terça-feira, 27 de junho de 2017

Pais de criança que morreu por negligência serão indenizados




Os pais de uma criança de um ano, que morreu em razão de negligência em atendimento médico-hospitalar, ganharam o direito à indenização de R$ 200 mil, em decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), por maioria, em quórum estendido. O valor deverá ser pago, solidariamente, pelo Município de Igarapé Grande e pelo médico plantonista.
 
O Município e o médico recorreram ao TJMA contra a sentença do Juízo de Igarapé Grande, que condenou as duas partes, solidariamente, ao pagamento de indenização, por danos morais, no valor de R$ 300 mil. A decisão de primeira instância entendeu que o óbito da filha dos apelados decorreu do mau atendimento prestado pelo plantonista, durante a internação da criança no Hospital Municipal Manuel Matias.
 
O médico sustentou que o parecer produzido pela Procuradoria de Justiça é imprestável, pois, na hipótese, havia necessidade de produção de prova pericial. Defendeu, ainda, que tomou todas as providências cabíveis dentro do que lhe era possível, considerando a falta de medicamentos mais eficazes no hospital e a ausência de operadores para realização dos exames de imagens necessários, além de arguir que a mãe da criança agravou seu quadro ao retirá-la do hospital sem autorização.
 
O Município alegou que não há provas da ocorrência de erro médico, notadamente pela insuficiência do parecer técnico produzido pelo Ministério Público estadual (MPMA), no qual se fundou o juízo. Sustentou que a mãe da criança dificultou o atendimento médico, impondo barreiras para a regular administração de medicamentos e retirando a menor do ambiente hospitalar sem que ela tivesse recebido alta, o que teria agravado seu estado de saúde.
 
O relator do recurso de apelação, desembargador Paulo Velten, disse que o conjunto probatório constante nos autos é suficiente para demonstrar que houve negligência no atendimento médico prestado à criança, que morreu no dia 16 de janeiro de 2007, poucas horas depois de ser transferida para o Hospital Getúlio Vargas, em Teresina (PI), em razão de um quadro de obstrução intestinal aguda.
 
O desembargador destacou que, embora o parecer técnico subscrito por analista do Ministério Público tenha trazido consignado que houve imprecisão e demora na conduta terapêutica do médico, o fato é que o Juízo não se fundou apenas no parecer para reconhecer a deficiência no atendimento médico-hospitalar prestado à criança, mas também em farta prova testemunhal, por meio da qual ficou demonstrado que a garota passou aproximadamente treze horas sem receber nenhum tipo de avaliação do médico, em atitude de completo descaso para com a criança de apenas um ano de idade.
 
Velten acrescentou que a prova pericial foi expressamente dispensada pelo médico, que não pode agora, já em sede de recurso, suscitar a falta de perícia. Disse, ainda, que embora a criança estivesse em ambiente hospitalar, ela não se encontrava sob “estrita observação médica” como sustentaram os recorrentes, pois não recebeu nenhuma avaliação no período entre 19h do dia 15/01/2007 até aproximadamente 8h do dia seguinte. Baseado nisso, disse que não procede a argumentação do médico de que tomou todas as medidas que lhe eram possíveis.
 
O relator citou trechos do depoimento do médico, segundo o qual, em um deles, diz que examinou a criança às 19h; que ao ser avisado pela enfermeira que a mesma estava com quadro febril, por volta das 22h, passou apenas “SOS”, que seria a medicação descrita em seu prontuário; que não foi examinar a vítima neste momento em razão do curto lapso de tempo, bem como o estado clínico em que a mesma se encontrava às 19h. Que somente examinou a vítima novamente na saída do plantão, já pela manhã, aproximadamente por volta das 8h. Segundo o médico, antes de sair, ele constatou que o quadro clínico da criança tinha evoluído para pior, prescreveu antibióticos, descreveu o quadro clínico no prontuário médico e ressaltou para o outro médico que desse maior atenção à vítima.
 
O desembargador Paulo Velten assinalou que o hospital, à época, já dispunha de laboratório de análises clínicas, aparelhos de raio-x e de ultrassonografia, e que, nem a alegação de que os técnicos não trabalhavam à noite é suficiente para afastar o descaso do apelante, pois a criança ingressou no hospital às 10h do dia 15/01/2007, ao passo que o recorrente apenas saiu do plantão por volta das 8h do dia seguinte, sem solicitar nenhum exame.
 
Velten frisou que, ao contrário do que afirmou o médico, ele não chegou a relatar a situação ao plantonista que assumiu seu posto, que afirmou não ter encontrado o médico que primeiro atendeu a criança no momento da troca de plantões. Falou que não há demonstração nos autos de que a conduta da mãe da criança tenha agravado o quadro, pois testemunhas revelaram que a saída, às 6h, durou poucos minutos, já após a menina ter permanecido a noite inteira sem qualquer visita médica, que só foi ocorrer cerca de duas horas mais tarde. Acrescentou que não ficou demonstrado que a dificuldade na administração do soro venoso foi por causa da resistência da mãe, já que relatos do corpo técnico de enfermagem apontam que o soro foi administrado, embora de maneira descontínua, em razão da dificuldade da permanência do escalpe nas veias finas da menina.
 
O relator ressaltou que a criança morreu muito tempo depois de ser admitida no hospital do Município, enquanto aguardava, tardiamente, avaliação do cirurgião no hospital de Teresina, para onde foi transferida, com pouca chance de sobrevivência. Entendeu que o atendimento dispensado pelo médico apelante retardou em muitas horas a detecção da gravidade do quadro de saúde da menina, com consequente demora na sua transferência para um hospital de referência.
 
Velten concluiu que, embora não se possa imputar diretamente aos apelantes a responsabilidade pelo óbito da vítima, se a criança tivesse sido examinada com mais cautela e diagnosticada a tempo, a cirurgia poderia ser realizada e a menor teria chance de sobrevivência, sendo aplicável ao caso a teoria da perda de outra chance de cura.
 
O relator entendeu que a sanção não deve corresponder à indenização pelo dano morte, mas em razão da ausência de atuar eficiente do médico, imputável ao Município em virtude da teoria do órgão, e do dano sofrido, considerado, no caso, a perda de uma chance de sobrevivência.
 
Em razão disso, votou pela redução da indenização por danos morais em um terço, R$ 100 mil, em relação à sentença de primeira instância, que fixou o valor em R$ 300 mil.
 
O desembargador Jaime Araújo negou provimento ao recurso, mantendo os danos morais em R$ 300 mil, enquanto o desembargador Marcelino Everton acompanhou o relator. Como a decisão não foi unânime, houve necessidade de votação em quórum estendido, como determina o novo Código de Processo Civil. O desembargador João Santana e o juiz Raul Goulart Júnior, convocados para compor quórum, também acompanharam o voto do relator, pelo provimento parcial, fixando a indenização em R$ 200 mil, a ser paga solidariamente pelos apelantes.
 

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