Ainda pouco conhecida, a dependência de medicamentos existe e não diz respeito unicamente aos consumidores de estupefacientes em busca de produtos de acesso mais fácil e mais baratos. Para o medico Michel Mallaret, que responde a entrevista abaixo, é preciso reduzir imediatamente o uso de benzodiazepinas largamente consumidas como tranquilizantes.
Le Figaro – Quais são os medicamentos implicados nas situações de dependência medicamentosa?
Michel Mallaret* - A grande maioria dos medicamentos psicoativos (os que exercem uma ação sobre o cérebro e modulam a atividade psíquica) tem um potencial de adicção com intensidades diversas. O problema (estou falando mais especificamente da França, mas podemos estender o raciocínio ao resto do mundo desenvolvido), do consumo de benzodiazepinas como “tranquilizantes” e “soníferos”é conhecido há muito tempo, há décadas. Claro, os franceses não são mais os campeões desse consumo na Europa (estamos, agora, em segundo ou terceiro lugar nessa classificação), mas preconiza-se grandes esforços para reduzir esse uso excessivo. A duração do uso desses medicamentos deve ser temporária (4 semanas para um hipnótico, doze semanas para um ansiolítico) para se rediscutir, em seguida, com o próprio médico, a parada total – que deve ser a principal opção.
O uso dessas benzodiazepinas prescritas pelos médicos e vendidas nas farmácias comporta dois riscos diferentes: O primeiro e mais frequente é a diminuição dos seus efeitos ao longo do tempo associada a um risco de síndrome de abstinência, quando a pessoa interrompe o consumo de forma brutal e intempestiva, sem permissão e acompanhamento médico. Essa falta pode redundar em insônias temporárias ou acessos de angústia; mais raramente podem acontecer crises de epilepsia nessas pessoas, embora elas nunca tivessem manifestado síndromes epilépticas antes.
O segundo risco, após uma prescrição para tratar insônia ou ansiedade, é o abuso progressivo que se manifesta pelo aumento das doses diárias em busca de um prazer intenso, de um “barato”. Trata-se neste último caso de uma verdadeira adicção a medicamentos. Ela pode se referir a um paciente adicto a diferentes “drogas”e que descobre secundariamente essa possibilidade de abuso. Ela pode igualmente afetar a existência de uma pessoa comum que começou progressivamente a abusar e a tomar esse medicamento em doses excessivas, passando a correr o risco de provocar um acidente na rua ou manifestar até mesmo uma depressão respiratória potencialmente mortal. A adicção aos medicamentos de combate à dor, notadamente os derivados do ópio, ou opioides, aumenta progressivamente, de ano para ano, embora ainda não tenhamos atingido os altíssimos números norte-americanos.
Vocês controlam também outras classes de medicamentos?
Os treze centros de adicto-vigilância existentes na França, avaliam, graças ao trabalho de profissionais da saúde, todos os medicamentos que tenham, de maneira mais forte ou mais fraca, algum efeito sobre o cérebro (soníferos, tranquilizantes, analgésicos opiáceos, anti-histamínicos, etc). Nossa vigilância se estende a numerosos medicamentos que podem ter efeitos conhecidos ou desconhecidos sobre o cérebro. Estamos igualmente disponíveis para informar o grande público e os profissionais da saúde, para os aconselhar, avaliar com eles as adicções de medicamentos e de drogas e para informá-los a respeito dos possíveis tratamentos para as adicções.
Que fazer para sair de uma dependência?
As pessoas dependentes, que se tornaram adictas de alguma substância, em geral esperam muito para consultar os seus médicos e relatar o que está acontecendo. Com frequência, a primeira consulta médica só sucede após muitos anos de abuso e de adicção a algum medicamento! No entanto, não existe nenhuma vergonha no fato de se consultar um profissional médico a respeito, que respeitará o anonimato do paciente, como para qualquer outra consulta. Além disso, existem agora diferentes tratamentos medicamentosos, psicoterapêuticos e médico-sociais para a pessoa se livrar de uma adicção. Se o médico for um clínico geral, por exemplo, ele poderá recorrer a um especialista da adicção, um adictólogo, muito útil nos casos mais complexos. Essa especialidade médica é bastante recente, mas sua utilidade torna-se evidente diante da frequência, na França e em muitíssimos outros países, de adicções (álcool, cigarro, medicamentos, drogas) e suas consequência maiores em termos de saúde pública.
É grande, nos dias de hoje, o número de pessoas jovens que se drogam com medicamentos?
O exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos nos incita a uma grande vigilância: a entrada dos Estados Unidos na esfera da toxicomania dos derivados do ópio não começa pelo uso da heroína, mas sobretudo pelo uso de medicamentos opiáceos usados contra a dor, notadamente a oxicodona, que lá é muito mais facilmente acessível do que na França e no resto da Europa. O aumento do consumo de opiáceos na França deve-se ao fato de que eles são excelentes analgésicos, mas passar disso para o consumo abusivo revelou-se muito fácil. Os medicamentos podem se tornar grandes vetores para a entrada das pessoas na esfera da toxicomania, notadamente para os que seguem a moda norte-americana do “purple drank”que consiste em comprar medicamentos nas farmácias com o objetivo de alcançar algum “barato”ou para“alucinar”. Os que buscam esses efeitos ingerem enormes quantidades dos medicamentos, misturando-os entre si e com bebidas alcoólicas. Os jovens conseguem facilmente obter receitas deletérias dessas misturas nas páginas da Internet, mas não são suficientemente informados dos perigos que esses abusos acarretam.
*O médico Michel Mallaret é o atual vice-presidente da Comissão de Estupefacientes e Psicotrópicos da ANSM na França.
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