domingo, 18 de junho de 2017

Violência obstétrica: saiba se você já foi vítima e como denunciar




Recusa de atendimento, agressões verbais, privação do acompanhante, abuso de medicalização, passar por procedimentos sem entender o que eles significam durante o parto. Nada disso deve ser considerado normal e natural. Todos esses itens fazem parte da lista do que é considerado violência obstétrica
 
Apesar de ser um conceito muito complexo e amplo, violência obstétrica se define como procedimentos cometidos contra a mulher grávida durante as consultas durante a gestação, no parto e após o nascimento. A violência pode ser moral, física, psicológica e sexual e pode ocorrer de forma explícita ou velada, conforme explica Carlos Politano, coordenador da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo).
 
— A palavra chave durante a gestação é desejo. As vontades da grávida têm que ser respeitadas e ela tem que ser consultada a cada etapa e decisão médica. Condutas inadequadas, imposições, procedimentos dolorosos e demais atos estão enquadrados na violência obstétrica.
 
Segundo a pesquisa mais recente, realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostra que uma em cada quatro brasileiras diz já ter sofrido algum tipo de violência durante o parto.
 
Negar o direito a um acompanhante no momento do parto; agendar uma cesárea sem a devida recomendação e sem consentimento da mulher; utilizar-se da manobra de Kristeller (fazer pressão sobre a barriga da gestante para empurrar o bebê); fazer comentários constrangedores; ofender a mulher; realizar a episiotomia (corte cirúrgico feito no períneo para facilitar a passagem do bebê durante o parto normal) sem que haja indicação clínica; e proibir a mulher de se levantar e se locomover durante o trabalho de parto são alguns exemplos práticos desse tipo de ato e indicativos de que há abuso por parte da equipe médica.
 
De acordo com o coordenador da Sogesp, as ações violentas podem trazer danos físicos, mas também psicológicos e morais.
 
Apesar de levar carregar o termo “obstétrica”, Politano afirma que esse tipo de violência contra a mulher envolve atendimento inadequado “que pode ser praticado por qualquer profissional da saúde envolvido na gestação e no parto”. Por isso, ele destaca a importância de uma equipe multidisciplinar, na qual doulas e parteiras dividam com os obstetras o espaço de atuação, para que cada um faça contribuições com seu conhecimento.
 
Violência obstétrica e o parto cesárea
 
Um dos motivos de as mulheres sofrerem violência obstétrica está diretamente ligado ao alto índice de partos cesáreas realizados no Brasil, segundo a parteira e mestre em Saúde Pública Bianca Zorzam. Na opinião da especialista, os médicos estão despreparados para lidar com as demandas das mulheres quanto ao parto e “a maioria dos obstetras brasileiros marcam cesáreas por conveniência”.
 
— O parto continua sendo ensinado como no século passado: com episiotomia de rotina, posição de litotomia [corpo deitado com a face voltada para cima, com flexão de 90° de quadril e joelho e pernas abertas] e fórceps [instrumento utilizado para auxiliar a retirada de um feto quando a contração natural não é suficiente para o parto ou possa colocar em risco a vida da gestante ou do feto]. Esse é o paradigma do parto normal medicalizado que estamos tentando desconstruir.
 
Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em março dos 3 milhões de partos realizados Brasil em 2015 55,5% foram cesáreas e 44,5%, partos normais. A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que a taxa de cesárea deveria estar próxima de 15%.
 
Já na opinião do coordenador da Sogesp, não há relação entre a violência obstétrica no País e a alta taxa de cesarianas.
 
— Não podemos entender que o número de cesáreas é por causa de obstetra que forçou a cesariana. A paciente tem direito de escolha e, muitas vezes, opta por isso e é seu direito constitucional. Talvez, o Brasil seja um país onde os partos são personalizados, e isso cria um vínculo tal com o médico que essa mulher tem um momento de livre escolha. Em algumas situações, os médicos acabam conduzindo, mas vemos obstetras “empurrando” cada vez menos para a cesárea. Temos que entender que a mulher tem um grau de entendimento que a faz optar pela cirurgia.
 
Ana Rita Souza Prata, defensora pública e coordenadora do Nudem (Núcleo Especializado de Promoção dos Direitos da Mulher) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pondera que a formação dos médicos os leva a agir de forma interventiva.
 
— A gente percebe que a medicina é baseada na tecnologia. Intervenções e cirurgias são ensinadas, enquanto a não-intervenção não é ensinada. O que se vê é que pessoas aprendem intervenções naquela área e acabam não se dedicando tanto a aprender a não-intervenção. Há uma dificuldade de acompanhar o parto normal ou resolver de forma menos interventiva um acontecimento naquele parto.
 
Cultura brasileira
 
Segundo a promotora, na cultura brasileira há um entendimento de dor no parto como algo normal, o que contribuiria para perpetuar a naturalização da violência obstétrica.
 
— Há muita subnotificação de casos desse tipo de violência porque as mulheres desconhecem que foram vítimas de violência, porque isso é naturalizado. É naturalizado que o momento do parto é doloroso e ruim, então elas acreditam que é normal. Não buscam orientação ou informação sobre outras formas de atendimento adequado e humanizado. Muitos casos que chegam [na Defensoria Pública] são de mulheres que têm mais acesso ou que sofreram danos mais graves à saúde da mulher ou ao bebê, nos quais a conduta deixou sequelas.
Falta de legislação leva ao “erro médico”
 
Atualmente, não há lei federal que tipifique a violência obstétrica, apesar de haver leis estaduais e projetos de lei, ainda não aprovados, explica Ana Rita. Por isso, como não há tipificação desse ato na legislação, muitos juízes classificam casos de violência obstétrica como “erro médico”.
 
Assim, é difícil encontrar, inclusive, demandas judiciais que tratam do assunto. Soma-se a esse obstáculo a subnotificação, como diz Ana Rita. Com isso, há uma dificuldade por parte do Judiciário de reconhecer a violência.
 
— Eu entendo que a mulher está amparada pela lei e pelas normas técnicas de humanização do parto. Isso não significa que o Judiciário vai reconhecer que houve violência obstétrica justamente porque esse conceito não é oficializado de forma federal. Apesar do amparo, a demanda dela não necessariamente será acolhida porque, muitas vezes, os juízes, ao analisar a situação como erro médico, levam em conta dados concretos de sequelas para a mãe ou o bebê. Há dificuldade de debater questões menos concretas.
 
Ana Rita ressalta que, como os danos psicológicos e morais que a mulher que passou por um caso de violência obstétrica sofre não são palpáveis, a Justiça tem dificuldade em determinar se a conduta médica foi violenta ou não. Então, muitas mulheres optam por não fazer a denúncia.
 
Apesar deste cenário, a defensora afirma que o crescimento do debate sobre o tema na sociedade tem crescido as denúncias. E, com mais dados sobre o tema, haverá mais informação e redução dos casos.
 

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