A Neglimed é apresentada neste sábado e nasce da experiência da psicóloga Elisabete Carvalho, depois de uma cirurgia em 2010. Não quer que mais doentes fiquem perdidos e sozinhos num “limbo”.
Elisabete Carvalho foi operada em 2010 e teve uma septicemia, por lhe terem perfurado o intestino. MARGARIDA BASTOS |
Elisabete Carvalho compara o que viveu a “uma gaveta que está sempre a abrir-se” e que não consegue arrumar. Há seis anos foi operada a um carcinoma renal. A cirurgia não correu bem e teve complicações graves “que resultaram de negligência médica”. Sobreviveu com marcas físicas e psicológicas. Encontrou um percurso nebuloso junto do médico, do hospital, das entidades na área da saúde e dos tribunais que não lhe permitiram ainda fechar esta gaveta. Ao longo destes anos percebeu que “quem sofre de erro médico enfrenta um caminho difícil e solitário”. Não quer que mais doentes fiquem perdidos e, por isso, neste sábado apresenta oficialmente a organização que criou: a Neglimed - Associação de Vítimas de Negligência Médica em Portugal, a primeira do género.
A associação foi criada em Janeiro - contando com nove fundadores - e a psicóloga de 58 anos, a sua presidente, tem estado desde essa altura a trabalhar para fazer coincidir a apresentação da Neglimed com um encontro que organizou e que acontece neste sábado na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, com o tema Responsabilidade Médica, Erro em Saúde e Direito dos Pacientes e que conta com o apoio do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Neste encontro estará presente uma associação congénere espanhola.
“Sempre de forma gratuita, temos como principal objectivo informar, esclarecer, apoiar e encaminhar as vítimas de negligência médica ou os seus familiares. Queremos dar voz às vítimas, o que não quer dizer que queiramos culpabilizar os médicos, que na maioria dos casos fazem muito bem o seu trabalho. O que defendemos é uma cultura de responsabilização sobretudo para evitar que os erros se repitam”, explica ao PÚBLICO a presidente da Neglimed, que lembra que os clínicos têm seguros de responsabilidade civil mas que raramente são accionados por se interpretar que “ao activarem esta protecção estão a assumir a culpa”.
Entre 1300 e 2900 mortes por ano
Em Portugal não há números oficiais sobre erros médicos. Apenas estimativas. A obra O Erro em Medicina, de José Fragata e Luís Martins, aponta para 1300 e 2900 mortes por ano relacionadas com negligência médica. Em 2016, das mais de 69 mil reclamações, elogios e sugestões que chegaram à Entidade Reguladora da Saúde, cerca de 11 mil estavam relacionados com os cuidados de saúde e a segurança do utente – o que não quer dizer que em todos tenha havido erro comprovado. Já a Ordem dos Médicos recebeu 65 queixas sobre o tema em 2015.
Elisabete não guarda rancor do que lhe aconteceu em 2010, mas ainda lhe custa recordar tudo. Após a cirurgia ao cancro teve dores e febre, mas diz que nada foi detectado e teve alta. Voltou três dias depois e foi operada de urgência: a primeira cirurgia causou uma perfuração no intestino, o que deu origem a uma septicémia – uma infecção generalizada no organismo, que muitas vezes leva à morte. Ficou com o intestino ligado a um saco, que foi depois removido numa terceira cirurgia, já feita por outro médico. “Mantive a confiança no primeiro médico mas senti-me abandonada por ele. Não se mostrou disponível para me continuar a seguir e na verdade um pedido de desculpa provavelmente tinha chegado para não estar aqui hoje e acho que muitos doentes pensam assim.”
Tudo "demorado" e "dispendioso"
Para a doente, o principal choque aconteceu quando o hospital privado lhe enviou a conta da segunda cirurgia. Fez queixa ao próprio hospital, à Entidade Reguladora da Saúde e à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Pediu uma perícia médica que “custou mais de 1000 euros e que demorou quase quatro anos”. “É tudo muito demorado, não sabia a quem recorrer e não quero que isso continue a acontecer. Até porque também é muito dispendioso. O meu caso está em tribunal mas interpor uma acção custa uns 800 euros. O encerramento dos casos é muito importante para que as vítimas não sintam que têm as vidas hipotecadas e saiam do limbo.”
A fundadora desta associação gosta de lembrar que “os médicos estudam para aprenderem a serem médicos, mas os doentes não estudam para serem doentes e os erros surgem em alturas de grande fragilidade”. Encaminhar as vítimas para especialistas médicos que possam certificar o que aconteceu e para juristas será uma das funções da Neglimed. Mas Elisabete também gostaria de conseguir mudanças legislativas, nomeadamente a criação de comissões de arbitragem junto das instituições de saúde que resolvam os casos de forma célere “como aconteceu no processo exemplar dos cegos de Santa Maria que foram indemnizados em nove meses”.
Tudo "demorado" e "dispendioso"
Para a doente, o principal choque aconteceu quando o hospital privado lhe enviou a conta da segunda cirurgia. Fez queixa ao próprio hospital, à Entidade Reguladora da Saúde e à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Pediu uma perícia médica que “custou mais de 1000 euros e que demorou quase quatro anos”. “É tudo muito demorado, não sabia a quem recorrer e não quero que isso continue a acontecer. Até porque também é muito dispendioso. O meu caso está em tribunal mas interpor uma acção custa uns 800 euros. O encerramento dos casos é muito importante para que as vítimas não sintam que têm as vidas hipotecadas e saiam do limbo.”
A fundadora desta associação gosta de lembrar que “os médicos estudam para aprenderem a serem médicos, mas os doentes não estudam para serem doentes e os erros surgem em alturas de grande fragilidade”. Encaminhar as vítimas para especialistas médicos que possam certificar o que aconteceu e para juristas será uma das funções da Neglimed. Mas Elisabete também gostaria de conseguir mudanças legislativas, nomeadamente a criação de comissões de arbitragem junto das instituições de saúde que resolvam os casos de forma célere “como aconteceu no processo exemplar dos cegos de Santa Maria que foram indemnizados em nove meses”.
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