordo com a vítima, teria causado a fratura da clavícula de um bebê”, salientou o delegado.

O que diz a Secretaria de Saúde

Por meio de nota, a direção do HRSam comunicou que “todas as providências estão sendo tomadas pela direção e pela Superintendência da Região de Saúde Sudoeste”. Ainda de acordo com o texto, “um processo sigiloso foi aberto no âmbito da Secretaria de Saúde”. A pasta não informou se os médicos investigados continuam exercendo suas funções.


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